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O Peru viveu uma quarta-feira que escancarou a instabilidade política do país, com uma tentativa de golpe por parte do então presidente Pedro Castillo, sua destituição pelo Congresso nacional em seguida e depois sua prisão.
Ao prestar juramento à tarde, Dina Boluarte se tornou a sétima presidente peruana em seis anos e meio. O último a completar um mandato presidencial inteiro no país foi Ollanta Humala, que em julho de 2016 foi substituído por Pedro Pablo Kuczynski.
Menos de dois anos depois, PPK renunciou devido a denúncias envolvendo a construtora brasileira Odebrecht (que também atingiram Humala e os antecessores Alan García e Alejandro Toledo).
Seu sucessor, Martín Vizcarra, que assumiu por ser o vice-presidente, sofreu impeachment em novembro de 2020, também acusado de corrupção. Depois, veio Manuel Merino, presidente do Congresso, que desistiu após apenas cinco dias devido aos protestos da população peruana.
Francisco Sagasti, presidente do Legislativo, ficou no cargo até julho de 2021, quando foi substituído por Castillo, vencedor de uma disputa apertada no segundo turno da eleição presidencial daquele ano contra a filha do ex-presidente Alberto Fujimori (1990-2000), a direitista Keiko Fujimori.
O presidente de esquerda teve uma gestão marcada por denúncias de corrupção e sobreviveu a dois pedidos de impeachment (chamado no Peru de vacância) antes do Congresso destituí-lo nesta quarta-feira (7).
Para Ricardo Bruno Boff, professor do curso de relações internacionais da Universidade do Vale do Itajaí (Univali), a crise política dos últimos seis anos e meio no Peru tem alguns elementos estruturais: corrupção, um certo ativismo judiciário (“mas isso não significa de forma alguma que os políticos investigados sejam inocentes”, ressalvou), o modelo unicameral do Congresso e uma maior facilidade, em comparação a outros países, para que o Parlamento proponha o impeachment do presidente.
Boff destacou, porém, que o fracasso de Castillo teve também características próprias, além da corrupção endêmica na política peruana: sua eleição foi quase um voto de protesto, já que colocou na presidência um outsider (“o professor que vinha do interior”, apontou Boff) ancorado num partido nanico, com poucas cadeiras no Congresso.
A inabilidade política de Castillo, que nomeou cinco primeiros-ministros em um ano e meio de mandato, também pesou.
“Acredito que existe uma vontade de acabar com essa bagunça e a nova presidente pode ter um governo mais tranquilo e chegar até o final do mandato, mas isso vai depender da habilidade política dela”, disse Boff, que apontou a necessidade de uma nova Constituição no Peru para gerar consenso e diminuir a instabilidade política.
“Quem está no Parlamento agora não vai querer uma constituinte, porque está acostumado a esse modelo. Ela só sairia se o povo sair às ruas e dizer que não aguenta mais”, salientou.
Herança de instabilidade
Entretanto, a própria Boluarte já chega à presidência com seus próprios problemas a resolver. Embora ela tenha criticado Castillo pela tentativa de golpe desta quarta-feira, a advogada de 60 anos também integra o Peru Livre, o pequeno partido do seu antecessor, e já esteve na mira do Congresso.
No início desta semana, uma comissão do Parlamento arquivou uma denúncia que podia resultar no seu impeachment. Boluarte havia sido acusada de infração constitucional, por exercer cargo em uma entidade privada enquanto ocupava cargo público, o que é vedado pela lei peruana.
No seu primeiro pronunciamento como presidente, a substituta de Castillo pregou a necessidade de uma reforma política e do combate à corrupção, mas Eduardo Saldanha, professor de direito internacional da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), acha difícil que Boluarte conduza o país à estabilidade.
“Há um absoluto desequilíbrio institucional dentro do Peru e eu não acredito que qualquer governo que venha a suceder o de Castillo terá sucesso em criar uma estabilidade política sem que haja uma reforma completa”, afirmou.
Saldanha apontou que o padrão que empurrou o Peru para o precipício foi estabelecido justamente no governo de Humala, último presidente a cumprir os cinco anos de mandato, com aparelhamento do Estado e corrupção nos três poderes.
“A única alternativa a curto prazo para que se crie uma estabilidade, que somente virá depois de uma grande instabilidade, é a pressão popular”, apontou.