Na quinta-feira (18), pelo menos 41 policiais paramilitares foram mortos em um grande atentado suicida com um carro bomba na região da Caxemira controlada pela Índia. Esse foi o pior ataque a forças de segurança desde o começo da insurgência na região, e aumenta o potencial de conflito entre Índia e Paquistão, duas potências nucleares.
O grupo paquistanês Jaish-e-Mohammad assumiu a responsabilidade pelo ataque.
Nesta segunda-feira (18), quatro dias após o atentado, um novo confronto entre militares e rebeldes de Índia e Paquistão deixou pelo menos nove pessoas mortas.
O atentado marca um ponto de virada na Caxemira controlada pela Índia, onde uma insurgência contra o domínio indiano teve altos e baixos desde 1989. A militância é muito menor do que era no seu auge, mas cada vez mais atrai recrutas locais.
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A escalada da violência ocorre em um momento em que as táticas da Índia - consideradas cruéis pelos críticos - têm alienado a geração de jovens da Caxemira e as mídias sociais provaram ser uma poderosa ferramenta de recrutamento para grupos militantes, alguns com base no Paquistão.
Como foi o ataque
Segundo autoridades, o atentado ocorreu na tarde de quinta-feira, às 15:15 no horário local, quando um comboio de segurança de 70 veículos viajava por uma rodovia para a cidade de Srinagar.
Um veículo carregado de explosivos dirigido por um homem-bomba bateu em um ônibus que transportava dezenas de paramilitares, disse Sanjay Sharma, porta-voz da Força Policial da Reserva Central da Índia.
Com 41 oficiais confirmados mortos, foi o mais violento ataque de militantes contra pessoal de segurança na Caxemira e um dos piores ataques da história da insurgência. Em 2001, um ataque à legislatura estadual deixou pelo menos 38 mortos.
O primeiro-ministro indiano Narendra Modi, que está buscando a reeleição no fim de abril, disse que o ataque foi “abominável” em um post no Twitter. “Eu condeno fortemente este ataque covarde”, escreveu ele. “Os sacrifícios do nosso bravo pessoal de segurança não serão em vão”.
O veículo com explosivos era guiado por Adil Ahmad Dar, que cresceu a poucos quilômetros do local onde cometeu o atentado que terminou também com a sua vida.
Resposta
Em mais um conflito entre militares e rebeldes da Índia e do Paquistão, pelo menos nove pessoas morreram nesta segunda-feira (18) na Caxemira. Os confrontos aconteceram durante uma operação militar, em resposta ao atentado da quinta-feira.
Segundo fontes do governo, a polícia indiana matou três militantes do grupo paquistanês Jaish-e-Mohammad, que assumiu a responsabilidade pelo ataque da semana passada.
“O confronto ainda está acontecendo e as forças de segurança estão em campo”, disse a polícia em um comunicado. Quatro soldados indianos, um policial e um civil também foram mortos. Outros nove soldados ficaram feridos. Alguns rebeldes conseguiram fugir.
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As mortes desta segunda-feira aconteceram depois que forças de segurança lançaram uma operação contra um rebelde no distrito de Pulwama, a 30 km ao sul de Srinagar.
Desde a semana passada, forças indianas iniciaram uma grande operação para encontrar os rebeldes, suspeitos de praticar o ataque suicida. No domingo, a polícia disse que as forças indianas haviam detido 23 homens suspeitos de ligações com os militantes que realizaram o atentado.
Quais as causas da disputa na região
Índia e Paquistão disputam a região da Caxemira, no Himalaia, desde 1948. Ambos os países reivindicam o território inteiro como seu, enquanto governam parte dele. Grupos militantes nos territórios controlados pela Índia lutam pela independência ou pela junção ao Paquistão. Em fases anteriores da militância, muitos dos combatentes atravessavam do Paquistão para a Índia.
A Caxemira faz parte do único estado de maioria muçulmana da Índia. Em 2012, o número de mortes relacionadas com a militância na Caxemira caiu para o menor de todos os tempos. Mas a violência aumentou nos últimos anos, de acordo com dados do governo indiano, especialmente após a dura resposta da Índia a protestos em 2016. O ano passado foi o mais letal na Caxemira em uma década. Também houve um aumento no fluxo de recrutas locais para grupos militantes, com mais de 100 se unindo à insurgência.
A Índia acusa o Paquistão de dar apoio material aos militantes. Islamabad diz que só oferece apoio moral e diplomático à Caxemira muçulmana.
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Em 2019 já são 50 mortos na região. Em 2018 foram 100 civis assassinados em outros episódios relacionados ao conflito.
A tensão na Caxemira já levou a três guerras e deixou mais de 45 mil mortos. Preocupa o fato de os dois países serem potências nucleares.
