O presidente Donald Trump tem, reservadamente, elogiado Cingapura, a pequena cidade-estado uma vez conhecida por ter a maior taxa de execuções per capita no mundo.
A informação é da publicação americana Axios, que no domingo (25) noticiou que o presidente vem há meses dizendo a amigos que a pena de morte deveria ser imposta a traficantes de drogas nos Estados Unidos - semelhante à política instituída há décadas por Cingapura.
Um funcionário sênior da administração que não quis se identificar também disse à Axios que o presidente falou positivamente sobre as execuções de traficantes de drogas na China e nas Filipinas. "Eles simplesmente os matam", teria dito Trump.
Citando pessoas que conversaram com Trump, a Axios informou que o presidente "muitas vezes faz um discurso apaixonado sobre como traficantes de drogas são tão ruins quanto assassinos em série", e que ainda teria dito que adoraria que os Estados Unidos adotassem uma lei que permitisse executar traficantes de drogas sem qualquer exceção.
O repórter da Axios, Jonathan Swan, disse na terça-feira (27) que o presidente "falou bem" de execuções na China, Filipinas e Cingapura não apenas para confidentes, mas também para membros do Congresso e alguns líderes estrangeiros. A Casa Branca não comentou.
As conversas relatadas são consistentes com a propensão de Trump em abraçar políticas sem limites e retóricas contra o tráfico de drogas: desde sua ordem para que promotores federais peçam as penas mais severas possíveis, ao seu extraordinário endosso ao presidente das Filipinas, Rodrigo Duterte, cuja guerra contra as drogas matou milhares de suspeitos por tráfico sem direito a um julgamento apropriado.
Mas a posição inflexível de Cingapura em relação à legislação e à justiça há muito tempo chama a atenção de grupos de direitos humanos, especialmente porque cada vez mais países eliminam a pena de morte. Eles afirmam que o processo de execução dos réus em Cingapura é frequentemente envolvido em segredos e desinformação, além de facilitar a atuação dos promotores, os quais têm poder quase ilimitado sobre quem morre e quem é poupado.
Pena capital em Cingapura
O método de execução da pena de morte também enfrenta críticas severas.
Em Cingapura, os condenados são enforcados. A co-fundadora de um grupo anti-pena de morte do Sudeste Asiático, Kirsten Han, descreveu em detalhes como isso ocorre: "Um laço - medido de acordo com a altura do indivíduo - é colocado sobre o cabeça do prisioneiro; o nó atrás da orelha direita garante que a medula espinhal quebre com o impacto da queda através do alçapão".
As famílias nunca estão presentes, apenas oficiais da prisão e médicos.
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Um dia antes da execução, os condenados podem vestir roupas normais para que possam posar para uma foto que será dada aos entes queridos como lembrança.
O enforcamento foi o método de execução mais comum nos Estados Unidos no século XIX antes da adoção generalizada da cadeira elétrica, e continua sendo amplamente utilizado em vários países da Ásia, Oriente Médio e África. Este é o único método de execução em Cingapura, onde a pena de morte está em declínio: o governo executou 24 pessoas na última década,16 dos quais foram condenados por crimes de tráfico de drogas.
Na ilha-estado, a sentença de morte seria igualmente imposta a uma pessoa que traficasse mais de 15 gramas de heroína e a uma que bombardeasse um prédio do governo, matando dezenas de pessoas. Para colocar isso em contexto, nos Estados Unidos o tráfico de uma quantidade exponencialmente maior de heroína - de 100 a 999 gramas - é punido com cinco a 40 anos de prisão.
Uma pessoa que dispara uma arma ou tenta disparar uma arma durante um seqüestro ou um assalto em Cingapura também pode enfrentar a pena de morte - mesmo que ninguém tenha se ferido ou morrido.
"Apenas o fato de ter as chaves de um carro ou de uma casa onde drogas foram encontradas" é suficiente para que uma pessoa seja presumidamente um narcotraficante e, portanto, poderia receber a pena de morte, de acordo com Chiara Sangiorgio, especialista em pena de morte da Anistia Internacional.
Portanto não há presunção de inocência. O ônus da prova recai sobre o acusado, que muitas vezes são pessoas pobres que estão no fim da cadeia do tráfico de drogas ou estrangeiros que não são fluentes na língua nativa, segundo Sangiorgio.
Críticos à pena de morte dizem que não há evidências de que as execuções sejam mais eficientes contra o crime do que penas menores. Em 2009, pesquisadores da Escola de Advocacia de Columbia compararam taxas de assassinato em Cingapura e Hong Kong, onde a pena capital foi abolida em 1993, e encontraram pouca diferença. Mas as autoridades de Cingapura há muito tempo insistem que o espectro da morte tem funcionado para o país, particularmente no caso dos traficantes de drogas.
"Cingapura é relativamente livre de drogas e a administração está sob controle. Não há paraísos de drogas, nem zonas controladas por traficantes, não existem centros de produção de drogas, nem programas de troca de seringas", afirmou K. Shanmugam, ministro da Justiça de Cingapura, em 2016.
