Cinquenta e quatro horas após o ataque à redação do jornal satírico Charlie Hebdo, que deixou 12 mortos em Paris, a polícia da França cercou e matou os dois acusados pelo crime, os irmãos Said, 34, e Chérif Kouachi, 32, numa gráfica em Dammartin-en-Goële, a 35 quilômetros da capital.
Outro cerco realizado ontem, a um supermercado judaico de Paris, matou o sequestrador Amedy Coulibaly, 32. Quatro reféns foram mortos na ação (segundo o procurador François Moulins, pelo sequestrador) e 16 foram soltos.
Coulibaly, suspeito de matar uma policial na quinta-feira, dia 8, disse em entrevista à tevê durante o sequestro agir em coordenação com os Kouachi e ser ligado ao Estado Islâmico.
Um membro da Al Qaeda no Iêmen reivindicou o ataque ao Charlie Hebdo dizendo à agência Associated Press que a rede dirigiu a ação em Paris segundo ele, "vingança pela honra" do profeta Maomé, satirizado no jornal.
As autoridades francesas, por sua vez, confirmaram a associação dos Kouachi com a Al Qaeda. Said viajou ao Iêmen em 2011, onde fez treinamento militar, e Chérif foi preso em 2005 tentando ir ao Iraque para combater os EUA.
Dois cercos
Por volta das 17h55 (14h55 de Brasília), um grupo de assalto do GIGN (tropa de elite da polícia) invadiu a gráfica CTD, onde os Kouachi estavam escondidos desde a manhã, lançando bombas e disparando armas automáticas.
Duas pessoas que estavam no local o dono da gráfica, feito refém, e um funcionário de 26 anos que conseguiu se esconder numa caixa de papelão sem que os terroristas notassem escaparam ilesas.
Após dois dias de fuga com 90 mil policiais em seu encalço, os acusados pelo mais sangrento ataque da história recente da França abandonaram um Peugeot 206 e buscaram refúgio na zona industrial a poucos quilômetros do aeroporto Charles de Gaulle.
Por volta das 9 horas locais, eles invadiram a gráfica. Alertada, a polícia montou gigantesco aparato, com centenas de policiais, carros e helicópteros. Atiradores de elite se postaram nos prédios vizinhos, e estradas foram bloqueadas.
Segundo o procurador Moulins, os irmãos atiraram ao perceberem a iminência da invasão. O som de tiros e bombas na operação durou cerca de um minuto. Um lançador de granadas, dois fuzis Kalashnikov e duas pistolas foram achados com os suspeitos.
Antes da invasão, Chérif atendeu o telefone da gráfica e falou ao canal BFMTV. Disse que não matara civis na Charlie Hebdo, mas "alvos", e declarou que ele e o irmão eram "defensores do profeta".
Minutos após as forças de segurança invadirem a gráfica, a polícia rompeu também o cerco ao supermercado judaico na região leste de Paris.
A ação foi coordenada com tiros e explosões, enquanto reféns eram libertados. Dezenas de policiais bloquearam o entorno. "As ações foram concomitantes, para salvar o maior número de reféns", disse Gael Fabiano, da polícia.
O Hyper Cacher, mercado tomado pelo sequestrador, está numa região de numerosa população judaica. Julien Mathieu, gerente do hotel Le Ruisseau, na frente do mercado, disse ter ouvido tiros e retirado os clientes do restaurante pelos fundos.
As escolas no perímetro de segurança mantiveram seus alunos ali durante o dia. "Estou do lado de fora e não posso ir buscar meus filhos na creche", afirmou Nathalie Tuil, mãe de duas crianças.
No bairro parisiense do Marais distante do mercado, mas também de forte presença judaica , o temor de ataques fez com que lojas na rue des Rosiers fossem fechadas.
Suspeitos devolveram cão a dono de carro
O dono do segundo veículo usado na fuga dos irmãos Kouachi, suspeitos de atacar o jornal francês Charlie Hebdo, disse em entrevista a uma rádio francesa que os irmãos demonstraram calma no roubo do seu Renault Clio e que até devolveram seu cão.
Os suspeitos estavam no Citroën no qual fugiram do jornal e abordaram o homem (cujo nome não foi divulgado) na rue de Meaux, a cerca de 2,5 quilômetros do Charlie Hebdo.
Munido de uma metralhadora, o condutor do Citroën ordenou que o dono do Renault descesse do veículo, relata a vítima. "Eu desci e o segundo [suspeito] se sentou no banco do passageiro, com um fuzil e uma espécie de granada. Certamente um lança-granadas ou algo do gênero."
Em seguida, a vítima disse ter aberto a porta traseira e pedido para recuperar seu cão, o que lhe foi concedido.
De acordo com o dono do Renault, os suspeitos não estavam mascarados e aparentaram calma. "Eles eram determinados e profissionais. Não levantaram a voz, não correram nem transpiravam."
Ao partirem, os suspeitos teriam orientado o homem a dizer à mídia que se tratava da Al Qaeda do Iêmen.
A vítima ainda relatou que só se deu conta que os assaltantes eram os suspeitos de atacar o Charlie Hebdo quando, após o roubo, viu o caso do jornal satírico ser transmitido na televisão.
Contudo, apesar da frieza, o ataque teve "falhas". Antes de chegar ao jornal, os suspeitos teriam entrado em outro prédio por engano. Mais tarde, Said deixou seu documento de identidade em um dos carros usados na fuga. Além disso, nos dias seguintes ao atentado, os suspeitos não conseguiram traçar um plano de fuga.