Quatro homens jovens – congelando de frio, famintos e lutando para sobreviver – se debruçaram sobre seu amigo morto armados com lâminas de barbear e cacos de vidro. Eles cortaram as roupas do amigo. E então sua carne.
“Nunca me esquecerei daquela primeira incisão, nove dias depois do acidente”, escreve Roberto Canessa, sobrevivente do avião que caiu na cordilheira dos Andes em 1972, em seu novo livro, I had to Survive (Tinha que sobreviver), ainda sem tradução para o português.
“Pusemos as finas fatias de carne congelada em uma chapa de metal e as deixamos de lado. Cada um de nós as consumiu finalmente quando pode suportar fazê-lo”, escreve. Cercados de morte, eles tomaram a decisão de viver. “Cada um dos nós chegou à sua própria decisão em seu próprio tempo. E, assim que a tomamos, era irreversível. Era nosso último adeus à inocência.”
Era uma sexta-feira, 13 de outubro de 1972, quando o avião uruguaio que levava o time de rugby “Velhos Cristãos”, seus familiares e amigos, caiu nos Andes argentinos, próximo à fronteira com o Chile. Após dois meses, 16 sobreviventes foram resgatados – e se tornaram inspiração para diversos documentários, filmes e livros, sendo o mais famoso deles o filme de 1993 Vivos, baseado em um livro de mesmo nome.
Novo livro
O livro de Canessa será lançado em 1.º de março. No texto, ele lembra momentos que o assombram – aquele em que o avião começou a mergulhar e ele se segurou em seu assento com tamanha força que “arranquei pedaços do estofamento com minhas próprias mãos”. Aquele em que uma avalanche o soterrou e seu amigo começou a “remover freneticamente punhados de neve para longe da minha boca”. Ou aquele em que eles ouviram em seu rádio de transístor que a busca por eles havia sido encerrada.
Mas, ao que parece, o declínio para o canibalismo foi o mais difícil de suportar. “Eu saía na neve e rezava a Deus por orientação. Sem o Seu consentimento, sentia que estaria violando a memória de meus amigos; que estaria roubando suas almas.”
Dos 45 passageiros, 16 foram resgatados com vida após 72 dias
Dos 45 passageiros do voo, 27 sobreviveram à queda. Então, uma noite, que Roberto Canessa chama de “a pior de sua vida”, uma avalanche matou mais oito.
“Não tínhamos comida – mesmo os corpos congelados com que estávamos contando para nos manter vivos tinham sido varridos para longe”, ele escreve. “Todos estávamos esperando que alguém fizesse alguma coisa. Ou que ninguém fizesse nada e apenas deixasse o fim chegar. Foi quando me embruteci para fazer o que precisava ser feito: usar um dos corpos daqueles que tinham acabado de morrer.”
Depois de resistirem por conta própria a 72 dias de revirar as vísceras, 16 sobreviventes foram resgatados em 23 de dezembro de 1972. Mas Canessa diz que agonizava sobre o que tinham feito e sobre como as pessoas iriam se sentir a respeito disso.
Ele recentemente contou à revista “People” como foi reencontrar seus pais. “Eu disse a ela: ‘Mãe, tivemos que comer nossos amigos mortos’. E ela disse: ‘Está tudo bem, está tudo bem, querido’.”
Canessa, hoje em dia um cardiologista pediátrico, disse que foi sua família – e sua determinação em voltar para casa reencontrá-los – que lhe deu forças para sobreviver. “Nesse tipo de situação, não é como você sobrevive que conta, mas por quê.”
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