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Havia grandes expectativas para o Dia da Vitória deste ano – como são chamadas as comemorações na Rússia pela vitória sobre a Alemanha nazista na Segunda Guerra Mundial.
Esperava-se que o presidente Vladimir Putin declarasse formalmente guerra contra a Ucrânia (a invasão sempre foi descrita pelo Kremlin como uma “operação militar especial”), o que permitiria aumentar o recrutamento e até mesmo decretar lei marcial na Rússia. Ou então que declarasse algum tipo de vitória no país vizinho, pela ocupação de áreas no leste ucraniano.
Isso não aconteceu, e Putin apenas requentou a alegação que sustenta desde antes do início da guerra, em 24 de fevereiro: o Ocidente e a Ucrânia não deram alternativa à Rússia, que foi obrigada a intervir na ex-república soviética para combater o “nazismo” (Putin comparou o conflito atual com a Grande Guerra Patriótica, como os russos chamam a Segunda Guerra Mundial).
Embora Moscou tenha intensificado os ataques ao leste da Ucrânia desde que suas tropas se retiraram da região da capital, Kyiv, no final de março, o discurso do presidente nesta segunda-feira (9) não indicou um aumento da escalada militar, deixando um grande ponto de interrogação sobre os rumos da guerra.
A embaixadora dos Estados Unidos nas Nações Unidas, Linda Thomas-Greenfield, disse à CNN que a falta de um grande anúncio no Dia da Vitória foi um reconhecimento de Putin de que não há “uma vitória para comemorar”.
Ao mesmo tempo, entretanto, Putin reiterou a posição de que “o resultado será alcançado”, o que indica que o conflito deve se arrastar pelos próximos meses. “Ele não anunciou uma retirada. Ele não anunciou um acordo com os ucranianos”, disse Thomas-Greenfield. “Então, eu suspeito e todos nós avaliamos que este pode ser um conflito de longo prazo, que pode continuar por meses.”
Outros comentários também apontaram que a manutenção do discurso indica que Putin não conseguiu dar o grande salto no conflito que projetava. “Putin repetiu frases feitas de zumbi, não se atrevendo a fazer nada mais sério. Então, o Kremlin não tem mais nenhum truque guardado. Agora a derrota de Putin é uma questão de tempo!”, escreveu Gennady Gudkov, ex-parlamentar exilado e oposicionista, no Twitter.
O ministro da Defesa britânico, Ben Wallace, seguiu uma linha parecida na sua análise. “Não pode haver dia de vitória, apenas desonra e certamente derrota na Ucrânia... Ele [Putin] deve aceitar que perdeu a longo prazo, e está absolutamente perdido”, criticou.
Para o coronel da reserva e analista militar Paulo Filho, o pronunciamento de Putin foi mais uma prestação de contas para a população russa do que um anúncio para o mundo.
“Foi um discurso feito muito mais para o público interno, para os próprios russos, para os soldados, seus familiares. Houve um momento em que ele pediu um minuto de silêncio, disse que o Estado russo vai apoiar as famílias dos mortos na guerra, embora ele não tenha falado em ‘guerra’ em nenhum momento”, explicou.
Para Paulo Filho, esse tom de justificativa pode decorrer do fato de que a campanha na Ucrânia não caminha no ritmo que o Kremlin projetava antes do início do conflito.
“Não tem como saber o que o Putin projetava, mas é muito difícil imaginar que ele esperasse que uma campanha como essa fosse se prolongar por 75 dias, como está hoje. Quase certamente, ela está se estendendo muito mais do que ele esperava. Levar 75 dias e não conquistar nem a região de Donbas, nem as duas províncias que já estavam em guerra civil, Luhansk e Donetsk, era inesperado para todo mundo, inclusive para a maior parte dos analistas ocidentais”, apontou o especialista.
“Ele falou das baixas, embora não haja dados oficiais russos atualizados, não é algo que possa ser escondido da população: se ele sentiu necessidade de falar disso, é uma indicação de que as coisas não estão saindo exatamente como ele esperava”, acrescentou.