O presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, tornou-se o terceiro presidente na história do país a sofrer impeachment, mas ele continuará no cargo até que o processo seja julgado pelo Senado.
Os deputados republicanos e democratas se confrontaram durante horas de debate na Câmara nesta quarta-feira (18) antes da votação pelo impeachment do presidente Trump por sua conduta em relação à Ucrânia.
A destituição do republicano foi apoiada por 230 deputados - eram necessários 216 votos. Outros 197 parlamentares se posicionaram contra o impeachment.
Enquanto a Câmara de Deputados dos EUA votava para a sua cassação, Trump fazia um comício a apoiadores no estado do Michigan.
As horas de debate hostil no plenário da Câmara refletiram a divisão partidária do país. Os republicanos argumentaram que não havia motivos para o impeachment, enquanto os democratas insistiram que o impeachment era um imperativo pelo dever ao país.
Os artigos de impeachment
Os dois artigos de impeachment que foram votados nesta quarta-feira foram enviados ao plenário pelo Comitê Judiciário da Câmara e dizem o seguinte:
Artigo 1 - Abuso de poder:
A primeira acusação diz respeito ao pedido feito por Trump à Ucrânia para que investigasse seu possível adversário eleitoral em 2020, o ex-vice-presidente dos EUA Joe Biden. Em troca, Trump daria uma crucial ajuda militar para o país que enfrenta uma guerra com separatistas pró-russos.
Artigo 2 - Obstrução do Congresso:
A segunda acusação se refere à tentativa de bloquear os esforços dos legisladores para investigar as ações do presidente republicano, que teria instruído funcionários do governo a não obedecer intimações para depor durante as investigações dos comitês da Câmara.
Julgamento no Senado
O processo agora deverá ser julgado pelo Senado. A Constituição dos EUA dá à Câmara dos Deputados a competência exclusiva de iniciar o impeachment e ao Senado a competência exclusiva de julgar casos de impeachment de presidentes.
O julgamento de Trump no Senado provavelmente acontecerá em janeiro. Por enquanto, nas condições políticas atuais, a previsão é de que o presidente seja absolvido na Câmara Alta: seria necessária uma maioria de dois terços - ou seja, pelo menos 67 votos.
O Senado tem 100 congressistas, dos quais 53 são republicanos, 45, democratas e dois, independentes.
O líder republicano na Casa, Mitch McConnell, declarou na terça que "a investigação apressada" dos democratas da Câmara, visando à destituição do presidente, é um fracasso e rejeitou a exigência democrata de convocar novas testemunhas.
"Não é tarefa do Senado procurar desesperadamente maneiras de condenar (o presidente). Isso dificilmente seria uma Justiça imparcial", criticou McConnell.
As defesas
Um dos comentários mais curiosos do dia foi o do deputado republicano Barry Loudermilk, da Geórgia, que comparou os democratas a Pôncio Pilatos, o juiz romano que foi crucial nos eventos que levaram à morte de Jesus, segundo o Novo Testamento.
"Antes de vocês participarem dessa votação histórica hoje, uma semana antes do Natal, quero que vocês tenham isso em mente: quando Jesus foi falsamente acusado de traição, Pôncio Pilatos deu a Jesus a oportunidade de enfrentar seus acusadores", disse Loudermilk durante sua fala no plenário da Câmara. "Durante aquele falso julgamento, Pôncio Pilatos concedeu mais direitos a Jesus do que os democratas concederam a esse presidente nesse processo."
O presidente do Comitê Judiciário da Câmara, o democrata Jerrold Nadler, respondeu: "Foi dada ao presidente a oportunidade de vir e testemunhar… de enviar seu conselho, de interrogar testemunhas. Ele se recusou a fazê-lo."
O republicano Mike Kelly disse que, da mesma maneira que o dia do ataque à base militar de Pearl Harbor durante a Segunda Guerra, o dia de hoje é "outra data que vai viver na infâmia".
