Ao fundo, uma refinaria de propriedade da Citgo, subsidiária da PDVSA, a empresa estatal de petróleo venezuelana, em 1 de fevereiro, em Lemont, no estado americano de Illinois| Foto:  SCOTT OLSON / AFP

Durante anos, o conflituoso governo venezuelano teve uma surpreendente linha de segurança econômica: uma empresa chamada Citgo que possui três refinarias de petróleo e uma rede nacional de oleodutos e postos de combustíveis nos Estados Unidos.

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A Citgo é uma subsidiária da PDVSA, a estatal de petróleo venezuelana. Ela importava petróleo bruto pesado da Venezuela, depois o refinava e o distribuía pelos Estados Unidos. Com isso, dinheiro era fornecido para a elite política da Venezuela. 

Apesar da disputa política de longa data entre Washington e Caracas, essa relação econômica ficou praticamente intocada. Em meio ao recente caos político na Venezuela, no entanto, isso mudou: o governo Trump anunciou nesta segunda-feira (28) que bloquearia toda a receita dos EUA para a PDVSA em uma tentativa de forçar a retirada do ditador venezuelano Nicolás Maduro do poder. 

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“Com essa medida, eles querem roubar nossa empresa Citgo”, disse Maduro em resposta transmitida pela televisão. “Vamos tomar medidas legais, comerciais e logísticas nas próximas horas”. 

Histórico da Citgo nos EUA 

A Citgo foi fundada pelo empresário americano Henry L. Doherty como Cities Service Co. em 1910. Doherty já havia feito um impacto significativo na indústria de gás natural e queria uma holding para as empresas de serviços públicos que estava adquirindo. Depois de encontrar grandes quantidades de petróleo perto de El Dorado, no Kansas, em 1915, a empresa lentamente começou a se concentrar na indústria de energia. 

Em 1965, em uma tentativa de se vender diretamente aos consumidores, a Cities Service decidiu mudar seu nome para Citgo, que agora é familiar para os consumidores americanos – o logotipo da empresa é até mesmo uma parte icônica do horizonte de Boston. Na década de 1980, a Citgo era uma das maiores companhias de petróleo dos Estados Unidos, mas enfrentava forte concorrência. 

A empresa foi comprada pela Occidental Petroleum em 1982 e acabou mudando de mãos várias vezes nos anos seguintes. Em 1986, cerca de 50% da empresa foi comprada pela PDVSA, que comprou os outros 50% em 1990. O acordo ofereceu à petrolífera estatal venezuelana uma rota para o mercado norte-americano, enquanto as refinarias da Citgo agora teriam acesso às maiores reservas de petróleo no mundo. 

A época de Chávez 

Um período de liberalização econômica na Venezuela terminou em 1999, quando Hugo Chávez, um ex-paraquedista que havia sido preso por seu papel em duas tentativas anteriores de golpe, venceu a eleição presidencial com uma mensagem de esquerda e de anti-imperialismo. 

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Para a Citgo, cujos negócios haviam prosperado durante os anos 1990, as relações com a Venezuela tornaram-se muito mais complicadas. A receita de petróleo da PDVSA constituía até metade do orçamento do país; Chávez agora usava essa receita do petróleo para financiar ambiciosos programas de bem-estar social, tornando os preços do petróleo venezuelano tão baixos que o consumo doméstico disparou. 

Após anos de conflito com o gabinete do presidente, a PDVSA liderou uma greve geral que pretendia remover Chávez do poder. Em resposta, Chávez demitiu milhares da empresa e instalou aliados em seu lugar. 

As políticas internas e a imagem combativa de Chávez no cenário mundial tornaram as coisas difíceis para a Citgo. Em 2006, na mesma época em que o presidente venezuelano chamou o então presidente George W. Bush de “demônio” em um discurso nas Nações Unidas, a empresa enfrentou pedidos de boicote nos Estados Unidos. Em resposta, a Citgo publicou anúncios nos principais jornais que destacavam seus 4.000 funcionários nos EUA. 

