Cidade de Bangalore, na Índia: Com 6 milhões de habitantes, transporte coletivo é setor fundamental| Foto: Creative Commons

Enquanto um trem matinal fazia barulho nos trilhos, Chinu Sharma, que trabalha em um escritório, desfrutava a ausência de homens. Alguns deles apalpam mulheres nos trens, ou gritam insultos e desaforos, disse ela. Sua amiga Vandana Rohile concordou e arregalou os olhos, imitando alguns homens. "Às ve­­zes, eles simplesmente olham fi­­xamente para você", disse Ro­­hi­­le, 27 anos. Em todas as partes do trem lo­­tado, elas repetem a mesma história: à medida que milhões de mulheres chegaram ao mercado de trabalho na Índia na última década, elas se depararam com diferentes obstáculos em uma cultura tradicional e patriarcal, mas poucos incomodam tanto quanto a missão básica diária de se locomover até o trabalho. Os problemas de provocação e assédio, conhecidos como eve teasing, são tão persistentes que, nos últimos meses, o governo decidiu simplesmente eliminar de uma vez os homens dos trens. Em um programa piloto, oito novos trens exclusivos para passageiras foram introduzidos nas quatro maiores cidades indianas: Nova Délhi, Mumbai, Chen­­nai e Calcutta.

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Os trens são conhecidos co­­mo Ladies Specials (Especial para damas). Em uma viagem recente de ida e volta, na qual um repórter do sexo masculino teve permissão para embarcar, as mulheres que se deslocavam entre a cidade industrial de Pal­­wal e No­­va Délhi estavam muito satisfeitas.

Poder

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Na Índia, a personalidade política mais poderosa do país é uma mu­­lher, a presidente do Partido do Congresso, Sonia Gandhi. A Presi­­dência do país, uma posição cerimonial, é ocupada também por uma mu­­lher. Assim como a Secretaria de Relações Exteriores e o principal mi­­nistério do estado mais populoso do país, Uttar Pradesh. A Consti­­tuição indiana garante direitos iguais para as mulheres, enquanto a lei do país estipula salários igualitários e punição para o as­­sédio sexual.

Porém a realidade é muito diferente para a mulher trabalhadora comum, afirmam analistas. Desde que a Índia iniciou reformas econômicas no começo da década de 1990, as mulheres entraram no mercado de trabalho, inicialmente como funcionárias públicas, mas agora cada vez mais nos setores de serviços em expansão ou em profissões liberais. No geral, o número de mulheres trabalhadoras praticamente dobrou em 15 anos.

Entretanto, a violência contra a mulher também aumentou, segundo estatísticas nacionais. Entre 2003 e 2007, os casos de estupro aumentaram em mais de 30%. Casos de sequestro ou rapto aumentaram em mais de 50%, enquanto a tortura e o assédio sexual também registraram altas consideráveis.

Mudanças

Mala Bhandari, gerente de uma organização focada em mulheres e crianças, disse que o fluxo de mulheres em direção ao mercado de trabalho destruiu a separação tradicional entre espaço público (o mercado de trabalho) e a vida privada (em casa). "Agora que as mulheres começaram a ocupar espaços públicos, os problemas irão aparecer", disse ela. "O primeiro deles é a segurança".

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Durante muitos anos, as mu­­lheres que viajavam de trem se sentavam junto aos homens, até que a superlotação e preocupações com a segurança levaram a empresa de transporte a reservar dois vagões por trem para as mulheres. Todavia, com os trens superlotados, os homens invadem os vagões exclusivos para mulheres e exigem assentos.

Mumbai começou a operar dois trens exclusivos para mulheres em 1992, mas o programa nunca foi expandido. Então, com as crescentes reclamações das passageiras, Mamata Banerjee, a nova ministra de transportes ferroviários, anunciou os oito trens Ladies Specials.

Muitos homens não estão gostando disso. Várias passageiras disseram que o eve teasing era pior aqui no norte da Índia do que em outras partes do país. Quando o Ladies Special parou na plataforma 7 da estação em Palwal, al­­guns homens olhavam. O La­­dies Special estava muito menos lotado, com bancos limpos e acolchoados, ventiladores elétricos – em contraste, o trem da plataforma 6 era sujo, escuro, cheio de homens rabugentos. Vândalos às vezes escrevem desaforos no Ladies Special, ou pior.

"Os meninos daqui fazem necessidades no trem", disse Me­­ena Kumari, uma cobradora do veículo, coberta por sáris azuis, que patrulhava o veículo ao lado de oficiais de segurança do sexo feminino. "Eles fazem isso por desrespeito. Não querem que o trem funcione".

À medida que o trem dava partida, uma mulher começou a meditar. Ali perto, uma contadora lia um livro de orações hindu, enquanto algumas estudantes fofocavam algumas cadeiras mais adiante.

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"Se você vai trabalhar, é independente, ganha algum dinheiro e pode ajudar a família", disse Archana Gahlot, 25 anos. "Se algo acontecer com seu casamento, pe­­lo menos você tem o seu trabalho".

"Até mesmo neste trem", continuou Gahlot, "alguns homens embarcam e tentam assediar as mulheres. Às vezes, eles dizem abertamente ‘por favor, fechem o Ladies Special’. Talvez eles achem que o governo esteja ajudando as mulheres, não os homens".

Os oito novos trens representam uma pequena fração de todo o transporte ferroviário do país. Cerca de 35 trens funcionam em Nova Délhi, dos quais apenas um é Ladies Special, embora o Minis­­tério dos Transportes Ferro­­viários tenha anunciado futuras linhas Ladies Special. Dr. Ranjari Kuma­­ri, diretor do Centro de Pesquisa Social, afirmou que o serviço é uma medida politicamente astuta e uma solução de longo prazo.

"Realmente, é preciso tornar todos os trens tão seguros quanto os Ladies Specials", disse Dr. Kumari. Namita Sharma, 39 anos, lembrou que sua mãe a aconselhou se tornar professora para conciliar trabalho e família; em vez disso, ela escolheu fazer carreira no ramo da moda. Agora que Sharma tem uma filha de 14 anos com ideias próprias, ela se preocupa com a criminalidade.

"Ela tem seu próprio ponto de vista, e eu tenho meu ponto de vista para ela", disse Sharma, sorrindo. "Vamos ver quem ganha. Ela fala de independência. Eu sou independente." Porém, ela acrescentou: "Vamos falar de um tipo seguro de independência".

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Então o trem parou; Sharme se levantou. Quando questionada sobre o que mais o governo poderia fazer pelas mulheres, ela riu.

"Meu Deus, é uma lista grande", disse ela. "Mas, me desculpe, tenho que descer nesta estação".

Tradução: Gabriela d’Avila