Esta é uma cidade obediente. Na hora do rush, uma horda de passageiros saindo de uma estação de metrô nunca subiria uma escada onde houvesse uma placa com instruções de descer; ninguém atravessa a rua fora da faixa. As pessoas não jogam lixo no chão. Condutores de trens se desculpam quando se atrasam alguns segundos, e até quando estão adiantados.
Porém, um grupo de vez em quando quebra as regras: os fumantes.
Normalmente, quando me dirijo ao metrô para ir trabalhar, passo por alguns deles reunidos em um beco, com o cigarro aceso, calmamente ignorando a placa de proibido fumar. De vez em quando, uma patrulha de policiais os dispersa, mas os fumantes sempre retornam.
Toda vez que os vejo, fico impressionada com a violação descarada das regras, dados os rigorosos códigos que regem a sociedade aqui.
Pouco tempo atrás, fumar era tão intrínseco à cultura quanto a obediência. Antes de minha família se mudar para cá no ano passado, quando aceitei o cargo de chefe do escritório local do New York Times, esta era a cidade dos fumantes. Em nossas visitas nos anos anteriores, era difícil encontrar restaurantes ou cafés para não fumantes.
Mas, recentemente, a cultura antifumo do mundo chegou ao Japão.
Agora que muitas pessoas estão mais conscientes dos perigos para a saúde, o número de fumantes no Japão caiu bruscamente, de acordo com dados da fabricante de cigarro Japan Tobacco. E um número crescente de empresários, proprietários de restaurantes e instalações públicas em todo o país voluntariamente baniram o cigarro depois que um projeto de lei de 2002 incentivou a redução de fumo passivo.
Lembro-me de ter ficado admirada quando, pela primeira vez, vimos lounges separados para fumantes no aeroporto de Tóquio, o Narita.
Restrições
Agora, plataformas de trem, lojas de departamento e muitos restaurantes estão livres da fumaça, e trabalhadores de escritório que ainda não largaram o cigarro estão limitados a fumar em áreas específicas ou do lado de fora. O Zoológico Ueno chegou até a anunciar que estava considerando proibir o fumo para proteger os visitantes que vêm ver o panda recém-nascido.
Uma medida mais drástica pode ser tomada: no começo do ano que vem, a Assembleia Metropolitana de Tóquio votará a possibilidade de proibir o fumo em ambientes fechados na maioria de locais públicos, incluindo restaurantes, hotéis, escritórios, lojas de departamento, aeroportos, universidades e academias. Do lado de fora, os fumantes ficariam restritos a abrigos ou zonas especialmente designadas.
Logicamente, alguns ainda podem quebrar as regras, mas, no Japão, um país onde os indivíduos fazem de tudo para não se destacarem, muitas pessoas dizem que, se tal proibição for imposta, não haverá escolha senão segui-la.
"Estarei em apuros," disse Yuta Ishimoto, de 40 anos, que fuma um maço por dia.
Em uma tarde recente, ele enviava e-mails do seu laptop e tragava seu cigarro em um Tsubaki Café, uma das poucas cadeias de cafeterias que permitem aos clientes fumar livremente. Mas, com a proibição, disse ele conformado, seguiria as regras. "Shikataganai", disse ele, que significa "Não dá para evitar".
Mesmo assim, tão forte quanto o impulso de seguir as convenções, a cultura do tabaco também é arraigada. E o fumo é um grande negócio.
A lei que proíbe fumar em ambientes fechados é uma ideia totalitária, afirmou Motoki Takeda, diretor do departamento de assuntos gerais da Federação do Tabaco do Japão, que representa 60 mil vendedores de cigarro por todo o país. E acrescentou: "É quase como assediar moralmente os fumantes".
O Ministério da Saúde propôs uma proibição ao fumo semelhante àquela que Tóquio está considerando, mas a ideia é mais complicada em nível nacional.
O Partido Democrático Liberal, da situação, há tempos resiste às políticas de combate ao fumo, em parte porque o governo detém um terço da Japan Tobacco e os impostos sobre os cigarros geram cerca de dois trilhões de ienes (US$18 bilhões) por ano, cerca de três por cento do total das receitas.
Muitos legisladores do partido também representam zonas eleitorais rurais, onde agricultores de tabaco ou proprietários de restaurantes familiares têm um grande peso nas eleições.
Cultura do fumo
E ainda há a cultura do fumo. Alguns legisladores se agarram à ideia da cultura japonesa na qual aqueles que passam a vida expondo apenas seu lado reservado ao público só conseguem revelar seu verdadeiro eu depois do trabalho, quando se reúnem em bares – conhecidos no Japão como "izakayas" – para beber, comer e fumar. De acordo com eles, para pessoas com uma personalidade contida, essa combinação permite que relaxem e se abram.
"O izakaya é o tipo de lugar onde você pode falar honestamente sobre seus verdadeiros sentimentos ou opiniões", disse Akinori Eto, presidente da comissão de tabaco do Partido Democrático Liberal.
O Ministério da Saúde recentemente propôs uma versão mais branda de proibição do fumo, que inclui uma exceção: restaurantes com mais de 150 metros quadrados poderão permitir fumantes.
Porém, provavelmente, Tóquio deve adotar a proposta mais rigorosa, em parte para cumprir o acordo da cidade com o Comitê Olímpico Internacional, que exige um ambiente livre de cigarros para as Olimpíadas de 2020, que serão realizadas aqui. A governadora da cidade, Yuriko Koike, também é uma grande defensora da proibição e, nas eleições do ano passado, fez campanha defendendo-a.
O Musashi, um restaurante de churrasco em estilo robata, escondido em um beco atrás da estação Shimbashi, no centro de Tóquio, é o tipo de lugar que seria afetado pela proibição na cidade. Em uma noite recente, havia um cinzeiro em cada mesa.
Masahiro Shibatsuka, 67 anos, engenheiro que estava ali com um amigo de infância para beber e comer lulas grelhadas, disse que a lei de Tóquio havia ido longe demais. "Está violando o direito das pessoas", disse ele, segurando um cigarro e tomando um lemon sour.
Koki Okamoto, membro da Assembleia Metropolitana de Tóquio e líder da Sociedade de Bairro para Vítimas do Fumo Passivo, disse que os restaurantes poderiam ganhar clientes quando mais pessoas pararem de fumar e um número cada vez maior de famílias com crianças pequenas começar a jantar fora.
"Se mudarem a mentalidade, será possível aumentar seus lucros ou vendas", disse Okamoto, que escreveu uma portaria separada destinada a proteger as crianças do fumo passivo.
Na noite que meu colega e eu visitamos o Musashi, a proporção entre não fumantes e fumantes era de 2-1. E em uma visita a outra cafeteria, quando eu e meu colega pedimos café, o caixa perguntou se a permissão de fumar em todos os três andares nos incomodaria.
No Musashi, uma das fumantes com quem conversei, Eri Yamamoto, 25 anos, disse que sempre arrumava uma maneira de manter seu vício, mas, enquanto fumava um cigarro atrás do outro e compartilhava um peixe grelhado e cerveja com dois amigos, ela confessou: "Eu realmente quero parar".
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