Se o mundo não fosse redondo, seria razoável supor que em 2010 a Terra está de cabeça para baixo. Desde o dia 1.º de janeiro, quando uma encosta desmoronou sobre um hotel em Angra dos Reis (Rio de Janeiro), até a última semana, quando um vulcão entrou em erupção e espalhou suas cinzas pela Europa, este tem sido um ano em que a natureza deu sinais claros de sua grandiosidade.
As imagens de carros, casas e até mesmo cidades inteiras reduzidas a entulho acompanhadas por contagens de mortos chocaram a humanidade por mostrar que a nossa segurança é suscetível à estabilidade do planeta.
Quando a Terra parece investir contra a espécie humana, a primeira reação é tentar descobrir o que está errado e consertar a situação. Especialistas se debruçam sobre a escala Richter, os índices pluviométricos e outros instrumentos que medem o risco de ocorrer um grande desastre.
Explicações para os fenômenos naturais são criadas por diversas áreas do conhecimento. Não apenas a ciência, mas também a religião, a moralidade e o misticismo tentam descobrir de quem é a mão que move as placas tectônicas e torce a chuva de dentro das nuvens.
Uma das tentativas mais exóticas de explicar a aparente desordem no mundo veio do líder religioso iraniano Hojatoleslam Kazem Sedighi. Para ele, o sexo feminino é o responsável pelos terremotos que ocorreram neste ano. "Muitas mulheres que não se vestem de forma modesta levam os homens jovens ao mau caminho, corrompem a sua castidade e espalham o adultério pela sociedade. Isso, consequentemente, faz aumentar o número de terremotos", relacionou.
Segundo o geólogo Renato Eugênio de Lima, coordenador do Centro Científico em Desastres da Universidade Federal do Paraná (UFPR), não há evidência científica de que algum processo esteja modificando a estrutura do planeta Terra. "Fenômenos como os terremotos recentes e a erupção do vulcão na Islândia ocorrem naturalmente ao longo da história", lembra.
Entretanto Lima ressalta haver um aumento no número de fenômenos da natureza nos quais ocorrem mortes. "De fato, atualmente há mais vítimas dos fenômenos naturais. É importante diferenciar um processo natural perigoso de um desastre. Se as cinzas do vulcão islandês vão para a Europa e acabam derrubando um avião, isso é um desastre. Mas se o vento empurra a nuvem para o Ártico desértico, é apenas um fenômeno perigoso".
Inimigo
Se o núcleo sísmico do planeta permanece intocado, a superfície foi modificada pela ação humana a ponto de causar mudanças no equilíbrio ambiental. Os estudos realizados pelo Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) revelam que, com o aquecimento global, mais áreas povoadas estão se tornando vulneráveis à ação da natureza.
A história do desenvolvimento tecnológico se baseia na tentativa de controlar a natureza e potencializá-la para ser usada em favor da humanidade. O povoamento do planeta só foi possível graças à transformação dos materiais, que viraram ferramentas para o crescimento demográfico.
"A população mundial cresce em grande velocidade e se expande para novas áreas. Os recursos do planeta, limitados, são consumidos com mais voracidade. A soma dessas ações ocasiona mudanças no equilíbrio ambiental e um aumento no número de desastres", explica o engenheiro florestal André Ferretti, coordenador de conservação da biodiversidade da Fundação O Boticário. "A partir de agora, a tendência é que os fenômenos climáticos aumentem de intensidade e, consequentemente, se amplie a quantidade de tragédias", sentencia.
Os milênios de evolução contínua deram a impressão de que a humanidade está assentada sobre a estabilidade eterna. Cientificamente, trata-se de uma ilusão. O caos e a violência são o padrão do Universo. Explosão de estrelas, choques de planetas com órbitas coincidentes e galáxias em constante mutação são a paisagem dominante do universo "visto de cima". A ideia de que nosso planeta é seguro e quase permanente é criada, em grande medida, por causa da brevidade do período de vida, curtíssimo em escala quântica.
O que torna a questão ambiental importante é a possibilidade de a degradação reduzir a utilidade do planeta Terra dos atuais milhões de anos para apenas alguns séculos a mais. "O ser humano modifica o meio que vai ocupar, porém não há como termos o controle absoluto sobre a natureza. Embora tristes, alguns desastres servem como um alerta de que é necessário mudar a nossa relação com o meio ambiente", defende Ferretti.