Uma "abordagem branda", argumentou, inundaria a ilha de narcóticos - uma linha de pensamento que parece ser semelhante à de Trump.
Violação dos direitos humanos
O número de execuções a cada ano, no entanto, diminuiu significativamente.
Cingapura, um país com quase metade do tamanho de Los Angeles, executou 76 pessoas em 1994 e 73 em 1995, quando a população somava apenas 3 milhões de habitantes. Em 2015 e 2016, foram oito execuções na ilha - cinco das quais relacionadas a crimes de drogas.
Mudanças na legislação em 2013 deram aos juízes uma margem de manobra na sentença se os réus se encaixarem em duas condições: 1) se eram apenas mensageiros ou “mulas” de drogas e 2) se cooperaram com os policiais, delatando outros traficantes de drogas. Alternativamente, aqueles que provaram que estavam apenas transportando a droga também podem ser poupados se estiverem mentalmente ou intelectualmente incapacitados. Um juiz pode impor penas menores, como prisão perpétua e caning - um tipo de punição corporal semelhante a um açoitamento.
A revisão das leis reduziu o número de condenados à morte. De acordo com um estudo recente da Anistia Internacional, desde janeiro de 2013, 38 de 93 pessoas condenadas por assassinato e tráfico de drogas foram poupadas da pena capital.
Shanmugam, o ministro da Cingapura, também disse no ano passado que o comércio de drogas quase não cresceu desde as reformas: os policiais prenderam 90 traficantes desde 2012 com a ajuda de detentos que cooperam em troca da indulgência.
Mas as reformas fizeram pouco para aliviar as preocupações dos defensores dos direitos humanos.
A Anistia Internacional analisou os julgamentos de 137 casos de acusados de crimes capitais na Suprema Corte e no Tribunal de Recursos do país a partir de 2008 - cinco anos antes das reformas terem ocorrido - até 2017. A organização descobriu que, embora as execuções sejam muito menos freqüentementes, graves violações dos direitos humanos ainda ocorrem.
Por exemplo, os advogados de defesa nunca estão presentes durante os interrogatórios e, particularmente no caso dos estrangeiros, as declarações que levaram à condenação são mal interpretadas ou perdidas na tradução, segundo Sangiorgio.
Nossa convicção: A dignidade da pessoa humana
Os promotores - e não os juízes - ainda têm poder incontestável para decidir se os réus devem ser poupados da forca com base em seu nível de cooperação. Os promotores devem emitir um documento que confirma que o réu forneceu informações substanciais sobre outros traficantes de drogas para que então os juízes possam decidir sobre uma menor punição. Em muitos casos, no entanto, os réus podem estar em um nível tão baixo na hierarquia do tráfico que eles não têm nenhuma informação significativa para dar.
"Em outras palavras, as pessoas pagam com suas vidas por não fornecer informações que são incapazes de fornecer", afirma o estudo.
Tomemos como exemplo o caso de um malaio de 32 anos que foi condenado depois que o Departamento de Narcóticos o encontrou com 16,56 gramas de heroína, pouco acima do limite legal. Ele disse à polícia que um amigo havia oferecido pagar o equivalente a US$ 236 para que ele entregasse a heroína. Seu advogado de defesa pediu ao Tribunal Superior para considerá-lo uma “mula”, mas os promotores, sem explicação, recusaram-se a emitir um certificado de assistência substantiva, deixando o juiz sem outra escolha senão condená-lo à morte.
Veja como o Tribunal Superior de Cingapura descreveu a situação em uma decisão de 2016 no caso de um homem que foi condenado por tráfico de mais de 100 gramas de heroína:
"Ele não recebeu um certificado de assistência substantiva... Nós não sabemos o porquê. Ele pode não ter muito auxílio a prestar. Ele pode ter se recusado a ajudar, caso em que não sabemos se sua depressão teve alguma conexão com essa atitude ... O idioma da lei aqui é preciso e simples. A vida, por outro lado, não é assim. Toda vida é complexa a sua maneira. A pena de morte tem sido lei há muito tempo e eu não acho que as mudanças estabelecidas a tornaram mais indulgente com o tráfico de drogas. Este crime não é menos grave hoje do que era antes da alteração".
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Execução de traficantes nos EUA?
Cingapura e os Estados Unidos estavam entre os 40 países e territórios que votaram contra uma resolução das Nações Unidas que pedia uma moratória global sobre as execuções em 2016.
Trump, de acordo com a Axios, reconheceu que a execução de pessoas por crimes relacionados a drogas nunca seria implementada nos Estados Unidos. Ao tentar mudar o tom dos comentários de Trump, a assessora da Casa Branca, Kellyanne Conway, responsável pelas ações antidrogas da administração, disse à publicação que o presidente se referia aos traficantes de drogas que causam mortes em massa ao inundar comunidades com fentanil, um opioide sintético muito mais potente do que a heroína ou a morfina.
"O presidente faz uma distinção entre aqueles que estão cumprindo pena por pequenos crimes relacionados às drogas e aqueles que transportam milhares de doses fatais de fentanil para as comunidades e que são responsáveis por muitas mortes em um único fim de semana", disse Conway.
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