Da cozinha do luxuoso Mandarin Oriental Hotel, o chef Thierry Marx, dono de duas estrelas do guia Michelin, está agitando uma campanha contra o racismo culinário fazendo kebabs. Há questão de alguns meses, os líderes da Frente Nacional, partido de extrema direita, atacaram a iguaria. Para eles, a proliferação de lojas que vendem a carne fatiada no espeto não passa de uma ameaça à identidade do país.
"Fui criado num bairro barra pesada com gente de pelo menos umas cem nacionalidades. Às vezes alguém me critica por cozinhar assim, mas, para mim, os símbolos são importantes. Comida de rua é a força que leva à integração", diz Marx, que também tem uma escola para chefs de rua na região leste da capital.
No Anatolie, restaurante turco no subúrbio de Montreuil, Philippe Celik serve mais de uma dúzia de variações de kebab. E trabalha no ramo gastronômico desde que saiu da região curda da Turquia, em 1989. "Sempre vai haver estereótipos ligados aos estrangeiros 'Ah, os curdos são das montanhas e os sicilianos, da Máfia'", constata.
A kebabfobia surgiu na França em 2013, nos blogs da extrema direita. "É um ataque que não tem nada a ver com a gastronomia; é manipulação da comida para fins políticos. É racismo, puro e simples", dispara Philippe Faure, membro do Ministério do Exterior responsável por promover o turismo e os pratos franceses.
Como candidato a prefeito de Béziers, no sul da França, Robert Ménard, fundador do site Boulevard Voltaire, evocou a nostalgia dos tempos mais "tradicionais" na França. E em 2013, publicou um artigo imaginando como estaria o país em 2047 com todas as mulheres usando véu de cabeça e os kebabs no lugar das baguetes.
Depois de vencer a eleição, Ménard deu à Prefeitura primazia sobre a compra de qualquer negócio que fechasse as portas no centro histórico como forma de impedir a proliferação das lojas de kebab. "O povo francês é muito ligado à sua história, sua cultura. Quando a presença de estrangeiros se torna visível demais, nós nos sentimos ameaçados", afirmou na época.
Apesar de iniciativas como essa, não há evidências de que a venda de kebabs esteja em declínio: de acordo com a empresa de pesquisa de mercado Gira Conseil, cerca de 300 milhões de unidades da guloseima são consumidos anualmente na França e, em termos de fast-food, só perde para os hambúrgueres e para a pizza no país.
O döner kebab foi introduzido na França no final dos anos 80 por imigrantes turcos, mas acabou popularizado e transformado pela população do norte da África, que era muito maior.
Raramente é considerado um prato francês.
Já na Alemanha, cuja população turca é imensa, o prato se integrou de tal forma à culinária local que há mais barraquinhas em Berlim que em Istambul. A chanceler Angela Merkel foi fotografada várias vezes se deliciando com versões gigantescas. No Reino Unido, a indústria de kebabs é reconhecida com cerimônia de premiação anual, o British Kebab Awards, cujo júri inclui até membros do Parlamento.
"Os franceses gostam do kebab pelo exotismo, o baixo custo e a facilidade de consumo, dá para comer até andando. É um produto nômade que não sai de moda", fiz Pierre Raffard, estudioso francês da culinária turca.
"Já para a direita, ele virou símbolo da invasão muçulmana na França. É uma arma poderosa de ataque. Você é aquilo que come, ou seja, eles manipulam o ponto de identidade mais sensível do francês", conclui.
Contribuiu Assia Labbas