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Na visita que está fazendo esta semana à Ucrânia, o secretário de Estado americano, Antony Blinken, tomou uma atitude inusitada com o objetivo de marcar um golaço diplomático, mas que está se revelando um gol contra.
Na noite de terça-feira (14), ele subiu ao palco de uma casa noturna em Kiev, tocou guitarra e cantou com uma banda local a música “Rockin’ in the Free World”, do cantor canadense Neil Young.
“Eu sei que este é um momento muito, muito difícil. Os seus soldados, os seus cidadãos, especialmente no nordeste, em Kharkiv [palco de uma recente ofensiva terrestre da Rússia], estão sofrendo tremendamente. Mas eles precisam saber, vocês precisam saber, os Estados Unidos estão com vocês. Eles estão lutando não apenas por uma Ucrânia livre, mas por um mundo livre”, disse Blinken, antes de começar a música. Trechos da performance foram divulgados na internet.
Porém, o ato que se pretendia simpático se revelou uma gafe por dois motivos. Em primeiro lugar, usuários de redes sociais atentaram para o fato de que, apesar do refrão esperançoso (“Continuem tocando rock no mundo livre”), a canção de Young na verdade é uma ironia e uma denúncia sobre a situação de pessoas morando nas ruas e/ou viciadas em drogas.
“Eu vejo uma mulher no meio da noite/ com um bebê na mão/ há um velho poste de luz/ perto de uma lata de lixo/ agora ela deixou a criança de lado e foi buscar uma dose/ ela odeia sua vida e o que ela fez com ela/ há mais uma criança que nunca irá à escola”, diz a letra.
Além do teor pouco otimista dos versos, Blinken foi criticado pela atitude de tocar uma canção em meio a uma guerra em que o povo da Ucrânia enfrenta grandes dificuldades.
Oleksandr Kraiev, diretor do programa para a América do Norte do think tank Ukrainian Prism, afirmou à agência Associated Press que, apesar das boas intenções do secretário de Estado, “não foi um sinal muito apropriado ir a um bar para tocar uma cançãozinha com a nossa banda”.
Ele explicou que bares e casas noturnas da Ucrânia são alvos comuns de “batidas” dos oficiais de recrutamento ucranianos, onde verificam documentos para flagrar homens que estão tentando fugir da convocação para servir na guerra.
“Então, o secretário de Estado dos Estados Unidos também ir a um bar, para fazer um showzinho para pessoas que são culpadas por não se alistarem no exército ucraniano, não é, digamos, uma catástrofe, não é um passo em falso, mas é algo que não é muito desejável do ponto de vista dos ucranianos comuns”, argumentou Kraiev.
Bogdan Yaremenko, parlamentar e ex-diplomata no governo do presidente ucraniano, Volodymyr Zelensky, escreveu no Facebook que o seu país esperou “seis meses pela decisão do Congresso americano” de aprovar mais ajuda militar para a Ucrânia (que finalmente teve sinal verde em abril) e que essa demora “custou a vida de muitos, muitos defensores do mundo livre”, ironizando o título da canção entoada por Blinken.
“Sim, estamos muito gratos pela ajuda vital dos Estados Unidos. Sem ela, provavelmente já teríamos perdido esta guerra”, escreveu Yaremenko.
“Mas também não podemos deixar de ver tudo aquilo que dá a impressão de que o que os Estados Unidos apresentam para o mundo livre não é rock ‘n’ roll, mas alguma outra música, semelhante à chanson russa”, alfinetou, citando um estilo musical tradicional da Rússia.