Nesta semana, a Nicarágua comemora seus principais feriados nacionais: no dia 14, é celebrada a vitória na Batalha de San Jacinto, em 1856, contra as tropas do americano William Walker, que pretendia se apoderar da América Central; e no dia 15, a independência da América Central da Espanha, assinada em 1821.
Entretanto, as celebrações dos dois feriados nacionais têm sido um fiasco. A população nicaraguense tem ignorado um pedido da ditadura de Daniel Ortega para exibir bandeiras do país nas residências, feito no final de agosto pela ministra da Educação, Lílliam Herrera Moreno.
Na ocasião, ela pediu à população nicaraguense para hastear a bandeira em “todas as casas” e em “todos os nossos ambientes educativos, bem como praças e parques”. “Do lado de fora de cada casa, devemos hastear a bandeira azul e branca da Nicarágua”, disse Moreno.
Desde 2019, a ditadura sandinista proibia a população de exibir a bandeira da Nicarágua em casas ou veículos, sob pena de prisão, a não ser que fosse hasteada ao lado da bandeira da Frente Sandinista de Libertação Nacional (FSLN), partido de Ortega.
O regime havia declarado guerra à bandeira da Nicarágua porque ela se tornou símbolo dos protestos por democracia de 2018, violentamente reprimidos pela ditadura.
Desconfiados com a súbita mudança e desmotivados pela repressão no país, os nicaraguenses não têm atendido à orientação de Moreno, segundo uma reportagem do jornal Confidencial.
“Não vemos bandeiras nas ruas, há muito temor, muito medo porque carregar uma bandeira azul e branca significa oposição ao governo. Isso não pode ser feito neste momento, [e continuará assim] até o dia em que estivermos livres da ditadura”, disse ao jornal uma moradora da cidade de Matagalpa, que preferiu não informar seu nome verdadeiro.
Para aumentar o constrangimento, o regime de Ortega concedeu dez dias de férias aos funcionários públicos por ocasião dos feriados nacionais, de 9 a 18 de setembro, mas está obrigando vários a participar de atos pró-ditadura nesse período.
Um funcionário do Ministério da Agricultura disse ao Confidencial que no último domingo (10) foi coagido a ir à Fazenda San Jacinto, palco da batalha de 1856, para colocar oferendas de flores supostamente em homenagem aos heróis da Nicarágua.
“Foi um ato político proselitista, ao qual nos obrigaram a ir para fazer fotos e vídeos que depois publicaram nas redes sociais e na imprensa oficial”, afirmou.
Outro servidor público, do Instituto Nicaraguense de Seguridade Social (INSS), disse que vários funcionários do Estado foram obrigados a participar de “atividades patrióticas” e fazer vigilância “em desfiles patrióticos, nas ruas e nas igrejas”.
“Sempre durante o período de festas nacionais existe o receio de que haja algum tipo de protesto, e por isso sempre nos mandam vigiar e ficar atentos a qualquer chamado [do regime], porque a paranoia é algo que reina dentro do governo”, disse o servidor.
O apelo “patriótico” da ditadura nicaraguense ocorre num momento de aumento da repressão. Segundo um comunicado divulgado nesta semana pela ONG Human Rights Watch (HRW), com o fechamento recente da Universidade Centro-Americana (UCA), vinculada aos jesuítas, o país atingiu o número de 27 universidades que perderam o seu registro legal nos últimos anos.
A HRW também destacou o fechamento de mais de 3,4 mil organizações não-governamentais, incluindo grupos de direitos humanos, religiosos e humanitários, o que corresponde a quase 50% das ONGs do país, e o fato de que 79 críticos do regime sandinista continuam detidos arbitrariamente, entre eles, o bispo Rolando Álvarez, condenado a mais de 26 anos de prisão em fevereiro por “traição à pátria”.
Nesta semana de festas nacionais, o povo da Nicarágua não tem nada a comemorar.