"Em 7 de dezembro de 1941, um ato hediondo aconteceu nos Estados Unidos, sobre o qual o presidente Roosevelt falou, 'essa é uma data que viverá na infâmia'. O dia de hoje, 18 de dezembro de 2019, é outra data que viverá na infâmia", disse ele.
Enquanto os deputados debatiam, as visitas guiadas ao Capitólio continuavam, apesar da solenidade em torno da votação. Guias levavam turistas ao andar superior da Câmara para testemunhar o momento.
Do lado de fora, centenas de manifestantes se reuniram diante do Capitólio para demonstrar apoio ao impeachment de Trump.
Terceiro na história
Apenas dois presidentes dos Estados Unidos sofreram impeachment do Congresso: Andrew Johnson em 1868 e Bill Clinton em 1998. O presidente Richard Nixon renunciou em 1974 antes que a Câmara pudesse votar em artigos de impeachment relacionados ao escândalo de Watergate.
No plenário da Câmara, o deputado republicano Chris Stewart, um ex-crítico de Trump que se tornou um dos mais importantes defensores do presidente no Congresso, fez um discurso intenso argumentando que os democratas querem o impeachment de Trump simplesmente porque eles "o odeiam".
"Esta votação, este dia, não tem nada a ver com a Ucrânia", disse Stewart. "Não tem nada a ver com abuso de poder. Não tem nada a ver com obstrução do Congresso. Esta votação, este dia, tem a ver com apenas uma coisa: eles odeiam esse presidente. Eles odeiam aqueles de nós que votaram nele".
O deputado democrata J. Luis Correa enfatizou que estava votando a favor do impeachment de Trump para preservar o sistema democrático.
"Fui enviado a Washington para trabalhar com todos - democratas e republicanos - a fim de melhorar a vida em nossas comunidades", disse Correa. "Infelizmente, estamos aqui analisando as ações do presidente dos Estados Unidos. Meu voto hoje será para garantir que continuemos a ser uma democracia e não uma ditadura".
No início do dia, a presidente da Câmara, Nancy Pelosi, abriu o debate recitando o Juramento à Bandeira (Pledge of Allegiance).
"Infelizmente, a visão que tinham os nossos fundadores de uma república está agora ameaçada por ações da Casa Branca", disse ela no início da tarde. "É por isso que hoje, como presidente da Câmara, abro solene e tristemente o debate sobre o impeachment do presidente dos Estados Unidos. Se não agirmos agora, estaremos abandonando nosso dever".
Pelosi disse que nenhum deputados de qualquer partido foi ao Capitólio para destituir um presidente, mas que Trump - que "violou a Constituição" - deixou os membros do Congresso sem outra opção. "É trágico que as ações imprudentes do presidente tornem necessário o impeachment", disse ela. "Ele não nos deu escolha."
Carta de Trump
Em uma carta de mais de cinco páginas em tom raivoso divulgada na terça-feira, Trump disse à Pelosi que "a história a julgará duramente". Relembrando um famoso erro judicial do século 17, ele garantiu que teve menos direitos do que "aqueles acusados nos julgamentos das Bruxas de Salem".
Além disso, em declarações a jornalistas na Casa Branca, Trump voltou a rejeitar as acusações. "É uma farsa total", afirmou. Ao ser questionado sobre se tem alguma responsabilidade nesta crise limitou-se a responder que "nenhuma".
Na carta, acusou Pelosi de ser culpada. "É você que interfere nas eleições dos Estados Unidos. É você que mina a democracia americana. É você que obstrui a Justiça. É você que traz dor e sofrimento para nossa república, para seu benefício próprio - pessoal, político e partidário", escreveu.
"Isso não é nada mais do que um golpe de Estado ilegal e partidário", insistiu Trump.
Disputa em 2020
Uma vez terminado o julgamento, republicanos e democratas mergulharão novamente na campanha para as eleições presidenciais de novembro de 2020, relegadas a segundo plano neste último trimestre.
Trump está convencido de que este episódio o beneficiará. Em um tuíte, ele observou que uma pesquisa recente do jornal "USA Today" faz dele um vencedor contra todos os possíveis candidatos democratas.
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