Morte de Getúlio é caso único
O caso de suicídio na política brasileira que marcou para sempre o imaginário popular é o de Getúlio Vargas, presidente entre 1930 e 1945, e de 1951 a 1954, quando, envolto em grande crise de poder, se matou com um tiro no coração. Em carta, escreveu que sentia-se traído e frustrado. "Escolho este meio de estar sempre convosco. Quando vos humilharem, sentireis minha alma sofrendo ao vosso lado."
De resto, o comum no Brasil é o discurso da justificativa dos erros, lembra o professor da UFPR Jamil Zugueib.
Em casos muito graves, o político alvo de denúncias opta pelo afastamento temporário, como ocorreu com o ex-presidente Fernando Collor de Mello, que renunciou para escapar do impeachment em 1992, foi cassado por oito anos e voltou como senador por Alagoas em 2007.
Reação diferente teve o ex-deputado federal Roberto Jefferson, que, acusado de manter esquema de corrupção dentro dos Correios em 2005, denunciou o mensalão mantido pelos colegas. Foi cassado, mas não sem antes garantir uma aposentadoria pela casa. (HC)
Para um brasileiro, a atitude como a do ex-presidente da Coreia do Sul, que se jogou de um precipício após ser denunciado por corrupção, é de difícil compreensão. Na terra da impunidade, o ato parece não fazer sentido. Ou alguém se lembra de um caso de político ou empresário nacional pego com a mão na botija que tenha atentado contra a própria vida?
Sem fazer a apologia do suicídio, o psicólogo social Jamil Zugheib, professor da Universidade Federal do Paraná, explica que a normalidade com que o suicídio é tratado em casos de vergonha pública no Oriente tem relação com a forte identificação daqueles povos com a nação. "É quando o eu individual cola com os valores do país", diz. A corrupção é vista como uma traição aos compatriotas.
Conforme pontuou o jornalista norte-americano Christopher Beam, da revista Slate: "Se uma grande dívida o tornará um peso para a família, ou um escândalo político respingará naqueles que estão ao seu redor, alguns (orientais) consideram não apenas permitido, mas uma atitude responsável se retirar para protegê-los". Retirar-se, nesse caso, é um eufemismo.
O Japão é o país onde a prática do suicídio motivado pela vergonha é mais frequente, talvez pelo passado em que samurais praticavam o ritual harakiri, tirando a vida com um corte na barriga.
O ato, que tinha por objetivo recuperar a honra, hoje encontra paralelo no alto índice de suicídios ligados a problemas financeiros entre japoneses. Em janeiro deste ano, o país registrou uma alta de 15% no número de casos em relação ao mesmo mês de 2008 (2.645 ante 2.305). O número motivou uma campanha em escolas e escritórios. O objetivo é baixar as mortes em 20%.
A preocupação é ainda maior porque dados estatísticos mostram uma alta de 35% nos casos de suicídio durante a crise econômica de 1998, quando vigoravam leis de falência muito rígidas e não havia um programa para desencorajar esse tipo de ato (por exemplo, um japonês não perde seus bens se tentar se matar, como ocorre em alguns estados dos EUA).
A Coreia do Sul também tem histórico de muitos suicídios, e o país enfrenta hoje uma praga moderna que são as mortes coletivas de adolescentes, combinadas pela internet.
O que não é frequente é o rigor aplicado a políticos corruptos por lá. Os dois antecessores imediatos de Roh Moo-hyun, ex-presidente que tirou sua vida em 23 de maio, foram alvo de acusações nos últimos meses de governo mas nenhuma investigação foi formalizada contra eles. No caso de Roh, a seriedade dedicada às denúncias que o implicaram foi considerada pela população uma prova de que haveria algum interesse maior por trás.
Com o suicídio (ele deixou um arquivo no computador para a família dizendo que "muitos sofreram por sua causa"), entrou para a história como herói. Entre 300 mil e meio milhão de pessoas prestigiaram seu funeral.
Ocidente
Enquanto o Oriente considera a morte autoinfligida aceitável em questões de honra, no Ocidente o ato é com frequência associado ao egoísmo, obra de alguém fraco que não conseguiu lidar com uma situação.
Poderia-se tentar explicar pela via religiosa, afinal, o budismo e o xintoísmo não veem todo o significado que o cristianismo dá ao suicídio. Só que a explicação não funciona: na China do taoísmo e budismo, o índice de suicídio é bem mais baixo que no Japão. Além disso, o Ocidente judaico-cristão também registra casos de suicídio ligado à vergonha, mas só em situações extremas.
Em 1994, dois anos após o início da operação italiana Mãos Limpas, que enfraqueceu a máfia em suas ligações com políticos e empresários, dez chefões se mataram. Em Wall Street, nutre-se a ideia de que o crash da bolsa de 1929 teria desencadeado suicídios em massa, com executivos engravatados lançando-se de arranha-céus.
A imagem tem muito de lenda porque, de acordo com registros médicos da época, o número de mortes foi menor do que as do mesmo período do ano anterior, e apenas quatro saltaram de prédios. E um estudo de 2001 da Wayne State University revelou que o estresse ocupacional é só um dos fatores relacionados ao risco de suicídio, ao lado de demografia, problemas psiquiátricos preexistentes e acesso a formas de se matar.
Mesmo assim, a atual crise financeira que agora começa a dar uma folga deixou seu saldo de mortes, como a do bilionário alemão Adolf Merckle. Após perder cerca de 1 bilhão de euros em investimentos especulativos, ele se jogou na frente de um trem, em outubro passado.
Já no Brasil, existe um traço da personalidade coletiva que ameniza os efeitos de qualquer crise, seja econômica ou de honra: o bom humor. "Ele está no gene do brasileiro que ri da própria miséria. Muitas vezes, a gente se depara com aquela piada na qual a pessoa que está contando é a própria vítima", declarou o professor de psicologia da Universidade Federal de Pernambuco Milton Marques Sá à Agência Brasil.
O ex-deputado Luiz Carlos Santos (PFL-SP) adaptou a piada ao humor negro. "Não me peçam a homenagem do meu suicídio", costumava ironizar.
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