Mas enquanto as relações políticas entre Washington e Caracas estavam por um triz, a relação econômica entre as duas nações seguiu basicamente sem obstáculos. Os Estados Unidos evitaram sancionar a indústria de petróleo da Venezuela e a Citgo pôde operar como uma entidade independente. 

Como as sanções podem atingir 

Desde que Maduro sucedeu Chávez como presidente da Venezuela em 2013, a indústria de petróleo do país despencou. Prejudicada por anos de má administração e baixos preços do petróleo, o valor de suas exportações de óleo caiu para o menor nível em mais de uma década. “A PDVSA está em ruínas”, disse Luis Centeno, operador de sonda e líder sindical na sede da empresa em Punta de Mata, Venezuela, ao jornal Washington Post no ano passado. 

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Enquanto a Venezuela exporta petróleo bruto para a Rússia e a China, quase todas essas exportações são usadas para pagar dívidas preexistentes. Suas exportações para empresas dos EUA, como a Citgo, são o que fornece ao governo o dinheiro necessário para operar. 

As sanções anunciadas pelo governo Trump na segunda-feira devem congelar US$ 7 bilhões em ativos americanos e bloquear mais de US$ 11 bilhões em receita com vendas de petróleo no próximo ano, disse o assessor de Segurança Nacional da Casa Branca, John Bolton, a repórteres. Quase todos esses ativos pertencem à Citgo. A empresa com sede em Houston ainda teria permissão para operar sob as novas medidas e receber petróleo bruto venezuelano, mas os fundos que anteriormente teriam ido para a PDVSA entrariam agora em uma conta bloqueada, de acordo com o secretário do Tesouro dos EUA, Steven Mnuchin. 

Na semana passada, os Estados Unidos reconheceram o oposicionista Juan Guaidó, líder da Assembleia Nacional, como o presidente interino da Venezuela e disse que Maduro é um líder ilegítimo. Essa ação pode permitir ao governo dos EUA redirecionar fundos e ativos para o líder da oposição, embora não esteja claro como isso funcionaria na prática ou se o movimento poderia sobreviver a um desafio legal. 

A esperança para muitos é que, preservando a Citgo como um ativo venezuelano, a empresa poderia eventualmente desempenhar um papel-chave em uma “recuperação petroeconômica pós-Maduro” para o país, disse Scott Modell, diretor da Rapidan Energy.

Da direção para a prisão

A Citgo não é uma empresa de petróleo comum. 

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Por um lado, ela emprega cerca de 3.900 trabalhadores e terceirizados em Corpus Christi, Texas; Lake Charles, Louisiana; e Lemont, Illinois. Por outro lado, seu presidente, Asdrubal Chávez – primo do falecido homem forte venezuelano Hugo Chávez – trabalha de longe. Seu visto nos EUA foi revogado em julho, efetivamente impedindo-o de entrar nos Estados Unidos. 

Na época, a empresa disse que “as operações diárias da Citgo permanecem sem interrupção e a liderança sênior permanece inalterada”. 

No final de 2017, Maduro acusou alguns dos principais líderes da Citgo de corrupção. Seis principais executivos da Citgo, cinco deles com dupla cidadania, foram atraídos para Caracas, pretensamente para falar sobre a aquisição de uma refinaria em Aruba; em vez disso, foram mandados para a cadeia, onde todos, exceto um, permanecem. Separadamente, Nelson Martinez, um ex-CEO da Citgo que por um breve período foi ministro do petróleo da Venezuela, morreu quando estava sob custódia do Estado aos 68 anos. 

Os homens presos, disseram analistas ao The Washington Post na época, pareciam ser leais a Rafael Ramirez, ex-presidente da PDVSA e antigo aliado de Hugo Chávez, que na época era o representante da Venezuela nas Nações Unidas. 

Na quarta-feira, o Departamento de Estado se recusou a comentar, citando “questões de privacidade”. Em um comunicado, o departamento disse que “não podemos comentar sobre o status de cidadãos privados nos EUA, mas continuamos a trabalhar em estreita colaboração com parceiros internacionais para garantir a segurança dos cidadãos dos EUA na Venezuela”. 

