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Os ucranianos moradores de territórios ocupados estão sendo cada vez mais pressionados a solicitar a cidadania russa, enquanto esperam que uma contraofensiva ponha fim a violência, desordem, ilegalidade e perseguição no país.
O Centro de Jornalismo Investigativo Investigator informou nesta terça-feira (2) que os residentes da cidade ocupada de Kakhovka receberam ordens para solicitar a cidadania russa até o dia 1º de junho. De acordo com relatos do centro, os russos estão ameaçando deportar quem não tirar o passaporte russo e enviar essas pessoas "para o porão", como são conhecidos os centros de detenção ilegais.
Na semana passada, o presidente russo, Vladimir Putin, assinou um decreto determinando que os residentes das quatro regiões ocupadas pela Rússia - Donetsk, Luhansk, Kherson e Zaporizhzhia - devem se tornar cidadãos do país ou declarar que não desejam fazê-lo. Esses últimos serão considerados estrangeiros a partir de 1º de julho de 2024 e poderão ser deportados se forem considerados "uma ameaça à segurança nacional da Rússia".
O comissário parlamentar para os Direitos Humanos da Ucrânia, Dmytro Lubinets, aconselhou os cidadãos nessas áreas a aceitar passaportes russos para "salvar suas vidas" ou deixar as regiões ocupadas.
Sobrevivência
Tetiana, que mora em Zaporizhzhia e pediu que seu sobrenome não fosse mencionado, disse à Agência EFE que parte de sua família ainda está em uma região ocupada pela Rússia.
"A maioria deles são pessoas mais velhas que acham difícil deixar suas casas depois de tantos anos vivendo lá, bem como aqueles que ficaram para cuidar deles", explicou.
Tetiana concorda que aceitar o passaporte russo pode ser a única maneira de muitos sobreviverem. "Antes, os voluntários podiam entregar medicamentos através da única passagem para a região. Agora que ela está fechada e essas pessoas totalmente dependentes dos russos", disse. "Eles não querem fazer parte da Rússia e estão esperando que os soldados ucranianos os libertem", enfatizou Tetiana.
Medo, saques e tortura
A pressão cada vez maior para solicitar o passaporte russo, bem como a violência implacável, estão forçando alguns dos que ficaram a ir embora.
"Nos postos de controle russos, que estão por toda parte, os soldados ficam furiosos quando veem documentos ucranianos", disse Den, um homem na casa dos 40 anos, que deixou uma das cidades ocupadas na região de Kherson, viajou para a Rússia e de lá para um país da União Europeia no final de abril.
Ele acredita que menos de 20% dos habitantes da área antes da guerra ficaram na região. E há muitos soldados russos destacados por lá, muitos deles dirigindo veículos que roubaram de cidadãos locais.
"Não há lei, a regra é a de um rifle automático", enfatizou Den, que compara os 14 meses de ocupação a uma prisão.
Ele contou que passou, literalmente, os últimos meses em seu apartamento, pois era muito perigoso para os homens ficarem nas ruas. "Não se passa uma semana sem que alguém desapareça", disse ele à EFE. Vários dos desaparecidos foram encontrados mortos e outros não foram encontrados ou reapareceram na Crimeia, onde fica a maior prisão do Serviço Federal de Segurança da Rússia.
O Centro de Direitos Humanos ZMINA investigou a fundo cerca de 350 casos de detenção ilegal e tortura de veteranos do exército ucraniano, membros de entidades locais, ativistas da sociedade civil e líderes locais pelos russos durante a ocupação de partes do país.
Esperança de contraofensiva
Mesmo nessas circunstâncias, a oposição aos russos é palpável quando Den se lembra de como as bandeiras russas e soviéticas tiveram de ser protegidas para não serem destruídas pela população local. "Não se trata apenas de idioma ou território", enfatizou Tetiana.
Ela acrescentou que os ucranianos estão acostumados a uma liberdade muito maior de movimento, expressão e opinião em seu país. Embora alguns tentem se adaptar, muitos residentes dos territórios ocupados não querem perder esses valores democráticos.
Tetiana disse que, mesmo que a contraofensiva cause perdas entre os soldados, ela ajudará a evitar mais mortes, o que acontecerá se a Rússia mantiver o controle sobre os territórios ocupados ou conseguir capturar mais da Ucrânia.