Um documento divulgado nesta segunda-feira (9) pelo relator especial sobre tortura da ONU, Juan Méndez, põe em xeque a Justiça do México. De acordo com o relatório, policiais civis, militares, e o Poder Judiciário estariam implicados em casos de tortura e maus-tratos, e a impunidade contribuiria para que estas práticas sejam generalizadas no país. Segundo a Anistia Internacional, entre 2010 e 2013, a Comissão Mexicana de Direitos Humanos recebeu 7.164 denúncias de tortura, mas nenhum desses casos resultou em condenação, muito menos em reparação para as vítimas. Dados do jornal “El País” mostram que, entre 2005 e 2013, houve somente cinco condenações por tortura.
“Há evidências da participação ativa das forças policiais e ministeriais de quase todas as jurisdições e das Forças Armadas, mas também de tolerância, indiferença ou cumplicidade por parte de alguns médicos, defensores públicos, fiscais e juízes”, informou Méndez.
O relatório — baseado em informações colhidas durante uma visita do relator especial ao país entre 21 de abril e 2 de maio do ano passado — mostra que as torturas e os maus-tratos seriam sistemáticos e aconteceriam entre a detenção e o julgamento dos suspeitos, com a “finalidade de extrair confissões ou informações”.
As vítimas — a grande maioria acusada de envolvimento com o crime organizado — seriam obrigadas a assinar confissões depois de serem torturadas e em muito casos são condenadas apenas com base nesse documento. Os exames de corpo de delito — prova pericial fundamental para comprovação do crime de tortura — na maioria das vezes não cumpririam as normas internacionais estabelecidas pelo protocolo de Istambul, que determina exames médicos imediatos, logo após a denúncia. Mas no México, muitas vítimas são obrigadas a esperar por meses e até anos antes de passar por um médico forense.
Debatido ontem no Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas, em Genebra, o documento foi criticado pelo governo mexicano. Jorge Lomónaco, representante permanente do país nas Nações Unidas, rejeitou as conclusões do informe.
“Não corresponde com a realidade e tampouco reflete os enormes esforços de meu país para consolidar a lei e a prática de uma cultura de respeito aos direitos humanos”, disse Lomónaco, acrescentando que apenas 11 dias não eram suficientes para fazer o relatório.
Ong pede ação do governo
Já o relator especial da ONU disse durante o debate que a melhor maneira para o México enfrentar a questão é admitir que ela existe. “A chave para a erradicação da tortura e dos maus-tratos no país é reconhecer que há um problema”.
Em entrevista ao jornal “El País”, Méndez — um argentino que sofreu tortura por um ano e meio durante a ditadura militar em seu país — disse que também ficou surpreso com o resultado. “Não pensava que no México a tortura estava tão generalizada”, disse.
Em comunicado, a diretora para as Américas da Anistia Internacional, Érika Guevara-Rosas, concordou com o relator, e disse que cabe agora às autoridades mexicanas enfrentar “essa prática repugnante” de uma vez por todas. “Este informe vital destaca uma cultura de impunidade e brutalidade. O presidente Enrique Peña Nieto não pode alegar desconhecimento sobre o tema. Pelo contrário, deve aceitar e acatar as recomendações da ONU estabelecidas no documento”, opinou a diretora.
Para combater o problema, Méndez disse que é necessária a aprovação de uma lei que permita investigação e sanções rápidas em casos de tortura; reparação para as vítimas; e que esse tipo de crime não prescreva. Também determina que seja eliminada definitivamente a detenção baseada em presunção sem provas. No que diz respeito a impunidade, ele sugere a suspensão administrativa de todos os funcionários sujeitos à investigação.
Contactado pelo GLOBO, Antonio Mazzitelli, representante do escritório da ONU no México na luta contra o crime e o narcotráfico, preferiu não comentar o documento, alegando desconhecer o conteúdo e que o tema é “extremamente difícil e delicado”.
Desde setembro do ano passado, o governo mexicano está no olho do furacão devido a repercussão do caso de 43 estudantes sequestrados e massacrados, no Sul do país, por narcotraficantes, em conluio com policiais e autoridades locais. O crime ganhou destaque internacional, colocando em dúvida a capacidade do México — um dos países mais violentos do mundo — em combater a criminalidade e impunidade.