Uma combinação de fatores colocou a Bélgica no centro de atentados terroristas – tanto da sequência que atingiu Bruxelas na terça-feira (22) como os de Paris em novembro do ano passado.
A explicação não é simples.
Envolve questões geográficas, políticas, sociais, étnicas e religiosas. De certa forma, o fato de ser um espaço multicultural e ao mesmo tempo segregador criou as condições para que células terroristas vissem na Bélgica um ponto estratégico para arregimentar extremistas.
Diferentemente do que aconteceu na França, a Bélgica estimulou segmentações, ao permitir e incentivar, ao longo dos anos, que os representantes de várias culturas mantivessem seus hábitos e costumes – como roupas, língua e rituais em público – sem serem incorporados à identidade belga. Especialistas ouvidos pela Gazeta do Povo apontam as dificuldades para que os núcleos terroristas sejam desarticulados na Bélgica e também o temor de que os atentados recentes fomentes movimentos de direita a causar problemas para muçulmanos e para refugiados.
Para Dorival Guimarães Pereira Junior, coordenador do curso de Direito do Ibmec-MG, mestre em Direito Internacional na França, é preciso destacar que a Bélgica não se tornou, de uma hora para outra, um centro terrorista, mas que reflete uma realidade de outros países europeus, com presença forte de imigrantes, principalmente do norte da África.
Muitos deles são de segunda ou terceira geração, ou seja, são filhos e netos de estrangeiros, mas nasceram na Bélgica, com plenos direitos como cidadãos – inclusive com permissão de livre circulação na União Europeia.
“Contudo, há uma falta de integração efetiva. Muitos não se sentem parte desse povo europeu. Vivem num contexto de desemprego e de sensação de exclusão”, diz. O professor destaca que a maioria esmagadora é pacífica, mas há aí o terreno fértil para encontrar pessoas que estão dispostas a lutar – com armas e bombas – contra algo que as aflige.
Apesar do atentado, o foco dessas células extremistas não é a Bélgica. Eles reagiram à prisão de um terrorista, mas mais do que isso, reagiram ao cerco que estava se fechando.
Contudo, características particulares da Bélgica a colocam em situação mais complicada que os demais países europeus. O professor Eduardo Saldanha, de Relações Internacionais da FAE, frisa que a Bélgica está geograficamente bem localizada, com acesso rápido a muitos países e no centro dos três principais que se mantém no foco dos terroristas: França, Inglaterra e Alemanha. “Apesar do atentado, o foco dessas células extremistas não é a Bélgica. Eles reagiram à prisão de um terrorista, mas mais do que isso, reagiram ao cerco que estava se fechando”, comenta.
Saldanha também destaca que a Bélgica é o país que, proporcionalmente, mais recebe investimentos estrangeiros na Europa. Várias organizações decidem estabelecer suas sedes lá. “Isso ocorre também devido à internacionalidade, seja pela diversidade de línguas faladas no país, seja pela tradição de receber bem quem vem de fora. Na Suíça, por exemplo, é muito difícil se manter como imigrante”, comenta.
Era previsível
Em comum, todos os especialistas concordam que a Bélgica não conseguiu criar estruturas, como as usadas na França e na Inglaterra, para conter a expansão das atividades terroristas e para monitorar adequadamente possíveis ataques. Para o professor Eduardo Saldanha, o que mais espanta nos atentados de terça-feira (22) é a previsibilidade dos alvos. “Aconteceu em locais que se espera uma tentativa, como aeroporto e estação de metrô. Não foi como na França, em que o Bataclan, uma casa de shows, virou o foco principal. Os locais dos atentados em Bruxelas revelam a fragilidade dos instrumentos de controle”, diz.
Há bairros inteiros na Grande Bruxelas formados por filhos de imigrantes, com dificuldades com os idiomas locais, desempregados ou subempregados. Já vieram dessas comunidades os organizadores dos atentados em Paris, no ano passado. Com experiência no Alto Comissariado para Refugiados da ONU, Pereira Junior destaca que as condições criaram uma espécie de gueto, de segregação, de marginalização. “Paris também tem um ambiente como esse, principalmente ao Norte da cidade, mas talvez as autoridades belgas não tenham agido tão fortemente. Hoje estão combatendo algo que não souberam prevenir”, acredita.
O historiador Michel Gherman, com mestrado em Antropologia e Sociologia pela Hebrew University of Jerusalem, salienta que a Bélgica é vista como uma área de periferia, fora do radar de grandes centros e não é percebida como uma comunidade forte.
Além disso, o país não sabe direito como lidar com ameaças internas. “O debate principal é político. A extrema direita pode usar o episódio para defender a negação de direitos plenos dos cidadãos e ao retirar direitos acirrar o conflito”, avalia.
Para ele, há diferenças marcantes entre Paris e Bruxelas. Na Bélgica, há uma dimensão de periferia social – propícia para o desenvolvimento do fundamentalismo que atua como rede de sociabilidade. “É a periferia da periferia. Mas tem elementos transversais. É para além da religião, mas que usa os elementos religiosos como o caldo que torna tudo o que aconteceu possível”, reforça.
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