O Tribunal Supremo da Rússia ordenou nesta terça-feira (28) a dissolução da Memorial, a principal organização de direitos humanos do país e voz dos soviéticos que foram alvos de represálias.
A decisão, que atende pedido do Ministério Público, que acusava a ONG de criar “uma falsa imagem da União Soviética como Estado terrorista”, dissolve tanto a entidade de memória histórica como as organizações de direitos humanos que compõem a Memorial International.
O procurador Alexei Zhafyarov acusou a Memorial de “distorcer” a memória da vitória sobre a Alemanha na Segunda Guerra Mundial (que os russos chamam de Grande Guerra Patriótica, travada pelo país no período 1941-45) e de reabilitar os criminosos nazistas “em cujas mãos está o sangue dos cidadãos soviéticos”.
“Por que deveríamos nós, os descendentes dos vencedores, observar agora tentativas de reabilitar os traidores da pátria e cúmplices nazistas? Certamente porque alguém está pagando por isso”, argumentou.
“Vergonha!” foi o grito que pôde ser ouvido fora do edifício do Supremo, onde cerca de cem pessoas se reuniram para apoiar a Memorial.
Antes do anúncio da decisão, o advogado de defensa da Memorial, o veterano Guenri Reznik, disse que a acusação estava ciente de que a sua pretensão era infundada e “ilegal”, e advertiu que o julgamento é “um teste aos valores que determinam a vida em um Estado de direito”.
Reznik prosseguiu dizendo que recorreria contra uma condenação e, se necessário, apelaria ao Tribunal Europeu dos Direitos Humanos.
O diretor da Memorial International, Yan Rachinski, assegurou que a decisão não significa o fim das atividades da ONG, uma vez que há muitas organizações ligadas à mesma que não estão registradas ou não estão listadas como pessoa jurídica.
“Suspender as atividades da Memorial não se enquadra nas competências do Ministério Público”, comentou. Grigor Yavlinsky, líder do partido opositor Yabloko, considerou a decisão “uma decisão política”.
Os russos ganhadores do prêmio Nobel da Paz, Mikhail Gorbachev (1990) e Dmitry Muratov (2021), escreveram ao Ministério Público em novembro pedindo que a ação judicial contra a Memorial fosse retirada.
Gorbachev e Muratov destacaram que as atividades da Memorial desde a sua fundação, em 1991, tiveram como objetivo restaurar a justiça histórica e preservar a memória de centenas de milhares de pessoas reprimidas durante a União Soviética.
O Ministério Público recorreu ao Supremo para dissolver a Memorial devido a supostas violações da Constituição e ao não desempenho das suas funções como agente estrangeiro, categoria à qual pertence desde 2016.
Os integrantes da entidade acusam o Kremlin e os órgãos de segurança do Estado de tentarem impedi-la de continuar a investigar crimes cometidos durante a URSS e desde 1991, especialmente desde que o atual presidente, Vladimir Putin, chegou ao poder em 2000.
A Memorial, que recebeu o prêmio Sakharov do Parlamento Europeu em 2009 e foi candidata ao prêmio Nobel da Paz em várias ocasiões, conta entre os seus fundadores com o cientista e dissidente soviético Andrei Sakharov, prêmio Nobel da Paz em 1975, pai da bomba de hidrogênio e pioneiro da defesa dos direitos humanos no país.