A onda de protestos contra o aumento dos preços dos combustíveis que também pedem a saída do presidente do Peru, Pedro Castillo, é o mais recente capítulo de uma crise política da qual o país não consegue se desvencilhar: o mandatário esquerdista é o sexto presidente peruano em um período de seis anos.
No final de março, Castillo sobreviveu ao segundo pedido de impeachment em menos de um ano (assumiu a presidência em julho de 2021), o oitavo processo deste tipo que um presidente peruano enfrentou desde 1992, mas que fracassou porque a oposição não conseguiu o número mínimo de votos.
A petição incluía 20 pontos, que vão desde nomeações “questionáveis” de pelo menos dez ministros de estado à suposta existência de um “gabinete nas sombras”, além das declarações do presidente em entrevista à CNN sobre sua intenção de convocar um referendo para conceder à Bolívia uma saída para o mar.
A moção também mencionava o suposto crime de tráfico de influência em licitações e promoções de policiais e militares, além de denúncias de uma empresária que vinculou Castillo a uma suposta rede de corrupção.
A corrupção é a primeira explicação para a instabilidade política no Peru nos últimos anos. Em 2018, o então presidente Pedro Pablo Kuczynski (conhecido como PPK), que atualmente está em prisão domiciliar, renunciou devido a denúncias envolvendo a Odebrecht. Ele havia chegado ao poder menos de dois anos antes, quando foi eleito para suceder Ollanta Humala.
Seu sucessor, Martín Vizcarra, que assumiu por ser o vice-presidente, sofreu impeachment em novembro de 2020, também acusado de corrupção. Depois, veio Manuel Merino, presidente do Congresso, que desistiu após apenas cinco dias devido aos protestos da população peruana.
Francisco Sagasti, presidente do Legislativo, ficou no cargo até julho de 2021, quando foi substituído por Castillo, vencedor de uma disputa apertada no segundo turno contra a filha do ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000), a direitista Keiko Fujimori, que classificou a vitória do adversário como “ilegítima”.
A própria Keiko Fujimori permaneceu mais de um ano presa por acusações de corrupção no caso Odebrecht, no qual também foram visados os ex-presidentes Ollanta Humala (2011-2016), Alan García (2006-2011) e Alejandro Toledo (2001-2006). Em 2019, ao saber que seria preso preventivamente, García se suicidou.
Efeitos do “autogolpe” de Fujimori
Um segundo ingrediente é a falta de apoio político aos presidentes peruanos, devido à fragilidade dos partidos.
Pablo Biffi, analista do jornal argentino Clarín, destacou em artigo publicado esta semana que o toque de recolher imposto por Castillo na terça-feira (5) em Lima e na província vizinha de Callao, que aumentou a indignação da população e foi derrubado horas depois, coincidiu com os 30 anos do “autogolpe” promovido por Alberto Fujimori em 1992.
O Congresso foi fechado, houve intervenção no Judiciário e foi dado “início a um longo processo autoritário que, entre outras coisas, significou a destruição do sistema político-partidário no país”.
“A maioria dos últimos presidentes peruanos foi mais um ‘acidente’ do que a construção de um espaço de poder a partir da política. E Castillo não é exceção. Chegou ao poder pelas mãos de um partido regional, o Peru Livre, sem corpo técnico nem bases sólidas, nem experiência de governo, apenas consagrado pelo horror que ainda hoje provoca Keiko Fujimori, a quem derrotou em uma votação apertada por apenas 40 mil votos”, apontou Biffi, que ressaltou a bancada pequena que Castillo possui no Congresso, problema que outros presidentes peruanos também tiveram.
O terceiro fator que contribui para a instabilidade política é a incapacidade dos presidentes peruanos de melhorar as condições de vida da população (80% dos trabalhadores estão na informalidade), que pioraram ainda mais com a pandemia de Covid-19, durante a qual o Peru foi um dos países latino-americanos mais impactados.
“E finalmente, se soma a isso a escalada de más decisões que Castillo vem tomando. Em vez de corrigir os erros e ouvir o povo, seu único argumento é que a oposição é uma direita que quer tirá-lo, mas ele não teve nenhum desejo de fazer uma autocrítica”, afirmou Alexandra Ames, chefe do Observatório de Políticas Públicas da Universidade do Pacífico, à BBC.
Desde que assumiu o cargo, Castillo já nomeou quatro gabinetes ministeriais diferentes. Os protestos dos últimos dias, cuja resposta do governo gerou acusações de violência policial (houve mortos e feridos), são um indicativo de que o presidente esquerdista corre risco real de ser mais um a não completar o mandato.