Estamos em meio a uma revolução. Assim como a agricultura mudou o modo de organização da sociedade, antes extrativista, e a locomotiva a vapor inaugurou uma nova era na indústria, soluções de inteligência artificial, Big Data e Internet das Coisas (IoT) já deram início a um novo momento da história da humanidade: a sociedade 5.0.
O conceito foi lançado pelo governo do Japão, que pretende liderar o movimento de transição para esse novo modelo social. Trata-se de um novo paradigma em que há uma sofisticada integração entre o ambiente físico e o ciberespaço. “Mas, mais do que isso, envolve uma reconciliação entre crescimento econômico e resolução de problemas sociais, voltando os olhos para o ser humano e uma sociedade inclusiva”, explica Shinozawa Yasuo, diretor de Planejamento do Departamento de Ciência, Tecnologia e Inovação do Gabinete do Japão.
Desde 1996, o governo do arquipélago asiático trabalha com planos quinquenais de Ciência e Tecnologia, que preveem políticas a serem executadas em cinco anos, com base em uma perspectiva de desenvolvimento futuro de uma década. A sociedade 5.0, ou superinteligente (super smart society, em inglês), é a proposta do 5º Plano Básico de Ciência e Tecnologia do país, lançado em 2016. Embora já existissem iniciativas individuais de empresas e cidades o desenvolvimento de tecnologias inteligentes, não havia uma política pública que pensasse o tema até então.
A ideia difere de outros conceitos em voga, como o de Indústria 4.0, porque prevê o uso de novas tecnologias não para automação industrial, mas para a melhoria na qualidade de vida da sociedade. Para Shinozawa, países menos desenvolvidos não devem ficar para trás. Entre as estratégias estabelecidas para a implantação do modelo está a cooperação internacional, por meio da qual países desenvolvidos podem levar tecnologia e formação de recursos humanos para outras nações.
Problemas sociais
Um dos grandes problemas enfrentados pelo Japão e que, com o tempo, deve se estender para um número cada vez maior de países, é a baixa taxa de natalidade, que leva ao envelhecimento a população, impactando o sistema de saúde, e à redução populacional, que, consequentemente, diminui a mão-de-obra disponível. Segundo dados oficiais de 2018, três de cada dez pessoas do país têm mais de 65 anos, enquanto o número de habitantes diminuiu em 3,4%, ou 430 mil pessoas, no ano passado.
Vestes robóticas articuladas, que já são comercializadas no Japão, permitem a uma pessoa idosa carregar peso com muito menos esforço físico. Um drone ou veículo autônomo capaz de entregar produtos básicos em regiões de difícil acesso poderia resolver grande parte dos problemas enfrentados pela população local. Esse tipo de solução, em larga escala, é o que deve mudar o modo como vivemos em sociedade.
Trabalhos manuais exaustivos já têm sido incorporados por robôs. Embora o assunto seja sempre controverso, na visão do governo japonês, a substituição da mão-de-obra humana pela robótica libera as pessoas para outras atividades, ao mesmo tempo que mantém a produção industrial.
Em termos de informação, embora haja uma quantidade imensa de conteúdo disponível, o trabalho de buscar e analisar um dado específico é cada vez mais difícil. Há uma avalanche de informações, que ao mesmo tempo estão dispersas em meio a inúmeras fontes. A tendência, na sociedade 5.0, é a organização do conhecimento por meio de inteligência artificial, que será capaz de compreender e analisar quantidades enormes de dados. A aplicação se estende para áreas como saúde, meio ambiente, logística, infraestrutura, mobilidade urbana, transações financeiras e prevenção de desastres naturais.
Obstáculos
O cenário parece promissor, mas há uma série de entraves para a consolidação plena do modelo. Um relatório produzido pela Keidanren, a Federação das Organizações Econômicas do Japão, lista ao menos cinco desafios que precisariam ser enfrentados: a incorporação da estratégia de desenvolvimento como política pública entre os diversos entes governamentais; o estabelecimento de regras e leis para uso de informações; o aprimoramento contínuo das tecnologias; uma mudança nos processos de formação de recursos humanos; e, finalmente, a aceitação social desse novo modelo de sociedade diante de implicações éticas.
O governo japonês leva tudo isso em consideração, segundo Shinozawa. Este ano, o país estabeleceu uma estratégia nacional para inteligência artificial, com quatro linhas centrais: recursos humanos, aplicação no mundo real, tecnologias para inclusão e cooperação internacional. Três conceitos devem orientar as iniciativas tomadas dentro da estratégia – dignidade, sustentabilidade e diversidade/inclusão.
Há ainda uma série de princípios sociais estabelecidos pelo governo. Um deles diz que o julgamento final da utilização da inteligência artificial deve ser de um humano, uma regra que remete às leis da robótica formuladas pelo escritor Isaac Asimov. Outro trecho determina que liberdade, dignidade e igualdade das pessoas não devem ser infringidas quando seus dados pessoais forem utilizados.
Em junho, governos nacionais, municipais e regionais de todo o mundo, além de representantes de entidades não governamentais e da iniciativa privada, criaram a Aliança Global do G20 para Smart Cities, que é liderada pelo Fórum Econômico Mundial. A ideia é estabelecer padrões globais para redução de riscos potenciais, como o uso indevido de dados de roteadores Wi-Fi públicos ou de imagens de câmeras de trânsito. Além disso, a coalisão pretende auxiliar cidades de países menos desenvolvidos a adotar e gerenciar tecnologias de cidades inteligentes. Ao todo, os parceiros institucionais representam mais de 200 mil entidades de todo o mundo.
*O jornalista viajou a Tóquio a convite do Ministério de Relações Exteriores do Japão
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