O presidente Donald Trump deu um novo impulso para a democracia na Venezuela e, desta vez, desfruta do apoio de governos da Europa e da América Latina. O primeiro-ministro Justin Trudeau, do Canadá – que dificilmente ajuda Trump – e até mesmo um número significativo de parlamentares democratas no Congresso também estão a bordo.
Nos Estados Unidos, as críticas até agora vieram principalmente de progressistas como o deputado democrata Ro Khanna, da Califórnia, que tuitou: "Os EUA estão sancionando a Venezuela por sua falta de democracia, mas não a Arábia Saudita? Que hipocrisia". "Se Trump e (o secretário de Estado Mike) Pompeo estão tão preocupados com os direitos humanos e a democracia na Venezuela, Cuba e Nicarágua", disse a deputada democrata Ilhan Omar, "por que eles apoiam ativamente regimes horríveis no Brasil, Guatemala e Honduras?”
Esse tipo de questionamento esquerdista provavelmente era inevitável, mas, bem, eles têm razão? A hipocrisia desqualifica a política de Trump? Ou existe uma base de princípios para a preocupação seletiva com a Venezuela?
A resposta começa com a enorme magnitude do sofrimento e do caos no país sul-americano, que ultrapassa em muito o sofrimento e o caos em todos os Estados fracassados, com exceção de alguns poucos.
A economia petrolífera, anteriormente próspera, da Venezuela entrou em colapso, com inflação de 1.300.000% e com 8 em cada 10 venezuelanos relatando que não têm comida suficiente em casa.
A taxa de homicídios é de 58 por 100.000, uma das mais altas do mundo. Em 1961, a Venezuela foi certificada por ter eliminado a malária, mas a doença está de volta, afetando mais de 400.000 pessoas em 2017. [Nota do editor: no Brasil a taxa de homicídios é de 31,1 por 100.000 habitantes.]
Cerca de 3 milhões dos 32 milhões de pessoas do país fugiram desde 2014, sendo que quase meio milhão foi para os Estados Unidos e Espanha e o restante para os vizinhos latino-americanos da Venezuela.
Grande parte dessa catástrofe pode ser atribuída aos erros políticos e à corrupção do atual regime de esquerda, encabeçado pelo presidente Nicolás Maduro. Os últimos pilares do governo de Maduro são os serviços militares e de inteligência, apoiados de fora por Cuba, Rússia, China e Irã.
Embora talvez não seja mais repressiva do que muitas outras, a ditadura venezuelana se difere da ditadura da Arábia Saudita, por exemplo, porque se consolidou sobre as ruínas do que antes era uma democracia multipartidária, que uma grande parte de sua população doméstica lembra e quer renovar. Maduro ocupa o cargo hoje graças a uma eleição fraudada no ano passado, à destruição da liberdade de imprensa e à prisão de opositores políticos.
Os defensores do regime culpam as sanções e a desestabilização dos EUA pelos problemas da Venezuela. A verdade é que, com exceção do apoio breve e indiferente do governo de George W. Bush a uma tentativa de golpe em 2002, Washington – aprendendo as lições de intervenções malogradas da Guerra Fria – mostrou moderação ao lidar com o regime de Caracas, enquanto os países latinos assumiram a liderança na denúncias contra o regime.
Até esta segunda-feira, quando o governo Trump anunciou novas limitações às importações de petróleo venezuelano, os Estados Unidos negociaram com a Venezuela e concentraram a pressão econômica nos líderes do regime e nas principais instituições.
A estratégia atual do governo Trump ao apoiar um presidente interino, Juan Guaidó, cuja reivindicação ao cargo se baseia em uma interpretação plausível da constituição da Venezuela, é um tiro no escuro, mas ainda é o conceito mais inteligente que os Estados Unidos e seus aliados já desenvolveram.
O plano de transição de Guaidó, baseado na anistia para líderes militares e eleições livres, oferece esperança genuína para uma solução pacífica; dada a abundância de recursos da Venezuela e o desejo de muitos trabalhadores qualificados de retornar, a reativação econômica também parece estar ao alcance.
O que distingue a Venezuela, então, é que é um país singularmente problemático, próximo aos Estados Unidos e com laços históricos e econômicos profundos, cujo povo clama por solidariedade e ajuda – e tem uma chance real de alcançar seus objetivos declarados se houver um suporte bem projetado.
Quanto à hipocrisia, o novo melhor amigo do regime de Maduro é o presidente russo Vladimir Putin, cujo governo condena a "interferência cínica e evidente nos assuntos internos de um Estado soberano", embora Moscou tenha anexado a Crimeia e enviado bombardeiros com capacidade para transportar armas nucleares à Venezuela – e ainda interveio nos assuntos internos dos Estados Unidos em 2016.
O fato de que a intromissão da Rússia na campanha dos EUA pretendia favorecer Trump, que Moscou agora repreende por intervir na Venezuela, certamente faz a cabeça girar.
Sim, a política de Trump na Venezuela contrasta com a sua habitual rejeição das preocupações de direitos humanos na política externa. Isso não aumenta sua credibilidade, com certeza.
Ainda assim, por que os progressistas deveriam contar essas contradições contra o povo da Venezuela, se há algo que os Estados Unidos possam, de fato, fazer para ajudá-los? A alternativa é acabar, objetivamente, ao lado de Putin.
Neste caso, a administração Trump escolheu uma meta de política externa digna, montou uma coalizão multilateral e adotou uma estratégia real.
Se você fosse venezuelano, poderia estar se preocupando com a competência da equipe de segurança nacional da administração Trump – com suas inconsistências, nem tanto. E você estaria rezando para que talvez, desta vez, a mudança esteja a caminho.
*Charles Lane é um escritor editorial do Washington Post, especializado em política econômica e fiscal e colunista semanal.