Na quinta-feira (17), o presidente americano Donald Trump canalizou o sonho do presidente Ronald Reagan da era "Guerra nas Estrelas" da Guerra Fria, prometendo em um discurso no Pentágono "detectar e destruir qualquer míssil lançado contra os Estados Unidos em qualquer lugar e a qualquer hora".
A vasta visão que Trump articulou – que inclui proteger todas as cidades do país e proteger contra todos os tipos de ameaças de mísseis, independentemente do tipo ou origem – foi muito além dos planos mais modestos que o Pentágono definiu em uma nova estratégia de defesa antimísseis lançada simultaneamente.
Em sua fala, Trump prometeu um sistema expansivo e provavelmente impossível que remonta ao objetivo inicial de Reagan de tornar os mísseis essencialmente obsoletos com tecnologias que os interceptassem e destruíssem.
"O sistema será monitorado e encerraremos quaisquer lançamentos de mísseis de poderes hostis ou mesmo de poderes que cometam um erro", disse Trump. "Isso não acontecerá, independentemente do tipo de míssil ou das origens geográficas do ataque”.
Mas o Pentágono anunciou metas muito aquém dos altos objetivos no Missile Defence Review, lançado na quinta-feira. A primeira atualização abrangente para a política de defesa antimísseis dos EUA em nove anos, essa revisão procura expandir o escopo e a sofisticação das defesas de mísseis americanos, mas não estabeleceu planos que atingiriam a visão da era da Guerra Fria.
O Pentágono acrescentou armas hipersônicas e mísseis de cruzeiro à lista de sistemas que os militares querem ser capazes de derrubar e propôs uma série de novas opções para combater os mísseis norte-coreanos. Foi aprovada uma constelação de sensores no espaço visando o "rastreamento do nascimento à morte" de lançamentos de mísseis foram encomendados estudos de lasers e armas espaciais para interceptar mísseis.
A revisão ampliou a missão da defesa antimísseis dos EUA para além do combate de "estados párias", como a Coreia do Norte e o Irã, para proteger as forças e aliados dos EUA na Europa e na Ásia contra as ameaças regionais representadas pela Rússia e pela China.
O documento não recomendou, no entanto, o que Trump descreveu. Isso porque o Pentágono reconheceu há muito tempo que um ataque de míssil nuclear em grande escala contra os Estados Unidos por parte de um adversário como a Rússia sobrecarregaria as defesas limitadas de mísseis que os militares construíram.
Para impedir um ataque em larga escala, Washington confia na promessa de destruição mútua assegurada por seu arsenal nuclear, não em defesas antimísseis. Os interceptadores de mísseis que os militares norte-americanos operam no Alasca e na Califórnia são projetados para derrubar um número limitado de mísseis lançados por Estados párias.
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"Houve alguma menção em direção a um sistema global abrangente de defesa antimíssil nos comentários do presidente – de que combateríamos qualquer míssil, a qualquer hora, de qualquer lugar", disse Laura Grego, cientista sênior do grupo de desarmamento Union of Concerned Scientists. "Isso é tecnicamente inatingível e economicamente desatroso de se tentar."
Embora a revisão da defesa antimísseis não correspondesse inteiramente às observações do presidente, isso marcou o que o subsecretário de Defesa para a Política, John Rood, ex-executivo da indústria de defesa, descreveu em um briefing como "o início de uma nova era, a próxima era da defesa de mísseis".
Se algum dos planos será aprovado, depende se o Pentágono pode garantir aumentos nos gastos com defesa antimísseis no Congresso e se o Departamento de Defesa prioriza a defesa antimíssil sobre outros investimentos. Rood se recusou a dizer se o próximo pedido de orçamento para defesa antimísseis aumentaria significativamente.
O Pentágono apresentou o plano como um passo necessário devido à proliferação de ameaças de mísseis em todo o mundo, incluindo os testes norte-coreanos de mísseis balísticos intercontinentais que podem atingir os Estados Unidos e os avanços russos e chineses em veículos hipersônicos que podem viajar muitas vezes mais rápido do que o som. Os Estados Unidos atualmente não possuem nenhum sistema projetado para rastrear e parar esses veículos.
O secretário interino de Defesa, Patrick Shanahan, que ajudou a gerenciar o programa de defesa antimísseis da Boeing antes de chegar ao Pentágono, disse que os concorrentes, incluindo Rússia e China, não estão apenas avançando em seus mísseis, mas os integrando em esforços de intimidação política e planos de guerra.
"Em grande escala, o resto do mundo não está desenvolvendo novos aviões de caça e bombardeiros", disse ele. "Eles estão desenvolvendo mísseis."
Os apoiadores de uma defesa antimísseis mais robusta saudaram o endosso dos planos vindo do presidente e dos planos do Pentágono. Os críticos, que há muito tempo dizem que os sistemas de defesa antimísseis desperdiçam dinheiro e não funcionam bem, expressaram alívio pelo fato de a revisão não ter exigido algumas iniciativas controversas, como armas espaciais para abater mísseis, e, em vez disso, pedir mais estudos.
A revisão propõe investimentos em novas tecnologias que poderiam ajudar os Estados Unidos a reforçar as defesas contra os mísseis norte-coreanos. O documento sugere a modificação do caça F-35 para derrubar mísseis balísticos e possivelmente montar lasers em drones que poderiam rastrear e destruir mísseis logo após o lançamento.
A revisão também disse que o Pentágono planeja testar uma adaptação de interceptadores de mísseis Aegis em navios para que eles possam derrubar mísseis balísticos intercontinentais, além dos mísseis balísticos de curto e médio alcance que eles têm como alvo agora. O primeiro teste está previsto para 2020.
Esse movimento gerou preocupações.
Daryl Kimball, diretor-executivo da Associação de Controle de Armas, disse que a adaptação corre o risco de "cruzar a linha entre a defesa antimísseis dos Estados Unidos como algo com o único objetivo de combater ameaças de mísseis de “malfeitores" para um programa que Rússia e China verão como sendo destinado a fazer frente a partes significativas dos seus arsenais nucleares estratégicos".
O risco, disse Kimball, está em como Moscou e Pequim responderiam.
Alexandra Bell, diretora sênior de políticas do Centro de Controle de Armas e Não-Proliferação, disse que o relatório buscou "estabelecer as bases para defesas de mísseis amplamente expandidas voltadas para além dos Estados 'párias" – uma abordagem, disse ela, que corre o risco de "caminhar voluntariamente para uma nova corrida armamentista".