O cenário não poderia ser pior para Nicolás Maduro, o ditador venezuelano: tropas correndo em debandada após a suposta tentativa de atentado, no sábado, em Caracas, refletindo pouca coragem e lealdade a ele. A situação o colocou em uma posição de fragilidade e debilidade e poderá desencadear uma nova onda de repressão, tornando a situação mais sufocante na Venezuela.
“A sensação que ficou é a de um governo frágil, que deve se endurecer ainda mais para poder sobreviver”, diz Andrea Oelsner, professora do Departamento de Ciências Sociais da Universidade San Andrés (Argentina).
Maduro sustenta que tem a completa lealdade do seu partido e das forças armadas. Mas as imagens de sua guarda pessoal e de soldados fugindo do local, espalhados pela televisão estatal, levantaram dúvidas para muitos venezuelanos.
Segundo Henkel García, diretor da consultoria venezuelana Econométrica, o episódio serviu para mostrar falhas no sistema de segurança de Maduro; medo nas fileiras das Forças Armadas e uma precária resposta inicial ao responsabilizar, sem provas concretas, ao presidente colombiano Juan Manuel Santos – que deixa o cargo nesta terça. Também houve uma reação negativa, tanto interna, quanto externamente. “Não vejo uma figura fortalecida.”
Os danos políticos foram muito grandes para Maduro, avalia Antonio Quintanilla, consultor de análise política da Prospectiva:
Reforça a imagem de um líder que está lutando para governar e, por isso, pode-se esperar que ele adote uma postura mais dura daqui em diante. Maduro dá a entender que este episódio tem a possibilidade de revigorar a oposição e até aqueles, dentro de seu regime, que duvidam dele.
Pressão dentro das Forças Armadas
O suposto atentado foi assumido pelo desconhecido Movimento Nacional dos Soldados com Camisetas. E aumenta a pressão que Maduro vem enfrentando dentro das forças armadas. Ainda em maio, inúmeros militares e mulheres com altas condecorações conspiraram, sem sucesso, para realizar um golpe palaciano e julgar o presidente socialista por atropelar a Constituição e destruir a economia do país, baseada no petróleo.
"Líderes autoritários como Maduro precisam fazer as pessoas pensarem que são invulneráveis", disse David Smilde, sociólogo da Universidade de Tulane, em Nova Orleans, ao Washington Post.
Além disso, o ditador enfrenta a pressão crescente de países vizinhos que tentam lidar com os milhares de venezuelanos que passam pelas fronteiras para escapar da hiperinflação e da fome. Nesta segunda, a Justiça Federal autorizou a suspensão da entrada de imigrantes venezuelanos até que se encontre um “equilíbrio numérico” com o processo de interiorização dos estrangeiros no Brasil. Mas, no final da noite, a ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), determinou a suspensão da decisão.
O ditador já disse que vai punir com rigor aqueles que, supostamente, estão por trás do atentado. Pelo menos seis pessoas já foram presas. “E precisamente, porque foi um episódio embaraçoso, buscará encontrar os culpados o mais rápido possível, embora talvez encontre um bode expiatório, para mostrar que ainda está no controle”, diz Quintanilla, da Prospectiva.
A repressão indiscriminada não é uma tática nova de Maduro. Ela já rendeu condenação internacional. O ditador está sendo investigado por crimes contra a humanidade pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) por crimes que teriam sido cometidos na Venezuela durante repressões a manifestações populares a partir de 2017. Não há prazo para que ele seja julgado.
Mudança de foco
A suposta tentativa de atentado abre espaço para que o ditador mude de foco, diante dos sucessivos problemas na administração. “O governo precisa de temas com os quais possa tirar a atenção da população, já que, há muito tempo, não se pode esconder o fracasso em todos seus aspectos: político, econômico, social, humano, na saúde e na educação”, afirma Oelsner, da Universidade San Andrés.
Na última semana, o ditador assumiu ser o responsável pelo fracasso econômico na Venezuela, mas não lamentou, e afirmou ser necessário adotar um novo modelo para ampliar a produção local. A situação econômica é extremamente delicada. O Fundo Monetário Internacional (FMI) projeta uma inflação de 1.000.000% neste ano e uma retração de 18% no PIB.
“Nos últimos meses, Maduro vem tentando implementar várias mudanças para controlar a economia. Mudou seu gabinete, propôs eliminar cinco zeros do bolívar e ancorar a moeda no petro (cibermoeda lançada em fevereiro e lastreada nas reservas minerais e petrolíferas, numa tentativa de driblar as sanções americanas e ter acesso ao mercado financeiro internacional). Tudo isto ele tenta, sabendo que fará pouco para melhorar a situação”, afirma Quintanilla.
O episódio não deve ter reflexos econômicos. García diz que a economia segue caindo por conta própria devido aos vínculos existentes com o sistema político venezuelano. “Me parece que o que vimos no sábado não tem maior impacto na debacle que a Venezuela vive.”
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