O primeiro-ministro canadense Justin Trudeau, líder progressista que alcançou o poder e a fama internacional há quatro anos com promessas de "caminhos brilhantes", chega às eleições federais de segunda-feira (21) com sua estrela esmaecida e seu futuro político em risco.
As pesquisas mostram o partido progressista de Trudeau e o partido conservador de Andrew Scheer travados em uma disputa acirrada, com nenhum partido obtendo as condições necessárias para conquistar uma maioria absoluta no Parlamento; o que deixaria o vencedor dependente de partidos menores para manter o poder.
Apesar do escândalo de Trudeau envolvendo blackface e de uma pequena controvérsia sobre a cidadania americana e as alegações falsas no currículo de Scheer, a situação na corrida eleitoral pouco mudou desde que a campanha começou quase seis semanas atrás.
"Esta eleição tem sido um pouco como um scrum de rugby, onde todo mundo está bloqueado e não consegue ceder muito espaço nos dois lados do campo", disse a pesquisadora Shachi Kurl, diretora executiva do Angus Reid Institute. "E o solo sob os pés deles está ficando cada vez mais lamacento."
Nos últimos dias da campanha, Scheer, 40 anos, e Trudeau, 47 anos, intensificaram os esforços nos principais campos de batalha onde as eleições são vencidas ou perdidas: os subúrbios etnicamente diversos de Toronto e Quebec, a província natal de Trudeau.
Analistas afirmam que um aumento do apoio aos Novos Democratas de Jagmeet Singh e ao partido separatista Bloc Québécois de Yves-François Blanchet ameaça a sorte política de ambos os candidatos que lideram as pesquisas.
Essa eleição deveria ser muito fácil para Trudeau, cujo pai, Pierre Elliott Trudeau, foi um dos primeiros-ministros com mais tempo de cargo no Canadá.
Ele passou com sucesso pelos seus primeiros anos no cargo, recebendo elogios internacionais por nomear um gabinete com equilíbrio de gênero, receber refugiados sírios no Aeroporto Internacional Pearson de Toronto e legalizar a maconha para fins recreativos.
Mas uma série de escândalos manchou sua imagem, incitando os rivais a acusá-lo de ser uma "fraude" que age de uma maneira em público e de outra em particular.
O órgão de ética do Canadá o repreendeu em agosto por pressionar inapropriadamente sua ex-procuradora-geral a fechar um acordo extrajudicial com a SNC-Lavalin, uma gigante da construção do Quebec que enfrenta acusações criminais. No mês passado, sua campanha sofreu um revés - pelo menos momentaneamente - por revelações de que ele usou blackface (um tipo de maquiagem considerada racista) várias vezes quando mais jovem. Ele pediu desculpas repetidamente.
"2019 tem sido a história de Justin Trudeau como um político comum, assim como todos os outros políticos", disse Kurl. "O brilho mágico que ele tinha em 2015 em grande parte se dissipou".
Ryan Currie, estudante de ciência política de 21 anos na Universidade de Toronto, está votando em sua primeira eleição federal. Os jovens eleitores foram essenciais para Trudeau em 2015, mas Currie está votando nos Conservadores. Ele diz que o Partido Liberal deu uma guinada muito grande à esquerda e que ficou desmotivado com o "histórico de escândalos" de Trudeau, particularmente com o caso SNC-Lavalin. "A maneira como ele lidou com isso mostrou sua arrogância", disse Currie.
Scheer, um afável conservador nas áreas social e fiscal, enfrenta seus próprios obstáculos. Desde que se tornou líder do partido em 2017, ele lutou para expandir o apelo de seu partido além de sua base e permanece um tanto desconhecido para os eleitores. Críticos o atacaram por suas visões antiaborto, por exagerar sua experiência profissional e por não divulgar sua dupla cidadania, dos Estados Unidos e do Canadá, até que ela foi revelada este mês pelo jornal Globe and Mail.
