O Tribunal Federal da Suíça informou nesta sexta-feira (9) a autoridades brasileiras que enviou ao Brasil extratos de contas e documentos de operações que podem ser o elo entre as propinas pagas por empresas brasileiras para a estatal venezuelana PDVSA e a cúpula chavista. A decisão de enviar os documentos para procuradores no Rio Grande do Sul, responsáveis por iniciar as investigações, foi tomada no dia 24 de outubro e tornada pública esta sexta-feira.
Na origem do esquema estava a PDVSA Agrícola, braço da gigante do setor de petróleo que expandiu sua atuação para outros setores da economia durante a presidência de Hugo Chávez. Há duas semanas, o Estado revelou que dirigentes chavistas usaram um esquema no Brasil para desviar mais de R$ 80 milhões e parte desses recursos acabaram em contas secretas na Suíça.
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O esquema envolvia a exportação de insumos e máquinas agrícolas superfaturados para a Venezuela. A diferença de valores foi parar no bolso de diretores de estatais venezuelanas e alimentou pelos menos quatro empresas offshore. A suspeita, porém, é de que a operação no setor agrícola seja apenas uma parcela de um esquema mais amplo da atuação da PDVSA no Brasil, inclusive com construtoras nacionais.
Um dos suspeitos nessa aproximação entre as empresas nacionais e a PDVSA é o operador Osvaldo Basteri Rodrigues. Seria ele também quem cobraria as propinas que, em seguida, eram distribuídas à chefia da estatal. Os detalhes de suas contas na Suíça estarão à disposição dos procuradores brasileiros, que poderão examinar quem pagou e para onde foi o dinheiro.
Investigadores envolvidos no caso confirmaram ao Estado que a Odebrecht foi uma das empresas citadas como tendo sido procurada por Rodrigues. O projeto envolvia uma oferta da Venezuela para que a empresa brasileira construísse usinas de etanol no país vizinho.
Em 2007, Havana e Caracas fecharam um acordo para construir 11 usinas de etanol na Venezuela, mas a cooperação não deu resultados e a empresa brasileira foi procurada para completar as obras. A Odebrecht se recusou a comentar o caso.
Em 2007, os governos de Cuba e da Venezuela fecharam um acordo para construir onze usinas de etanol no país de Hugo Chavez. Um ano antes, o então líder venezuelano havia criado a Etanol de Venezuela, com o objetivo de plantar 300 mil hectares de cana. Mas a cooperação entre Havana e Caracas não daria resultados e a empresa brasileira foi procurada para completar as obras.
Procurada, a Odebrecht se recusou a comentar a informação e nem mesmo sua relação com Rodrigues.
De acordo com documentos obtidos pelo Estado, em abri de 2018, "o Procurador-Geral da Suíça autorizou a transmissão da documentação" de Rodrigues ao Brasil. Mas um recurso foi apresentado pela defesa dos suspeitos, tentando impedir a colaboração. Eles alegavam que o caso precisaria ser "suspenso" e que a cooperação deveria ser rejeitada diante da falta de provas.
No final do mês passado, porém, o Tribunal julgou que "o recurso era inadmissível". Ao Estado, o Departamento de Polícia do Escritório Federal de Justiça da Suíça confirmou que os dados das contas de Rodrigues foram repassados ao Brasil.
"Em uma carta datada em 7 de novembro de 2018, o Escritório Federal de Justiça enviou os documentos às autoridades brasileiras", indicou um comunicado do governo suíço.
Propina na PDVSA
O processo começou em 2014, quando a Receita Federal suspeitou de um súbito crescimento de uma empresa de Passo Fundo (RS). Entre 2010 e 2011, a receita da América Trading aumentou de R$ 13 milhões para R$ 251 milhões com exportações de produtos agrícolas para a Venezuela.
Segundo a Polícia Federal, a América Trading havia conseguido um contrato para fornecer insumos agrícolas para a estatal venezuelana no valor de US$ 320 milhões. Cabia à empresa brasileira comprar máquinas no mercado doméstico, exportar para a Venezuela. Em Caracas, quem recebia a mercadoria e a repassava para a estatal era a Tracto América.
As investigações revelaram que o dono da América Trading era sócio oculto da Tracto América, em Caracas. Com detalhes de pagamentos, a cooperação entre Brasil e Suíça começou em setembro de 2017, quando a Procuradoria da República no Rio Grande do Sul pediu ajuda aos suíços.
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Documentos do Tribunal Penal Federal (TPF) da Suíça mostram que, entre 2011 e 2012, mais de R$ 80 milhões foram distribuídos de forma ilegal em contas no exterior. Mas, até o ano passado, no momento da operação, não se sabia qual o destino dos recursos. Agora, os investigadores conseguiram ligar parte dos recursos a funcionários de alto escalão da PDVSA Agrícola.
"A investigação revelou um sofisticado sistema de fraude ligado à exportação de máquinas e produtos agrícolas superfaturados vendidos à estatal venezuelana, implementados por transações bancárias complexas com o objetivo de ocultar a origem e o destino dos valores ilícitos", apontou o TPF.
Em outubro de 2017, as contas bloqueadas na Suíça tinham R$ 11,1 milhões. Elas estavam em nome de um operador da PDVSA, com base em São Paulo. Por estar sob investigação, os suíços mantêm seu nome em sigilo. Uma segunda conta, em nome do mesmo operador, revelou novas transferências entre maio de 2013 e fevereiro de 2016, quando foi encerrada.
Os investigadores também concluíram que o dinheiro que chegou não ficou na Suíça. Eles identificaram pelo menos quatro empresas offshore que estavam recebendo depósitos. Todas essas empresas são ligadas à cúpula chavista da PDVSA. A suspeita é a de que o dinheiro era dividido entre o operador no Brasil, a empresa exportadora que ganhou os contratos e os funcionários de alto escalão da PDVSA Agrícola.
A América Trading foi procurada, mas não atendeu às ligações do jornal Estadão. O site da empresa, com sede em Passo Fundo, está fora do ar. A PDVSA também não respondeu aos pedidos de comentário.
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