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Trudeau enfrenta a pior crise de seu governo a poucos meses das eleições

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Justin Trudeau, primeiro-ministro do Canadá, está enfrentando a pior crise política de seu governo | Foto: Lars Hagberg/AFP (Foto: )

A pior crise do governo do primeiro-ministro do Canadá, Justin Trudeau, se agravou no começo desta semana com a renúncia de membros do primeiro escalão e a notícia de que seu partido liberal está perdendo para os conservadores nas pesquisas de intenção de voto, a poucos meses das eleições.

A presidente do Conselho do Tesouro, Jane Philpott, – vista como uma das estrelas do gabinete – deixou o posto na segunda-feira em meio a perguntas sobre os esforços de Trudeau para frear uma investigação de corrupção contra a empresa de engenharia SNC-Lavalin, que tem sede na província de Quebec. Ela disse que o escândalo era o motivo pelo qual ela não podia mais continuar no governo. Philpott segue a decisão de Jody Wilson-Raybould, ex-procuradora-geral que diz que foi pressionada por Trudeau e seus principais assessores para acabar com o processo contra a empresa.

"A evidência dos esforços de políticos e/ou autoridades para pressionar a ex-procuradora-geral a intervir no caso criminal envolvendo a SNC-Lavalin e as evidências quanto ao conteúdo desses esforços levantaram sérias preocupações para mim", disse Philpott em sua carta de renúncia. "Infelizmente, perdi a confiança em como o governo lidou com este assunto e em como ele respondeu às questões levantadas".

Isso deixa Trudeau, autodenominado feminista, sem duas das mulheres mais proeminentes de seu gabinete igualitário, que tinha o mesmo número de ministros e ministras.  "Porque é 2015" foi como ele explicou a formação do gabinete com base em uma política de gênero, depois de uma vitória convincente nas eleições de quatro anos atrás. Em meio ao escândalo atual, no entanto, ele enfrenta a falta de solidariedade dentro de seu próprio partido.

Há uma tendência de gênero entre as deserções. Celina Caesar-Chavannes – ex-secretária parlamentar de Trudeau – também cumprimentou a saída das duas ministras. "Quando você trabalha com mulheres, por favor, não espere o status quo. Espere que tomemos decisões corretas, defendamos o que é certo e saiamos quando os valores forem comprometidos", disse ela no Twitter.

Trudeau foi eleito sob uma promessa de "mudança real", ao mesmo tempo em que liderava um partido com um longo histórico de acordos de bastidores. A onda que o elegeu também fez surgir muitos rostos novos – Wilson-Raybould, Philpott e Caesar-Chavannes foram eleitas pela primeira vez em 2015. Trudeau apostou no sangue novo ao colocar para escanteio grande parte da velha guarda de seu partido, incluindo senadores nomeados por seus antecessores. Ele também alardeava a necessidade de trazer diversidade à mesa de tomada de decisões. Wilson-Raybould foi a primeira ministra da Justiça indígena do país, enquanto Caesar-Chavannes é uma das poucos legisladoras negras.

As saídas deixam a ministra das Relações Exteriores, Chrystia Freeland, como uma das poucas mulheres que ocupam um importante cargo ministerial, junto com Carla Qualtrough, a ex-ministra de aquisições que foi nomeada chefe interina do Conselho do Tesouro para substituir Philpott. Freeland, que liderou as negociações para um novo acordo de livre comércio com México e EUA, até agora defendeu o primeiro-ministro. O restante do gabinete de Trudeau também continua apoiando-o.

O escândalo traz de volta fantasmas do partido liberal, cuja história é marcada por acordos com o setor corporativo canadense, particularmente em Quebec. O que vai acontecer no cenário político, entretanto, é difícil de prever.

Uma pesquisa de opinião do Instituto Ipsos, divulgada nesta terça-feira (5), mostra o partido liberal de Trudeau com 31% das intenções de voto, bem atrás dos conservadores, que subiram quatro pontos percentuais e chegaram a 40%. O caminho para a reeleição de Trudeau, entretanto, passa pela província de Quebec, onde sua defesa da SNC-Lavalin está sendo aplaudida.

As eleições gerais do Canadá ocorrem em 21 de outubro.

Entenda o caso

Em um testemunho dramático que durou quase quatro horas, a ex-procuradora-geral Jody Wilson-Ray quebrou seu silêncio com um relato detalhado dos esforços de Trudeau e seus principais assessores para persuadi-la a intervir e encerrar o processo contra a construtora SNC-Lavalin. Ela argumenta que a atitude interfere no sistema judicial, embora admita que não é ilegal, enquanto Trudeau diz que estava tentando evitar perdas de postos de trabalho em sua província natal, Quebec.

"Fui alvo de um esforço enfático por parte de muitas pessoas dentro do governo para tentar interferir politicamente", disse a ex-procuradora-geral, contando que também enfrentou "ameaças veladas" sobre o que poderia acontecer se ela se recusasse a pedir um acordo extrajudicial.

A SNC-Lavalin pressionava para firmar um acordo com a justiça para encerrar um processo criminal que data de mais de uma década, relacionado a acusações de corrupção. Em 10 de outubro, as ações da empresa caíram ao pior nível em seis anos quando foi revelado que o Ministério Público do Canadá descartou um acordo que teria evitado um julgamento. A resolução extrajudicial também ajudaria a empresa, que emprega cerca de 9.000 pessoas no Canadá, a evitar a proibição de participar de licitações do governo federal.

Wilson-Raybould revelou o esforço para mudar essa decisão e ajudar a empresa, em testemunho que foi ao ar na televisão nacional. Ela disse que o primeiro-ministro e seus assessores queriam acabar com o caso em parte para impedir a realocação da empresa - e também para evitar as consequências eleitorais para os liberais e da ala de Quebéc do partido. Wilson-Raybould disse que ela resistiu a intervir porque queria defender o princípio da independência judicial e o Estado de Direito, mas as autoridades ignoraram suas repetidas instruções para parar de tratar a questão.

A ex-procuradora-geral identificou uma série de telefonemas e reuniões, uma delas com o próprio Trudeau, em setembro. "O primeiro-ministro levantou a questão imediatamente. O primeiro-ministro me pediu para ajudar, para encontrar uma solução para a SNC", disse Wilson-Raybould.

"O primeiro-ministro citou novamente a potencial perda de empregos e a mudança da SNC", ao mesmo tempo em que enfatizou que ele representa um distrito eleitoral em Quebec. Ela disse que o secretário do Conselho Privado Michael Wernick, o principal burocrata do país, também alertou que a empresa "provavelmente se mudaria para Londres" sem a intervenção dela.

Trudeau disse nesta segunda-feira (4) que seu governo tanto respeitou a independência do Judiciário como pressionou pela defesa dos empregos, reiterando que ele pensava em ajudar a empresa a evitar um julgamento por motivos econômicos. Mais tarde, ele sinalizou que a partida de Philpott era prevista há algum tempo.

"Eu sei que a Sra. Philpott se sente assim há algum tempo. Estou desapontado, mas entendo a decisão dela de renunciar e quero agradecê-la pelo seu serviço", disse ele em um comício em Toronto na noite de segunda-feira. "Estamos autorizados a ter divergências e debates. Nós até encorajamos isso."

A SNC-Lavalin disse que não está mais focada em obter um acordo, mas sim em levar o caso adiante. A empresa também está enfrentando processos judiciais por supostamente ter adiado a revelação de que não conseguiria um acordo com a promotoria, de 4 de setembro a 10 de outubro. A SNC-Lavalin defende que a “decisão final” do promotor ocorreu somente em 9 de outubro.

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