Não sou advogado desde 2015. Não conduzo um interrogatório adequado desde 2014. Mas se eu não pudesse conduzir uma testemunha, um juiz e um júri através da transcrição da ligação do presidente Donald Trump com o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e demonstrar que a existência de uma troca de favores é mais provável do que a afirmar que isso não ocorreu, então eu deveria simplesmente pendurar meu terno e me aposentar em desgraça. Longe de ser “dispersa” - como declara meu estimado colega Kyle Smith - a sequência real é extremamente rígida e as perguntas são muito claras.
De fato, como também expus hoje na revista Time e no Twitter, a sequência se desenrola literalmente em parágrafos consecutivos.
Primeiro, logo no início da chamada, o presidente Trump sinaliza seu descontentamento com a Ucrânia. Ele observa que, embora os Estados Unidos tenham sido "muito bons" para a Ucrânia, ele "não diria" que a Ucrânia foi "recíproca" para os Estados Unidos. Não há nada sutil nessa afirmação. É claro que Trump quer algo da Ucrânia.
Para ser claro, não há nada inerentemente errado nisso. Nações fecham acordos o tempo todo. É a natureza do acordo proposto que é potencialmente problemática, não o fato dos dois líderes negociarem.
No próximo parágrafo, Zelensky responde com a pergunta-chave. Ele quer mais mísseis Javelin, um sistema de armas indispensável no conflito da Ucrânia com a Rússia. É um míssil anti-tanque que ajuda a resolver o desequilíbrio de poder entre os dois países. Ele não deixa as duas nações em igualdade de condições, mas ajuda a impedir a agressão russa ao aumentar a possibilidade de perdas substanciais no campo de batalha.
E qual é a resposta de Trump? As próximas palavras que saem da boca dele são: "Gostaria que você nos fizesse um favor, porque nosso país passou por muita coisa e a Ucrânia sabe muito sobre isso". Ele aborda a Crowdstrike, a empresa que o Comitê Nacional Democrata usou para investigar as infiltrações hacks da Rússia nas eleições de 2016. No contexto, parece que Trump está pedindo ajuda adicional na investigação dos escândalos de interferência eleitoral de 2016.
Dadas as múltiplas camadas de contato ucraniano-americano durante o ciclo da campanha de 2016, um pedido de assistência ucraniana em investigações legais americanas sobre interferência estrangeira é inteiramente adequado. Se a transcrição terminasse aí, não haveria problemas, e é perfeitamente apropriado que Zelensky responda "sim" e afirme que o assunto era "muito importante para ele".
Mas então, no parágrafo seguinte, Trump continua sua pergunta. Ele diz que vai pedir a Rudy Giuliani, seu advogado pessoal, que ligue para Zelensky e pede que Zelensky o atenda. Em seguida, Trump diz o seguinte: “Outra coisa, há muita conversa sobre o filho de Biden, que Biden interrompeu a promotoria e muitas pessoas querem descobrir sobre isso, então o que você puder fazer com o procurador-geral seria ótimo". Ele continua,"Biden se gabou de ter parado a promotoria, então se você puder investigar isso... Isso parece horrível para mim".
E qual é a resposta de Zelenksy? Ele promete que o novo promotor ucraniano será indicado por ele e que "ele ou ela analisará a situação".
Destaco o aspecto da troca de favores da transcrição porque o fato de que Trump pediu à Ucrânia que trabalhasse com Giuliani para investigar Joe e Hunter Biden está claro e inequivocamente estabelecido. A transcrição fornece prova de que Trump fez uma solicitação completamente imprópria ao presidente da Ucrânia para investigar um rival político. Ela fornece fortes evidências de que isso ocorreu no contexto de uma contrapartida de ajuda militar desesperadamente necessária.
Os comentários de Trump a Zelensky não devem ser considerados uma observação feita no calor do momento ou um jogo de palavras que poderia ser interpretado como "Trump sendo Trump". Lembre-se de que Giuliani está trabalhando em seu projeto na Ucrânia há meses. Ele se gabou de que seus esforços deveriam ser "muito, muito úteis para o meu cliente". Trump queria empurrar os conflitos de interesse ucranianos de Biden para o centro do debate dos Estados Unidos.
Mais investigação é necessária. O Congresso precisa entender o contexto completo da decisão de Trump de suspender a ajuda militar à Ucrânia, precisa ouvir a denúncia feita por um funcionário da inteligência e precisa determinar o que a Ucrânia fez - se realmente fez alguma coisa - em resposta aos pedidos de Trump. O Congresso também precisa de uma contabilidade completa das ações estranhas de Giuliani em nome de seu cliente.
Estou sinceramente intrigado com o fato de os defensores de Trump na internet usarem qualquer tipo de argumento para desvalidar o conteúdo desta transcrição. Ela mostra um profundo abuso de poder e implica uma violação, ainda pior, da confiança do público.
*David French é escritor sênior da National Review, membro sênior do National Review Institute e veterano da Operação Iraqi Freedom.
© 2019 National Review. Publicado com permissão. Original em inglês.
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