A foto de Alan Kurdi – menino sírio de 3 anos que morreu na travessia do Mediterrâneo em setembro – comoveu o mundo, mas não foi capaz de impedir que muitas outras tragédias acontecessem. Nesses dois meses, 87 crianças perderam a vida tentando chegar à Europa para escapar de conflitos bélicos em seus países de origem. Dessas outras, porém, não há imagens tão icônicas como a de Alan, o que faz os casos passarem despercebidos. Aliás, além da morte de, em média, uma criança por dia, mais de 3,2 mil adultos não sobreviveram à travessia em 2015 – dez por dia.
Os dados são do Alto Comissariado da ONU para Refugiados (Acnur) e da Organização Internacional de Migração (OIM, na sigla em inglês). Essas mesmas instituições alertam que a perspectiva de morte na travessia não tem diminuído as tentativas – muito pelo contrário. Outubro terminou como o mês com o maior número de refugiados que chegaram à Europa pelo mar. Foram 218 mil, equivalente ao registrado em todo o ano de 2014. O recorde anterior tinha sido em setembro, quando 172 mil haviam conseguido atravessar o Mediterrâneo. Mais da metade vem da Síria, que está sob fogo cruzado pela disputa de poder entre o ditador Bashar al-Assad e os militantes do Estado Islâmico. O segundo maior grupo foge da opressão no Afeganistão.
Apesar das multidões que cruzam o mar todos os dias – em apenas um foram 10 mil pessoas – pouco tem sido feito para evitar que novas mortes aconteçam. O pai de Alan, em entrevista ao Fantástico no domingo (1º) responsabilizou, pela morte do filho e dos outros refugiados, as fronteiras fechadas e a falta de apoio a quem foge da guerra.
No final de semana, dois outros naufrágios resultaram na morte de 13 imigrantes perto da Grécia. Um deles ocorreu a 20 metros da costa de Galazio de Samos, quando uma embarcação de seis metros de comprimento naufragou. Dez pessoas, incluindo quatro bebês e duas crianças, foram encontradas mortas por afogamento na cabine do barco, proveniente da costa turca. O corpo de uma menina também foi encontrado nas proximidades. Na sexta-feira (30), 22 refugiados, incluindo 17 crianças, haviam morrido na travessia entre as ilhas gregas e a costa oeste da Turquia.
O fluxo de refugiados para a Europa, no entanto, ainda é ofuscado pelo número dos que foram para países vizinhos da Síria: mais de 2 milhões na Turquia, 1 milhão no Líbano e 600 mil na Jordânia. Em outubro, a Acnur informou que estava prevendo a chegada de até 700 mil refugiados na Europa neste ano e um número semelhante ou superior em 2016. Mas esse cálculo foi ultrapassado, já que seriam 744 mil pessoas até agora.
Ao Fantástico, pai do menino lembra a travessia fatal
O programa Fantástico, no último domingo (1º), exibiu uma entrevista com Abdullah Kurdi, pai do menino sírio que virou símbolo do drama dos refugiados que cruzam o Mar Mediterrâneo. O pai comentou que a imprensa internacional errou o nome do filho. O correto é Alan Kurdi e não Aylan, como foi divulgado. Em meio às ruínas de Kobane, Abdullah disse que o nome do filho tem sido usado para arrecadar donativos para a reconstrução da cidade síria, mas que o dinheiro não está chegando a quem precisa.
Abdullah contou como foram os momentos que antecederam a tragédia. Disse que a travessia custou 2 mil euros por adulto – a esposa estava junto e morreu afogada com os dois filhos. Na primeira tentativa, na noite anterior ao naufrágio, o motor do barco quebrou no meio da viagem , deixando o grupo de refugiados à deriva durante quatro horas, até serem rebocados pela guarda costeira da Turquia.
Na noite seguinte, houve a segunda e última tentativa, com um novo barco. “Em cinco minutos de travessia, o mar ficou agitado. Na primeira onda mais forte, o piloto pulou na água e fugiu. Não deu tempo de ninguém correr para assumir os controles. O barco virou na hora. Que Deus amaldiçoe aquele homem. A travessia foi a única vez em que as crianças demonstraram medo desde que saímos da Síria. Eu sinto muita tristeza e muita saudade, mas não arrependimento. Eu precisava tirar eles daqui. Quando eles morreram, eu morri também.”
Abdullah afirmou que vai ao cemitério duas vezes por dia e que lá se sente perto da família. Também afirma que tem pesadelos todas as noites, que foi ao médico, mas que os remédios não funcionam. “Eu tive culpa, é claro, mas eu não tinha saída. A culpa maior é do mundo todo. Se as portas estivessem abertas para os refugiados, isso não teria acontecido. Aqui estamos todos mortos, de qualquer jeito.” Ele quer construir uma instituição em Kobane para as famílias que escolheram ficar. “A morte do meu filho serviu para abrir os olhos e os corações do mundo para o problema dos refugiados.”
Se as portas estivessem abertas para os refugiados, isso não teria acontecido. Aqui estamos todos mortos, de qualquer jeito.
Abdullah Kurdi
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