A guerra da Ucrânia, que completará um ano no final da próxima semana, gerou impactos diretos nos aspectos humano (com milhares de mortes e deslocamento de milhões de ucranianos, dentro do país ou para outras nações) e econômico, já que comprometeu a infraestrutura e a produção do país invadido, enquanto o invasor sofre com as sanções do Ocidente e de seus aliados e a perda de mão de obra – a população masculina em idade produtiva que foi deslocada para o conflito ou fugiu para escapar do recrutamento promovido pelo presidente Vladimir Putin.
O conflito também causou danos indiretos, como na produção científica russa. Três casos são emblemáticos. Em julho do ano passado, a Rússia anunciou que vai se retirar da Estação Espacial Internacional até o fim da década, assim que terminar de construir uma unidade espacial própria para colocar em órbita. A saída colocará fim a uma parceria em pesquisas espaciais que foi um dos símbolos do pós-Guerra Fria.
Outro rompimento extremamente simbólico foi o anúncio da Organização Europeia para Pesquisa Nuclear de que não renovará os acordos de cooperação internacional com a Rússia e Belarus (aliado de Moscou) após o fim dos contratos, em 2024.
O Escritório de Política Científica e Tecnológica da Casa Branca também informou que os Estados Unidos, que já haviam proibido exportações de tecnologia para a Rússia, estão cortando colaborações com Moscou na área, o que abrange laboratórios, projetos, universidades e centros de pesquisa ligados ao país eurasiático, alvo de boicote de centros de pesquisa do Ocidente.
Em artigo publicado na semana passada no The Moscow Times, a doutora em físico-química Alexandra Borissova Saleh mencionou que, nos anos seguintes ao fim da Guerra Fria, a produção científica russa atravessou anos de incerteza gerada pela dissolução da União Soviética, antes de experimentar um boom proporcionado pelos bilhões de rublos injetados na economia com as exportações de gás e petróleo.
Parcerias internacionais foram estabelecidas desde então, mas a transformação da Rússia num pária como punição pela sua agressão à Ucrânia vem comprometendo a produção científica local.
“Quando perguntei a meus amigos recentemente quais mudanças eles observaram na ciência russa desde o início da guerra, todos mencionaram que a cooperação internacional havia ficado muito comprometida, participar de conferências tornou-se impossível devido a problemas de visto e às proibições institucionais à participação russa e contatos com pesquisadores no Ocidente continuaram apenas em nível individual”, escreveu Saleh.
“Alguns destacaram o chamado ‘direcionamento para a Ásia’ por parte da Rússia [China, Índia e Irã estão entre os parceiros russos], mas reclamaram que isso limita severamente o escopo das colaborações.”
Especialistas relataram outros problemas, como a reação hostil de revistas científicas a pesquisas e artigos russos, saída de pesquisadores estrangeiros do país e falta de acesso a equipamentos e materiais importantes – barreira provocada pelas sanções.
Um especialista que preferiu não se identificar disse à revista Nature no ano passado que o laboratório em São Petersburgo onde trabalhava desde 2016 sofria com a falta de suprimentos cruciais, como reagentes e equipamentos, e a maioria dos pesquisadores jovens pretendia sair do país. “É desastroso. Todo mundo está chocado”, desabafou.
Os pesquisadores locais e estrangeiros que ficaram na Rússia sofrem pressão do governo, vítimas de acusações de espionagem, e a produção científica remanescente é alvo de tentativas de cooptação por parte do Estado com fins de propaganda.
“Vários processos recentes de espionagem e traição abertos contra pesquisadores russos destruíram de uma vez por todas qualquer imagem que a Rússia ainda poderia ter de um país onde a colaboração internacional é bem-vinda”, relatou Saleh.
Embora pesquisadores russos tenham assinado manifestos contra a invasão da Ucrânia, muitos dos institutos científicos do país, por convicção ou receio de represálias de Putin, se declararam favoráveis à guerra.
Monitoramento do Ártico está comprometido
Como a produção científica tem por natureza um caráter transnacional, o Ocidente e seus aliados também sofrem com o isolamento dos pesquisadores russos. Uma reportagem da Science News destacou que o norte da Rússia abriga cerca de dois terços do solo congelado da Terra, o chamado permafrost, cujo descongelamento pelo aquecimento global poderá gerar a emissão de centenas de bilhões de toneladas de dióxido de carbono e metano até o fim deste século.
A deterioração nas relações entre pesquisadores russos e do Ocidente tem comprometido o monitoramento da região, segundo especialistas.
“Embora destinados a 'punir' a Rússia, [o isolamento e as sanções] estão afetando realisticamente a comunidade global do Ártico, limitando o acesso dos pesquisadores a informações científicas e minando a resiliência das comunidades locais, incluindo povos indígenas”, afirmou Nikolay Korchunov, embaixador da Rússia para assuntos do Ártico, à Science News.
Ted Schuur, ecologista da Universidade do Norte do Arizona e principal investigador da Permafrost Carbon Network, confirmou essa impressão: “[O isolamento russo provocado pela guerra] atrapalha a compilação dos dados para que possamos obter uma imagem mais clara do Ártico como um todo”, alertou.
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