Nenhuma questão isolada dominou a campanha, mas o meio ambiente se destaca como a principal área de desacordo. Scheer prometeu "usar todas as ferramentas legislativas" para revogar a taxa sobre carbono do governo do Partido Liberal. Trudeau assumiu o compromisso de fazer o Canadá alcançar a emissão líquida zero até 2050. Críticos à esquerda de Trudeau dizem que os dois líderes têm planos pouco ambiciosos e com poucos detalhes.
Analistas afirmam que os resultados das eleições dependerão de se os eleitores progressistas se unirão em torno de Trudeau, como fizeram em 2015, e se os eleitores desiludidos optarão por ficar de fora.
Há quatro anos, Elena Kazias votou nos progressistas. Desta vez, a professora aposentada está apostando no Novo Partido Democrata. Ela já estava sofrendo com a decisão do governo Trudeau de comprar um oleoduto no ano passado, dada a sua promessa de combater as mudanças climáticas. O desempenho de Singh nos debates foi determinante para ela. "Singh deu respostas diretas", disse Kazias. "Fiquei muito decepcionada com Trudeau por não ter respondido às perguntas que os apresentadores fizeram a ele".
Especulações sobre um iminente governo de minoria fervilharam durante a campanha.
Em um evento de campanha em Montreal, Trudeau fez o tradicional alerta do Partido Liberal aos eleitores que poderiam dividir o voto progressista votando no NDP ou nos Verdes: não façam isso, a menos que vocês queiram acordar na terça-feira de manhã com Scheer como primeiro-ministro.
Singh, 40 anos, descartou apoiar um governo de minoria dos Conservadores e disse na semana passada que ele "absolutamente" formaria uma coalizão na qual os partidos compartilhassem assentos de gabinete - para bloquear Scheer. Mas ele já voltou atrás nesses comentários. Ele pediu aos eleitores na quinta-feira em Brampton, Ontário, para "votar em quem vocês acreditam".
Scheer, em uma instalação de caminhões de carga em Brampton no início do dia, alertou que os eleitores "não poderiam arcar" com uma coalizão Liberal-NDP.
O pesquisador Bruce Anderson, presidente da Abacus Data, diz que os conservadores teriam poucos aliados naturais em um cenário minoritário e poderiam sofrer pressão dos outros partidos para fazer concessões em questões como o meio ambiente para obter seu apoio.
A eleição no Canadá, um parceiro próximo de segurança e comércio, tem implicações para os Estados Unidos - e pelo menos uma figura política americana está prestando atenção. O ex-presidente Barack Obama ofereceu um raro apoio internacional à candidatura à reeleição de Trudeau na semana passada, tuitando que "o mundo precisa de sua liderança progressista agora".
Qualquer que seja o resultado, disse Christopher Sands, é provável que o Canadá ratifique o Acordo Estados Unidos-México-Canadá se e quando os EUA o fizerem. Sands, diretor do Centro de Estudos Canadenses da Universidade Johns Hopkins, disse que há potencial para uma maior cooperação em questões como infraestrutura de energia com um governo conservador.
Scheer prometeu endurecer a fronteira EUA-Canadá fechando uma brecha legal que permite que solicitantes de asilo que entram no país em um ponto de entrada não autorizado registrem uma solicitação. Ele não disse o que faria se o presidente Trump se opusesse a essa proposta.
Os canadenses reclamam que a campanha foi monótona e atipicamente divisiva. Trudeau, que tomou a decisão inédita de usar um colete à prova de balas em um evento de campanha este mês em Mississauga, Ontário, por causa de uma ameaça de segurança não especificada, acusou os conservadores de realizar "uma das campanhas mais sujas e maldosas".
"O partidarismo não é novidade no Canadá, mas essa ideia de 'eu não gosto de você só porque você é daquele partido' é algo que estamos vendo mais do que antes", disse Melanee Thomas, cientista política da Universidade de Calgary.
Sands esperava que a campanha fosse mais positiva. "Como americano, eu olho para lá e digo: 'Aí está mais uma má ideia que eles importaram de nós.'"