Durante as décadas que esteve sob o domínio britânico e depois que foi devolvida para a China, Hong Kong era considerada um bastião da liberdade de expressão no mundo de idioma chinês. A mídia internacional e os grupos de direitos humanos estabeleceram suas sedes ali, e o território servia como paraíso para refugiados políticos, desde líderes dos estudantes da Praça da Paz Celestial até Edward Snowden.
Nos últimos anos, no entanto, à medida que Pequim vem fechando o cerco sobre sua antiga colônia, Hong Kong tem sido cada vez mais suplantada por Taiwan, uma ilha autogovernada que emergiu como uma das democracias mais vibrantes da Ásia. Taiwan agora atrai os tipos de dissidentes, grupos de direitos e eventos que antes gravitavam naturalmente para Hong Kong.
Um festival de direitos humanos que aconteceu em Hong Kong no ano passado será agora transferido para Taiwan. Um editor de livros de Hong Kong, que foi sequestrado por dois agentes chineses do continente, dois anos atrás, e depois liberado, agora vai abrir sua livraria em Taiwan.
No ano passado, o grupo Repórteres sem Fronteiras anunciou que abriria seu primeiro escritório na Ásia em Taipei, a capital de Taiwan, depois de considerar e rejeitar Hong Kong.
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"Hong Kong foi a primeira opção para o escritório na Ásia", afirmou Wu'er Kaixi, membro emérito do conselho do grupo, e um dos líderes dos estudantes que protestaram na Praça da Paz Celestial em 1989 e que escaparam da China via Hong Kong.
"Mas hoje a China não apenas oprime seu próprio povo, mas está expandindo essa opressão para Hong Kong."
A mudança reflete os esforços cada vez mais autoritários do presidente Xi Jinping, o líder mais forte da China desde Mao Tsé-Tung, para reafirmar seu controle sobre o país, incluindo Hong Kong. Quando os britânicos devolveram o território para o controle chinês em 1997, o arranjo de "um país, dois sistemas" deveria dar a Hong Kong um "alto nível de autonomia" até pelo menos 2047.
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Mas desde os protestos de 2014, conhecidos como o Movimento Guarda-Chuva, em que milhares de moradores de Hong Kong tomaram as ruas para pedir mais democracia, a China de Xi tem tido mais disposição para intervir. Em 2016, o sequestro e detenção em Hong Kong de cinco editores de livros críticos e frequentemente indecentes sobre os líderes chineses pareceram uma sentença de morte para a liberdade de expressão no território.
Lam Wing-kee, um dos cinco, que afirma ter ficado preso em uma solitária por cinco meses e ter sido pressionado a fazer uma confissão pública, agora planeja reabrir sua livrari em Taiwan, que funcionava em Hong Kong até que ele fechou as portas.
"Nós, as pessoas de Hong Kong, procuramos aprender com Taiwan. E as pessoas de Taiwan querem entender como a China continental controla Hong Kong", conta Lam.
Mudança dramática
O crescente reconhecimento de Taiwan como um dos ambientes mais livres da Ásia para se expressar é, em si, uma mudança dramática. Até 1987, a ilha vivia sob uma lei marcial brutal, controlada pelo ditador Chiang Kai-shek, que fugiu da tomada de poder pelos comunistas na China continental em 1949, e depois por seu filho.
Foi difícil conquistar a liberdade por ali. Em 14 de abril, Taiwan celebrou o Dia da Liberdade de Expressão no 29º aniversário da morte do ativista Deng Nan-jung, que colocou fogo no corpo enquanto a polícia se preparava para invadir seu escritório e prendê-lo por publicar uma versão revisada da constituição.
A morte de Deng provocou grandes protestos que ajudaram a direcionar a ilha para um governo democrático e a obtenção de maiores liberdades.
Cédric Alviani, o diretor do escritório de Taipei do Repórteres sem Fronteiras, diz que desde então Taiwan se tornou uma "ilha de estabilidade" em uma região em que a liberdade de imprensa está recuando.
"A liberdade de expressão é uma parte grande da cultura taiwanesa", afirma ele.
Ao falar com repórteres em 14 de abril, a viúva de Deng, Yeh Chu-lan, no entanto, avisou que nada está garantido em Taiwan. "Podemos perder nossa liberdade de expressão a qualquer momento em face da hegemonia chinesa", disse ela.
