A chegada de um agrupamento militar, liderado pela Rússia, no país africano Burkina Faso, tem gerado uma série de especulações sobre o retorno das atividades do Grupo Wagner, milícia mercenária fundada por Yevgeny Prigozin e Dmitry Utkin, mortos em agosto do ano passado em um acidente de avião, após uma rebelião contra o Kremlin.
Após a tentativa de golpe contra o governo de Vladimir Putin, em junho de 2023, e o suposto assassinato dos líderes mercenários, o grupo, que atuou do lado russo na Guerra da Ucrânia e mantinha negócios privados em países africanos, foi desmantelado e agora se une aos interesses de Moscou no continente.
O contingente russo, formado por aproximadamente 100 homens, chegou ao território localizado no Sahel africano em janeiro, segundo informou um comunicado divulgado no Telegram por um grupo denominado "Africa Corps", prometendo que, em um futuro próximo, as unidades seriam reabastecidas com outros 200 militares da Rússia.
A nota justificava a presença russa para "garantir a segurança do líder do país, Ibrahim Traoré, e do povo burquinense contra ataques terroristas”. O capitão Traoré, de 35 anos, tomou o poder no país com um golpe de Estado, em 2022.
A começar pelo nome, assim como o Wagner, a nova denominação do conjunto paramilitar é uma referência direta ao nazismo, inspirada nos Afrika Korps, os batalhões alemães que lutaram no norte do continente africano durante a Segunda Guerra Mundial.
No entanto, a nova estrutura não segue como uma empresa privada, como o antigo grupo mercenário liderado por Prigozhin, mas foi criada pelo próprio Ministério da Defesa russo e já se encontra em processo de inclusão nas operações do Mali, da Líbia e da República Centro-Africana (RCA). As atividades são agora de caráter oficial e seguem sob a direção do vice-ministro da Defesa de Moscou, coronel general Yunus-bek Yevkurov.
A mudança do Wagner para o Africa Corps marca uma nova fase na exportação de segurança da Rússia para África. Desta vez, sob a liderança estatal de Putin que deseja, mais do que nunca, expandir sua influência e presença militar no Sahel a um ritmo sem precedentes.
Na Líbia e no Mali, ocorreu uma transferência de operações para o Africa Corps seguindo um mesmo modelo: uma reformulação da marca e assinatura de contratos pelos serviços do Ministério da Defesa russo.
No entanto, a Líbia também surge com um dos maiores desafios de Moscou nesse sentido devido à antiga cooperação técnico-militar do Wagner com o Marechal de Campo Khalifa Haftar, líder do Exército Nacional líbio, visto que o governo de Putin não o considera uma liderança "duradoura" no país.
O sucesso do Wagner no Mali, na cidade de Kidal, em novembro do ano passado, quando ajudou o exército nacional a derrotar os rebeldes tuaregues, foi decisivo nas negociações do governo russo com o Burkina Faso e o Níger, que também foi tomado por uma junta militar no ano passado.
O governo burquinense, liderado pelo capitão Ibrahim Traoré, evitou por muito tempo os serviços dos mercenários russos, procurando reforçar as suas forças por meio do recrutamento de milícias internas. Nas conversas com oficiais locais, ficou claro que o desejo de evitar a opção Wagner resultava da longa tradição de soberania política do Burkina Faso e de uma cautela devido à intervenção dos mercenários na economia da República Centro-Africana (RCA).
Havia, no entanto, entre os oficiais burquinenses, a sensação de que o Ministério da Defesa russo tinha menos enfoque comercial do que Prigozhin, o que acabou por proporcionar uma abertura à nova "milícia" oficial da Rússia.
Ao fechar novos acordos no continente, o presidente da RCA, Faustin-Archange Touadéra, e a sua administração têm trabalhado para reavivar o interesse cada vez menor de Moscou em seu país. No final do ano passado, representantes da empresa militar privada norte-americana Bancroft visitaram a nação, alimentando especulações de uma potencial intervenção. No início deste ano, a Embaixada da Rússia em Bangui confirmou que decorreram negociações sobre a construção de uma base militar russa no país.
Segundo uma análise da revista americana Foreign Policy, o sucesso da iniciativa russa baseia-se numa narrativa eficaz de que Moscou é o único parceiro disposto a combater o separatismo e o terrorismo em grande escala na África, diferente dos países ocidentais. O foco na integridade territorial, profundamente interligada com a soberania, é particularmente importante para o governo russo.
Em resposta a essa movimentação do Kremlin, os Estados Unidos renovaram seu foco no continente, nos últimos meses, com diversas visitas oficiais do secretário de Estado, Antony Blinken.
A África tem atraído o interesse das mais diversas potências mundiais por seus ricos recursos naturais e difíceis estruturas políticas. Além da China e da Rússia, a Turquia, os Emirados Árabes Unido e o Irã também estão despejando investimentos nos países e se aproveitando das crises enfrentadas nos diferentes pontos do continente.
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