Milhares de profissionais, das mais diversas áreas, estão no Haiti para ajudar as vítimas da epidemia de cólera que tem assolado o país nas últimas semanas. Entre eles, a brasileira Tais Rodrigues Lara que já havia estado na ilha no início deste ano para ajudar os feridos pelo terremoto de 12 de janeiro. Em conversa por telefone com a Gazeta do Povo, a médica falou das dificuldades e dos desafios de atuar em meio aos horrores causados por uma epidemia que já matou mais de 1.100 pessoas.
Como está a situação no Haiti no momento?
A situação aqui está bem confusa. A gente vê muita falta de saneamento básico, muito lixo nas ruas, os alimentos sendo vendidos sem nenhum acondicionamento, sem nenhuma higiene e tudo isso são fatores para disseminação da cólera. Os casos estão aumentando em Porto Príncipe e há a expectativa de que nas próximas semanas a situação atinja um pico. Estamos também fazendo um trabalho de prevenção com líderes comunitários e escolas, ensinando às pessoas a maneira adequada de utilizar a água, de tratá-la, a fim de evitar a cólera.
Qual a maior dificuldade encontrada no momento pelas equipes de voluntários?
A maior dificuldade é de locomoção, pois o trânsito é caótico. Também estamos enfrentando problemas em relação à logística de entrega de suprimentos. Às vezes há muita gente querendo doar, mas a dificuldade para que esse suprimento chegue ao lugar adequado é enorme. A cidade é muito grande, muito espalhada e há muita gente vivendo em tendas. Como a cólera é uma doença que age rapidamente, existem muitas tendas de tratamento em diversos lugares da cidade e o ideal é que os suprimentos cheguem a cada uma delas.
Na terça-feira foi confirmado o primeiro caso de cólera exportado do Haiti para outro país, a República Dominicana. Ontem foi registrado um caso na Flórida. Há risco de a doença se alastrar para os demais países caribenhos ou mesmo para outros países da América?
Esse risco é muito grande, pois temos aqui pessoas de vários lugares do mundo. São militares, jornalistas, gente de diversos países e o trânsito aqui é intenso. Porém, normalmente, quando a pessoa vai para um país onde há saneamento básico mínimo, a doença não se alastra e tende a ficar restrita àquela pessoa que veio do local contaminado. Raramente se torna uma epidemia.
Como está o clima no Haiti em relação aos protestos causados pela "suspeita" dos haitianos de que voluntários nepaleses da Força de Paz da Organização das Nações Unidas (ONU) teriam sido os responsáveis por levar a doença ao país?
Nos últimos dias ocorreram protestos em regiões mais ao Norte do Haiti. Aqui em Porto Príncipe eu ouço bastante as pessoas falarem sobre isso. No contato com alguns haitianos que trabalham na embaixada, como o motorista e o tradutor, percebe-se que essa é a história que mais circula entre eles: que os nepaleses que vieram pela Força de Paz da ONU é que teriam trazido a cólera e contaminado a população. Os nepaleses estão alocados perto do rio Artibonite, onde começou a epidemia, e no Nepal houve uma epidemia com a mesma cepa [variedade] desta bactéria há alguns meses. Essa é a informação que circula entre os haitianos aqui, mas a ONU não chegou a confirmar nada. Aqui em Porto Príncipe não houve nenhuma revolta nesse sentido, mas realmente houve manifestações no Norte do país.
Qual a perspectiva em relação à evolução da doença?
A perspectiva é que, como ocorreu em Artibonite e em outros surtos de cólera, a doença tenha um pico e caia em duas ou três semanas. Em Artibonite houve um pico que já está em declínio. A expectativa é que, com o surto chegando em Porto Príncipe, os casos aumentem nas próximas duas ou três semanas e atinjam um pico, que a gente ainda não sabe qual será. A previsão é que no máximo em dois meses a situação esteja revertida.