Enquanto a maioria dos países implementou medidas rígidas para conter a propagação do novo coronavírus, a Suécia escolheu uma estratégia mais branda – e controversa. O país escandinavo não fechou as suas fronteiras ou decretou confinamento. Em vez disso, escolheu medidas baseadas na confiança da responsabilidade individual da população.
Há muito debate sobre a eficácia da abordagem sueca para lidar com a pandemia, incluindo críticas da comunidade científica do país. Na semana passada, um grupo de cientistas suecos publicou um artigo dizendo que as autoridades de saúde falharam e que os políticos deveriam intervir para colocar medidas mais rígidas.
As mortes por Covid-19 na Suécia ultrapassam as de seus vizinhos mais próximos, Noruega, Finlândia e Dinamarca, que seguem medidas mais firmes de isolamento social. Mas o país não foi atingido como outras nações europeias, como Itália, Espanha e Reino Unido. O sistema de saúde do país tem conseguido lidar com o surto, dizem as autoridades.
Porém o governo sueco já sinalizou que vai reforçar a vigilância para garantir que as pessoas estejam cumprindo as recomendações. Nas últimas duas semanas, autoridades inspecionaram 200 restaurantes de Estocolmo. A prefeita da capital alertou que os estabelecimentos que não respeitarem as regras serão fechados. “Quero deixar muito claro que as restrições em vigor não são apenas recomendações gerais”, disse a prefeita Anna König Jerlemyr em entrevista coletiva na sexta-feira (24).
Quais são as regras
O governo sueco recomendou fortemente às pessoas que trabalhassem de casa e proibiu reuniões de mais de 50 pessoas. Restaurantes, bares e parques estão abertos. Escolas do ensino fundamental estão abertas, mas as de ensino médio e as faculdades estão fechadas.
A Suécia recomendou, mas não ordenou, que viagens não necessárias sejam evitadas e que as pessoas com mais de 70 anos ou que se sentirem doentes fiquem em casa. Visitas às casas de repouso estão proibidas.
Embora as regras não sejam tão duras, o cenário nas cidades suecas não é o mesmo de antes da pandemia. O escritor Johan Norberg, que vive em Estocolmo, explicou como a vida mudou no país, em entrevista ao Daily Signal. “A maioria das pessoas fica em casa, não viaja, raramente vai a restaurantes e não se encontra com os mais velhos. E as pessoas mantêm distância quando se encontram na rua”.
“Você provavelmente viu fotos de um restaurante lotado em Estocolmo. Bem, isso foi na única vez em que ele esteve lotado e, se apontassem a câmera para o outro lado, encontrariam uma praça vazia”, disse Norberg.
Estatísticas mostram que cerca da metade da força de trabalho da Suécia está trabalhando de casa, o uso do transporte público em Estocolmo caiu em 50% e as ruas da capital têm cerca de 70% menos movimento do que antes, informou o Guardian.
A preocupação das autoridades agora é de que as pessoas relaxem os cuidados à medida que o clima começa a esquentar, após meses de frio e dias escuros. O ministro do Interior da Suécia, Mikael Damberg, disse na sexta-feira que, embora a maioria dos moradores de Estocolmo esteja agindo com responsabilidade, “em alguns lugares e em algumas situações, as recomendações não estão sendo seguidas”.
“Essa é uma situação crítica e é hora de seguir as regras e tomar responsabilidade”, alertou o ministro em entrevista coletiva, como relatou a Bloomberg.
Em entrevista à Nature, Anders Tegnell, epidemiologista da Agência Pública de Saúde e autor da estratégia sueca, esclareceu que o plano partiu da legislação do país, que determina que os indivíduos são responsáveis por não espalhar doenças e que não permite o isolamento de áreas geográficas inteiras, apenas de locais pequenos como escolas ou hotéis.
“É difícil falar sobre as bases científicas de um estratégia nesses tipos de doenças, porque não sabemos muito sobre ela e estamos aprendendo enquanto estamos fazendo, diariamente”, disse Tegnell, e acrescentou: “Isolamentos, bloqueios, fronteiras fechadas – nada tem base científica histórica, na minha opinião. Olhamos para vários países da União Europeia para ver se eles tinham publicado alguma análise dos efeitos dessas medidas antes de começarmos e não encontramos quase nada”.
Um dos argumentos do modelo sueco é de que as restrições voluntárias conseguem ser mantidas por mais tempo do que o fechamento completo da sociedade, que tanto prejudica a economia.
A questão é se esse modelo, baseado mais em autorregulação do que em controles do Estado, mesmo que se prove bem-sucedido, poderia ser exportado para outros países que não contam com níveis tão altos de confiança social e institucional.
Comparação com os países vizinhos
O vírus tem sido muito mais letal na Suécia do que nos seus vizinhos nórdicos, que impuseram cedo medidas de confinamento. Na Suécia, foram registradas 2.192 mortes em 18.177 casos confirmados desde o início da pandemia até o sábado (25), segundo os dados compilados pela Universidade Johns Hopkins. No mesmo período, a Finlândia teve 186 mortes entre 4.475 casos confirmados; a Noruega registrou 201 mortes em 7.499 casos, e a Dinamarca confirmou 8.445 casos e 418 mortes.
Do total de pacientes de Covid-19 na Suécia, 1.005 já se recuperaram. O país é o 11º na Europa com o maior número de casos e o 8º em número de mortes.
A taxa per capita de mortes de Covid-19 também é mais alta na Suécia do que nos seus vizinhos, com 21,5 mortes por 100 mil pessoas. Essa taxa é de 3,4 na Filândia, 3,7 na Noruega e 7,2 na Dinamarca.
No entanto, a letalidade do novo coronavírus na Suécia permanece menor do que os países mais atingidos da Europa. Por exemplo, na Espanha, a doença causou 48,8 mortes por cem mil habitantes, e o Reino Unido registrou 30,6 mortes por cem mil habitantes.
Imunidade de rebanho
O objetivo principal do modelo da Suécia não é alcançar a chamada “imunidade de rebanho”, ressaltou a diretora da agência pública de saúde do país, Karin Tegmark Wisell. “Embora isso possa ajudar o desenvolvimento [do combate à pandemia] na Suécia”, disse em entrevista a uma rádio.
A imunidade de rebanho acontece quando uma população está protegida contra uma doença infecciosa porque um número suficiente de seus membros está imune a ela – seja por meio de vacinação ou por imunidade natural depois da infecção. Ou seja, quando a maior parte da população está imune a uma doença, isso acaba protegendo indiretamente aqueles que não são imunes.
Para atingir a imunidade de rebanho para o novo coronavírus, estima-se que pelo menos 70% da população precise estar imune. Segundo os especialistas, sem as medidas de isolamento e enquanto não existe uma vacina contra o novo vírus, ele pode infectar essa parcela da população em questão de meses, sobrecarregando os sistemas de saúde e levando a taxas muito elevadas de mortes. Com taxas de infecção muito menores, alguns sistemas de saúde pelo mundo já entraram em colapso.
Tegnell negou que a Suécia tenha tentado construir uma rápida imunidade de rebanho contra o Sars-CoV-2.
Em entrevista à BBC na sexta-feira, o epidemiologista disse que a estratégia sueca deve preparar melhor o país para uma segunda onda da pandemia, quando os outros países começarem a reduzir as restrições. Isso porque, segundo ele, cientistas estimam que de 15% a 20% da população da Suécia agora estejam imune ao vírus.
Tegnell argumentou que a decisão de não decretar um lockdown “funcionou em alguns aspectos porque nosso sistema de saúde tem sido capaz de suportar”.
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