Lição de interferência
Hong Kong pode servir como uma lição sobre a interferência de Pequim. Alguns dos jovens líderes do Movimento Guarda-Chuva foram mandados para a prisão, gerando preocupação sobre a interferência de Pequim. A legislatura de Hong Kong está se movendo para proibir insultos ao hino nacional chinês depois que fãs de futebol de Hong Kong vaiaram a música.
Li Dan, organizador do Festival de Cinema 1905 de Direitos Humanos de Hong Kong, diz que vai mudar o evento de maio deste ano para Taiwan, com um festival satélite, menor, em Hong Kong. A mudança, segundo ele, foi decidida depois que o festival teve dificuldades de encontrar doadores importantes para patrocinar o evento em Hong Kong, onde os custos são altos.
"Neste momento em Hong Kong há um controle cada vez maior sobre a informação e os meios de comunicação, então, em geral, existe um medo do termo 'direitos humanos'. Quanto ao ambiente para a liberdade de expressão em Taiwan, eu diria que é o melhor da Ásia – não há nada que não possa ser dito", afirma.
Outras pessoas também dizem que Taiwan tem se mostrado muito mais receptiva aos ativistas de direitos regionais. A Rede de Jovens Democratas Asiáticos, um grupo com participantes de Hong Kong, de Taiwan e do sudoeste da Ásia, decidiu se encontrar em setembro em Taipei porque era o único lugar que permitiria a entrada de todos os seus membros.
"Fiquei muito feliz que Taiwan ainda pode oferecer esse tipo de espaço seguro para ativistas de partes diferentes da Ásia", disse Johnson Yeung, líder da equipe de desenvolvimento do grupo, em uma entrevista por telefone.
Enquanto Taiwan saboreia sua nova reputação como um centro para a liberdade de expressão no mundo de língua chinesa, houve episódios em que Taiwan pareceu comprometer seus valores políticos para evitar irritar Pequim, que reivindica Taiwan como um território da China.
No ano passado, Taiwan devolveu para a China um ativista chinês que procurava asilo. Alguns chineses dizem que também está ficando mais difícil para ativistas do continente entrar em Taiwan para participar de oficinas e conferências.
Zhao Sile, jornalista chinesa que escreve sobre a sociedade civil em seu país, diz que os ativistas chineses contaram a ela que, nos últimos dois anos, ficou mais difícil conseguir vistos para Taiwan.
Zhao, que agora está em Taipei como convidada da Universidade Nacional Chung Cheng, disse em uma entrevista que sabia de vários casos em que grupos não governamentais ou universidades que convidaram participantes chineses precisaram usar vistos médicos como solução alternativa. Os vistos, que são mais fáceis de conseguir do que os normais, destinam-se a turistas que vêm a Taiwan para fazer cirurgias plásticas.
Acostumados à liberdade de expressão em casa, os taiwaneses também estão entrando em conflito com autoridades na China e mesmo em Hong Kong.
No ano passado, a China transformou em exemplo um ativista taiwanês, Lee Ming-cheh, que foi preso após entrar no país. Depois de ficar incomunicável por meses, ele fez o que pareceu ser uma confissão forçada antes de ser sentenciado a cinco anos de cadeia por subversão contra o estado.
O caso teve um efeito inibidor em Taiwan porque a corte usou como evidência as publicações que Lee havia feito nas redes sociais quando estava em seu país.
Em novembro, o cineasta taiwanês Kevin H.J. Lee afirmou que seu visto para Hong Kong foi negado. Ele acha que isso aconteceu por causa de seu novo documentário "Self-Censorship" (Autocensura), lançado em março. Lee acredita que as autoridades de Hong Kong ou da China agiram para prevenir sua entrada depois de ver sua página de financiamento coletivo, que incluía um trailer que havia sido parcialmente filmado em Hong Kong.
Em março, um grupo de estudantes universitários de Hong Kong contatou Lee para perguntar se gostaria de falar com eles a partir de Taiwan depois de uma exibição de seu filme. Preocupados com o fato de que poderiam ser monitorados por funcionários da universidade, preferiram se comunicar apenas por meio do WhatsApp, contou ele, que possui criptografia de ponta a ponta.
"Foi apenas no último momento que notificaram todo mundo rapidamente e disseram: 'Vamos exibir esse filme agora'. Falei que, quando vejo a situação de Hong Kong, ela me lembra da de Taiwan antes do fim da lei marcial. Como Hong Kong pode ter terminado desse jeito?", disse Lee.
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