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CONFLITO

Síria pode estar usando armas químicas contra cidadãos novamente

Menina síria em acampamento de desabrigados perto da vila de Shamarin, próximo à fronteira com a Turquia, em 6 de dezembro | NAZEER AL-KHATIB / AFP
Menina síria em acampamento de desabrigados perto da vila de Shamarin, próximo à fronteira com a Turquia, em 6 de dezembro (Foto: NAZEER AL-KHATIB / AFP)

Novos relatórios surgiram da guerra civil síria de que armas químicas banidas estão sendo usadas em Aleppo, uma cidade à beira do último reduto rebelde, a província de Idlib.

Desde 2011, a guerra tem sido o conflito mais mortal do planeta. Entre as ações mais perturbadoras do regime de Assad, está o uso repetido de armas químicas para subjugar as áreas apoiadas pelos rebeldes. 

Após a Primeira Guerra Mundial, o uso de armas químicas foi proibido por tratados internacionais. O uso de armas químicas contra civis é agora reconhecido como um crime de guerra e um crime contra a humanidade. A importância da proibição é tão grande que, em 2013, o presidente Barack Obama ameaçou responder com força ao uso de armas químicas pela Síria. 

Mas a Rússia bloqueou os esforços do Conselho de Segurança da ONU para investigar o uso de armas químicas na Síria, para encaminhar os perpetradores ao Tribunal Penal Internacional e para autorizar os países a usar a força para prevenir futuros ataques com armas químicas. Muitos observadores acreditam que este é a compensação para o líder sírio Bashar al-Assad permitir que a Rússia mantenha a imensa base naval de Tartus, na Síria. 

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Então, em abril de 2018, o governo Trump, associado ao Reino Unido e à França, disparou 103 mísseis contra três instalações de produção e armazenamento de armas químicas da Síria. Esse ataque foi lançado após relatos da Síria de que mais de 40 pessoas foram mortas em um ataque com armas químicas em Douma, controlada por rebeldes. 

O propósito dos ataques aéreos era deter o contínuo uso da Síria dessas armas mortais. Por um tempo, eles funcionaram. 

Agora, a Síria está se preparando para uma grande ofensiva em Idlib. A administração Trump alertou em setembro de 2018 que se armas químicas fossem usadas novamente pelo governo sírio, os EUA realizariam um contra-ataque muito mais grave do que os ataques aéreos de abril de 2018. 

A visão convencional é que o uso da força contra outro estado é lícito apenas com a aprovação do Conselho de Segurança da ONU, ou em legítima defesa em resposta a um ataque armado. Nenhuma dessas justificativas é aplicável à situação atual. A Rússia está impedindo o Conselho de Segurança de agir. E os EUA não estão sob ataque – a Síria está usando armas químicas contra seu próprio povo. 

Então os ataques de EUA, França e Reino Unido em abril foram uma violação do direito internacional? Um novo ataque violaria agora essa lei? 

Novo padrão: intervenção humanitária 

Ter a lei internacional do lado dos EUA pode ajudar a conquistar aliados à causa que está sendo defendida pelos EUA. No caso da Síria, isso pode resultar em maior pressão sobre a Síria para renunciar a armas químicas no futuro. 

Em uma sessão de emergência do Conselho de Segurança da ONU no dia dos ataques aéreos de abril de 2018, o Reino Unido apresentou uma terceira justificativa que permitiria a um país usar a força contra outro. Essa exceção: intervenção humanitária para impedir o uso de armas químicas contra civis. 

Na mesma sessão, o embaixador dos EUA disse ao Conselho de Segurança que os EUA agiram em “total concordância” com o Reino Unido, adotando assim sua justificativa legal. 

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Esta foi a primeira vez na história que os EUA e o Reino Unido usaram o argumento legal da intervenção humanitária para justificar o uso da força. 

No passado, os dois países disseram que as ações para deter a limpeza étnica dos albaneses kosovares no Kosovo em 1999 e salvar os yazidis no Monte Sinjar no Iraque em 2014 eram moralmente necessárias, mas eles se recusaram a confiar em um argumento legal. Eles preferiram dizer que as situações eram sui generis, ou sem precedentes. 

A histórica hesitação em abraçar um direito de intervenção humanitária contribuiu para a paralisia internacional quando os hutus de Ruanda massacraram os tutsis em 1994 e quando os sérvios exterminaram os bósnios muçulmanos em Srebrenica em 1995. 

A hesitação passada pelos EUA e seus aliados para usar o argumento da intervenção humanitária foi devido a suas preocupações de que essa justificativa poderia ser facilmente abusada, como um pretexto para uma apropriação de terras ou mudança de regime. 

Os EUA protestaram quando a Rússia usou a intervenção humanitária como base para invadir a Ossétia do Sul, Geórgia em 2008 e a Crimeia em 2014. 

Mas essa hesitação é agora história. 

Síria provocou mudança 

Em meu livro de 2013, “Customary International Law in Times of Fundamental Change”, especulei que os eventos que se desdobravam na Síria poderiam provocar uma mudança fundamental no direito internacional em relação à intervenção humanitária. Em uma pesquisa recém-publicada, eu demonstro como os ataques aéreos de abril de 2018 fizeram exatamente isso. 

Os costumes internacionais mudam quando existe uma prática generalizada do Estado que reconhece um novo direito legal. Exemplos incluem a criação do Direito Penal Internacional depois dos julgamentos de Nuremberg nos anos 1940, o reconhecimento do direito a recursos na plataforma continental nos anos 50 e o desenvolvimento da lei espacial nos anos 60. 

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Dois ex-assessores jurídicos do Departamento de Estado, Harold Koh e John Bellinger, disseram que o fracasso dos EUA em articular um argumento legal para suas intervenções humanitárias passadas não apenas dificulta a formação dos costumes internacionais, mas também torna mais fácil o precedente ser abusado por outros países desde que seus contornos sejam deixados propositalmente ambíguos. 

Os ataques aéreos de abril de 2018, em contraste, foram baseados em uma justificativa legal claramente articulada e foram amplamente apoiados pela comunidade internacional. 

Apenas a Rússia, a Síria e um punhado de seus aliados se opuseram aos ataques aéreos. E a oposição da Rússia baseou-se em grande parte no argumento de que o regime de Assad não estava de fato por trás das armas químicas, um argumento que foi desmascarado por evidências em terra. 

Neste outono, a Casa Branca disse que os EUA responderiam “rápida e vigorosamente” se as forças sírias usassem armas químicas em Idlib. 

A França, o Reino Unido e até mesmo a Alemanha disseram que se juntariam a essa ação. 

Tomados em conjunto, o raciocínio jurídico articulado em abril de 2018 e a reação internacional a esses ataques aéreos facilitarão aos EUA e seus aliados a rápida mobilização de apoio aos ataques aéreos de acompanhamento contra alvos sírios relacionados a armas químicas – se eles se tornarem necessários novamente.

*Michael Scharf é decano e diretor do Centro de Direito Internacional Frederick K. Cox, professor de Direito na Universidade Case Western Reserve

©2018 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês

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