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"No geral, indivíduos extraordinários possuem uma determinação excepcional. De atletas olímpicos a físicos ganhadores do Nobel, de enfadonhos senadores norte-americanos até o mais tímido poeta laureado, é simplesmente impossível alcançar um desempenho notável sem ela. A questão é: por que essa necessidade obsessiva surge em idades diversas para pessoas diferentes?"

Trecho de O Gênio em Todos Nós, de David Shenk, traduzido por Fabiano Morais.

  • David Shenk, autor do livro O Gênio em Todos Nós

Sabe a sorte que algumas pessoas têm de conhecer um professor de matemática com talento para destrinchar conceitos complexos, fazendo-os parecer uma ridícula conta de 2+2?

Pois é essa sensação de sorte que se experimenta com o livro O Gênio em Todos Nós, em que David Shenk transforma a complexidade da relação entre os genes e o ambiente numa história fascinante sobre pessoas obstinadas – cientistas ou não –, carregada de metáforas inspiradas.

Disposto a questionar "tudo" o que se tomava por certo acerca de genética, talento e QI, Shenk conduz o leitor por uma série de experimentos que provam o quanto o ser humano é aberto a possibilidades. O autor sugere, por exemplo, que cada pessoa é como se fosse um bolo. Os genes são os ingredientes e o modo de preparo está relacionado ao ambiente (clima, família, geografia, etc.).

A maneira como os ingredientes serão administrados vai gerar um bolo singular. Isso explicaria, por exemplo, as semelhanças e diferenças entre gêmeos idênticos. "Os genes são constantemente ativados e desativados por estímulos ambientais, nutrição, hormônios, impulsos nervosos e ou­­tros genes", afirma Shenk.

Escritor que colabora para várias publicações importantes, como as revistas National Geo­­gra­­phic e The New Yorker, Shenk conversou com a Gazeta do Povo por e-mail, explicando que "todas as influências têm pesos diferentes" e que é difícil apontar uma que se sobreponha às outras na dança entre os genes e o ambiente.

"Certamente, os pais [de uma criança] são muito influentes. Mas não existe uma fórmula fixa para saber o quanto essa influência é efetiva. A resposta curta é que a própria VIDA é o elemento mais importante – e cada um de nós vive vidas diferentes com variáveis distintas", diz.

Clareza assombrosa

O livro de Shenk, traduzido no Brasil pela editora Zahar, é de uma clareza assombrosa, organizado por capítulos com títulos como "O Mito do Dom", "A Inte­­ligência é um Processo e Não Algo em Si Mesmo", "Prodígios e Ta­­lentos Tardios".

Há quem desdenhe de descobertas científicas que parecem mudar a cada estação – como as pesquisas que mostram que um ovo é ora benéfico, ora maléfico para a saúde. Mas esse não é o caso com a interação dos genes com o ambiente. "A expressão dos genes e a epigenética [estudo do invólucro que cerca o DNA] farão parte da paisagem científica para sempre", diz Shenk.

Hoje, a sociedade está imersa no conceito de dom inato. Os gê­­nios nasceram gênios e aqueles que não tiveram a mesma sorte, precisam aceitar as limitações. Quebrar essa noção de que os talentos são dados e não desenvolvidos é um dos pontos mais complicados no esforço de explicar os aspectos não genéticos da hereditariedade. "A cultura, o conhecimento, as atitudes e o ambiente são transmitidos de várias maneiras diferentes", diz o autor.

Um exemplo de como o am­­biente consegue ser influente? O Vale do Silício, em São Francisco, onde surgiram empresas como a Microsoft de Bill Gates e a Apple de Steve Jobs, nas últimas décadas do século 20. Ou a Jamaica do corredor Usain Bolt, que produziu vários dos seres humanos mais rápidos do mundo atual.

Complexidade

"O número de passos que separam um gene de uma característica depende da complexidade desta. Quanto mais complexa ela for, mais distante qualquer gene estará de fornecer instruções diretas. Esse processo continua ao longo de toda a vida de um indivíduo", explica Shenk, que chega a citar casos de pais com olhos claros que acabam tendo um filho de olhos escuros.

"É algo raro de acontecer. Mas a ideia desse exemplo é mostrar às pessoas que praticamente tudo o que nos tornamos é resultado da interação entre os genes e o am­­biente."

As descobertas e ideias encadeadas pelo livro de Shenk merecem muito mais do que uma página de jornal. Um dos tópicos incríveis de que trata fala da tal epigenética, uma área da ciência que mostra o quanto o ser humano é responsável pelo próprio genoma. "O estilo de vida pode alterar a he­­rança genética", resume Shenk. Se você é um fumante, isso vai influenciar os genes dos seus ne­­tos. Se for um atleta, idem.

Serviço:

O Gênio em Todos Nós – Por Que Tudo Que Você Ouviu Falar Sobre Genética, Talento e QI Está Errado, de David Shenk. Tradução de Fabiano Morais. Zahar, 360 págs., R$ 44.

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