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“Sportswashing”

Sedes de Olimpíada e Copa, China e Catar entram na mira por violações de direitos humanos

Relógio em Doha marca o tempo restante para a abertura da Copa do Mundo do Catar (Foto: EFE/EPA/NOUSHAD THEKKAYIL)

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Não é de hoje que governos autoritários sediam eventos esportivos com o objetivo de tentar demonstrar poder e obter prestígio: basta lembrar que a Alemanha nazista recebeu os Jogos Olímpicos de 1936, e a União Soviética, a Olimpíada de 1980.

Entretanto, nos últimos anos, o acúmulo de grandes eventos esportivos em países autocráticos e as aquisições de clubes de futebol europeus por fundos ligados a governos com esse perfil levaram à criação do termo sportswashing – que designam essa tentativa de limpar a imagem por meio do esporte.

Notórios violadores de direitos humanos, a China e o Catar entram agora com mais foco na mira de imprensa, atletas, federações e ongs porque sediarão os dois eventos esportivos mais importantes de 2022, respectivamente os Jogos Olímpicos de Inverno, em fevereiro, e a Copa do Mundo de futebol, entre novembro e dezembro.

O Catar começou a ser criticado logo após o anúncio de que seria o primeiro país do Oriente Médio a receber a Copa, devido principalmente às condições degradantes de trabalho na construção dos estádios onde acontecerão as partidas.

No início deste ano, o jornal britânico The Guardian informou que mais de 6,5 mil trabalhadores migrantes da Índia, Paquistão, Nepal, Bangladesh e Sri Lanka morreram no Catar desde que o país ganhou o direito de sediar a Copa do Mundo, em 2010. Os números totais são provavelmente muito maiores, já que mortes de operários de outros países não foram contabilizadas.

Entretanto, essas mortes não teriam ocorrido apenas nas obras dos estádios, já que outras de grande porte (de estradas, hotéis, transporte público, um novo aeroporto e até de uma cidade inteira) também estão sendo realizadas no país.

Em comunicado divulgado este mês, a Anistia Internacional destacou que, após muitas denúncias, o Catar aprovou leis para acabar com as restrições que impediam trabalhadores migrantes de deixar o país ou mudar de emprego sem a permissão do empregador.

“Se aplicadas de forma adequada, elas teriam o potencial de atingir o cerne do sistema de kafala (comum em países árabes, pelo qual trabalhadores não qualificados têm um patrocinador no país, geralmente o empregador, responsável pelo visto e estatuto legal), que continua a vincular os trabalhadores migrantes aos seus empregadores, mas trabalhadores disseram à Anistia Internacional que ainda enfrentam obstáculos significativos na mudança de emprego e resistência de patrões descontentes”, apontou o informe.

A Anistia Internacional também lembrou que o Catar implementou mudanças para beneficiar os trabalhadores migrantes, como uma lei que regula a carga horária de trabalhadores domésticos, tribunais trabalhistas para facilitar o acesso à Justiça, um fundo para garantir o pagamento de salários não pagos e salários mínimos. Também ratificou dois tratados internacionais de direitos humanos, ainda que sem reconhecer o direito dos trabalhadores migrantes de se filiarem a sindicatos.

Porém, segundo a Anistia Internacional, em grande parte a exploração continua: por exemplo, a ong cita que, embora o Catar tenha revogado a exigência de obter uma autorização de saída e um certificado de não objeção para a maioria dos trabalhadores migrantes, permitindo-lhes deixar o país e mudar de emprego sem buscar o consentimento de seus patrocinadores, elementos problemáticos do sistema de kafala ainda persistem – como empregadores abusivos que impedem que trabalhadores migrantes mudem de emprego e controlam seu status legal.

A federação de futebol da Dinamarca, uma das seleções europeias já classificadas para o Mundial, informou que durante a Copa do Catar vai substituir marcas de patrocinadores nos uniformes por mensagens de apoio aos direitos humanos. Além disso, não participará de ações de promoção do país.

Este mês, o heptacampeão mundial Lewis Hamilton utilizou durante a etapa da Fórmula 1 no Catar um capacete com as cores do arco-íris, símbolo do movimento LGBTQIA+: a homossexualidade é crime no país.

Países consideram boicote diplomático aos Jogos de Inverno de Pequim

Pequim se tornará, em 2022, a primeira cidade na história a ter sediado tanto os Jogos Olímpicos de Verão (em 2008) quanto os de Inverno. Entretanto, na semana passada, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, afirmou que avaliava a possibilidade de um boicote diplomático ao evento devido às violações de direitos humanos na China – os atletas americanos participariam das disputas, mas nenhum representante do governo iria à capital chinesa. Outros países, como Canadá e Austrália, avaliam a mesma medida.

Ao mesmo tempo, o cerco à China aumentou com uma campanha internacional para saber o paradeiro da tenista chinesa Peng Shuai, que era desconhecido desde que ela publicou um texto em que acusou um ex-membro da cúpula do Partido Comunista da China de agressão sexual.

Para mostrar que a tenista estaria bem, a mídia estatal chinesa divulgou uma suposta carta de Peng à Associação de Tênis Feminino (WTA, na sigla em inglês) e imagens dela que seriam recentes, mas a confederação suspeitou de coação e ameaçou cancelar os torneios que realiza na China.

O presidente do Comitê Olímpico Internacional (COI), Thomas Bach, relatou no site da entidade que fez uma videochamada com Peng Shuai e foi acusado de “golpe de publicidade”.

O pivô turco Enes Kanter, do time de basquete americano Boston Celtics, se especializou em campanhas contra a ditadura chinesa, denunciando temas espinhosos como a repressão ao Tibete e a extração forçada de órgãos na China. Numa aparente retaliação, um serviço de streaming chinês parou de exibir jogos do Boston Celtics na China.

Criador do termo sportswashing acredita que situação piorou

Em reportagem publicada esta semana, o portal britânico iNews especulou que o termo sportswashing teria sido usado pela primeira vez em 2015, quando os Jogos Europeus (uma versão reduzida das Olimpíadas) foram realizados na capital do Azerbaijão, Baku. A ideia teria surgido de um brainstorming de Padraig Reidy e Mike Harris, da agência de publicidade londrina 89up.

“O regime do Azerbaijão não estava apenas sediando os Jogos Europeus, mas também ansiava por fazer de Baku uma presença regular no circuito dos Grandes Prêmios (de Fórmula 1). O esporte global foi claramente o principal foco de relações públicas para encobrir o histórico apavorante do governo de prisão de jornalistas e ativistas de direitos humanos”, disse Reidy ao iNews.

Ao longo dos anos, o termo passou a abranger também a compra de clubes de futebol europeus por autocracias árabes, como a recente aquisição do inglês Newcastle por um fundo público da Arábia Saudita.

Apesar da criação de um termo específico para denunciar a prática, o sportswashing segue a todo vapor – para desilusão de Reidy. “Desde que cunhamos o termo, a prática parece ter se tornado cada vez mais prevalente, com organizações esportivas internacionais se tornando cúmplices”, lamentou.

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