O que é o Jaish-e-Mohammad
O Jaish-e-Mohammad, ou Exército de Maomé, um grupo militante que busca fundir a Caxemira com o Paquistão, assumiu a responsabilidade pelo ataque de quinta-feira. Com base no Paquistão, o grupo é liderado por um clérigo radical chamado Masood Azhar.
Os Estados Unidos classificaram oficialmente o Exército de Maomé como uma organização terrorista há quase duas décadas. Em 2017, Washington pressionou o Conselho de Segurança da ONU a designar Azhar como terrorista, mas a medida foi vetada pela China.
Recrutamento
Um alto funcionário da polícia na Caxemira, que falou sob condição de anonimato por causa do protocolo, disse que o recrutamento local começou a aumentar depois que um carismático comandante chamado Burhan Wani foi morto em 2016, mas que nos últimos três meses havia estagnado. “Este ataque não foi feito a partir de uma posição de força, mas como um ato de desespero”, disse ele, acrescentando que as forças de segurança mataram 29 militantes nas primeiras semanas de 2019.
Esta geração de jovens da Caxemira “vê a violência e a instabilidade desde que nasceu”, disse David Devadas, autor de um livro recente sobre a Caxemira. Nas redes sociais, ele disse, há um fluxo constante de imagens de “muçulmanos oprimidos e sob ataque globalmente”. Esses fatores, juntamente com experiências pessoais, produziram um grau de radicalização, tanto em termos políticos quanto religiosos, disse Devadas.
Em nenhum lugar esse sentimento é mais intenso do que nas aldeias da parte sul do vale da Caxemira, que se tornou um foco de militância. No domingo, três dias depois do ataque, as lojas da região continuavam fechadas e as ruas estavam desertas, exceto por algumas pessoas jogando críquete nas ruas.
Protestos
No domingo (17), manifestantes em Nova Délhi, capital da índia, queimaram símbolos de autoridades paquistanesas e do grupo Jaish-e-Mohammad. Em várias cidades houve ataques contra os cidadãos da Caxemira. Nas redes sociais circulam pedidos de vingança, o que preocupa os grupos de direitos humanos.
“Estamos em um momento perigoso e as autoridades devem fazer tudo o que puderem para manter o estado de direito”, disse Aakar Patel, chefe da Anistia Internacional na Índia. “Cidadãos da Caxemira, que estão espalhados em toda a Índia, estão apenas buscando melhorar suas vidas e não devem ser alvo da violência simplesmente por causa de onde eles vêm”.
As manifestações também se espalharam para as duas grandes obsessões indianas: o críquete e a indústria cinematográfica de Bollywood.
Vários torcedores de críquete pediram à Índia que boicote uma partida da Copa do Mundo contra o Paquistão em junho, enquanto o Cricket Club da Índia encobriu um retrato do primeiro-ministro do Paquistão, Imran Khan -ex-jogador de críquete- em seu escritório em Mumbai.
A All India Cine Workers Association pediu a proibição de paquistaneses na indústria cinematográfica. A Confederação de Todos os Comerciantes da Índia pediu uma greve nacional para protestar contra o ataque. Lojas foram fechadas em vários estados.
A cidade de Srinagar, onde aconteceu o atentado, enfrentou o quarto dia de toque de recolher. Depois do ataque houve incêndios criminosos em propriedades de muçulmanos.
Para restringir o fluxo de informações, a Internet foi cortada em todo estado. A estimativa das autoridades é de que a Índia tenha meio milhão de soldados mobilizados na Caxemira, uma das zonas mais militarizadas do mundo.
Visita do príncipe herdeiro da Arábia Saudita
Nova Délhi e Islamabad procuram manter boas relações com a Arábia Saudita. O príncipe herdeiro da Arábia Saudita, Mohammed bin Salman, iniciou neste domingo sua visita de dois dias ao Paquistão, e estará na terça (19) e quarta-feira (20) na Índia.
No Paquistão, autoridades sauditas assinaram acordos no valor de US$ 20 bilhões para ajudar a nação islâmica a superar sua crise financeira.
O primeiro-ministro do Paquistão, Imran Khan, e os principais oficiais do governo e militares receberam o príncipe no aeroporto de Islamabad, onde ele recebeu uma saudação de 21 tiros. Mais cedo, os jatos da Força Aérea do Paquistão escoltaram o voo do príncipe Mohammad quando ele entrou no espaço aéreo do país.
Durante sua estadia de dois dias no Paquistão, o príncipe herdeiro manterá conversações formais com Khan para encontrar maneiras de melhorar a cooperação bilateral. A Arábia Saudita vai investir no setor de energia paquistanês, incluindo a instalação de uma refinaria de petróleo no sudoeste, perto da fronteira com o Irã. A medida provavelmente afetará Teerã, já que o Irã é o inimigo regional da Arábia Saudita.
Com informações do Washington Post, Estadão Conteúdo e Folhapress.
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