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Penhora 

Em 2006, Chávez procurou vender a Citgo, estabelecendo um preço mínimo de US$ 10 bilhões. Ninguém deu o lance. Analistas dizem que a Citgo hoje vale cerca de US$ 7 bilhões. 

Enquanto a economia da Venezuela desmoronava, Chávez e seu sucessor, Maduro, hipotecaram o único item de valor que restava: a Citgo. Eles ofereceram 50,1% da Citgo como garantia para atrair compradores. O regime colocou o resto da empresa para obter empréstimos da companhia de petróleo russa Rosneft. 

E eles fizeram negócios com a China e a Rússia que exigem que a Venezuela faça pagamentos em petróleo bruto, diminuindo o fluxo de caixa das exportações de petróleo.

Impacto nos americanos 

Durante todo o período, a Citgo conseguiu argumentar que a ação contra a empresa prejudicaria os consumidores e os funcionários da Citgo nos EUA. Ainda na semana passada, Chet Thompson, presidente da American Fuel and Petrochemical Manufacturers, enviou uma carta à Casa Branca descrevendo como as sanções poderiam elevar os preços da gasolina. 

“Pedimos que você considere cuidadosamente o impacto que as sanções setoriais teriam sobre as empresas, trabalhadores e consumidores dos EUA”, escreveu ele. “Muitas refinarias dos EUA fizeram investimentos significativos para otimizar o processamento de petróleo bruto pesado, particularmente o petróleo venezuelano”. Ele acrescentou que tais medidas fracassariam em “abordar as questões reais da Venezuela”. 

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Mas a política de Trump em relação à Venezuela diferiu de sua postura “America First” (América Primeiro) na maior parte do mundo. 

“Foi um dos poucos tópicos sobre os quais eu interagi com o presidente, em que ele tinha uma visão sobre o assunto e acreditava firmemente nela, tentando se engajar pessoalmente”, disse Fernando Cutz, ex-diretor sênior do Conselho Nacional de Segurança que trabalha no momento no Grupo Cohen. 

“Em seu segundo ou terceiro dia, ele me chamou para informá-lo sobre a Venezuela. Eu não precisei do intermédio de superiores. Ele se aproximou de nós”, disse Cutz. “Ele tinha realmente muito interesse nisso em um nível pessoal”. 

Recentemente, comentaristas de direita reavivaram suas críticas a Trump em relação à Venezuela. Em um programa que foi ao ar em 15 de janeiro na Fox Business Network, a apresentadora Trish Regan disse: “O governo venezuelano, sabe de uma coisa? Eles têm uma linha de segurança financeira. E essa salvação está aqui nos Estados Unidos. A estatal petrolífera. Ela controla a Citgo. Como é possível que estejamos permitindo que essa empresa opere aqui enquanto eles mantêm cinco americanos na prisão?” 

Mais sanções foram anunciadas 13 dias depois. 

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Mesmo antes da eleição de Trump, a Venezuela enfrentava pressões financeiras. Em 2007, Chávez quis reescrever os termos do contrato para empresas que operavam no vasto e rico em petróleo Cinturão do Orinoco. A ExxonMobil, irritada, disse que não, abandonando 2% de suas reservas mundiais e mais tarde ganhando um prêmio de arbitragem de US$ 1,4 bilhão. Em 2008, Chávez publicou anúncios de página inteira em jornais que diziam: “A Exxon transforma óleo em sangue”. 

Algumas outras empresas permaneceram na Venezuela, incluindo a Chevron e muitas empresas líderes em serviços de petróleo. Sob as novas sanções, eles têm até 27 de julho para parar as operações, disse Cooper. 

Antecipando um novo líder, membros da Assembleia Nacional da Venezuela elaboraram uma nova lei do petróleo que permitiria um investimento muito maior de empresas estrangeiras, disse Burelli. Isso tiraria o poder regulatório da PDVSA e a transferiria para uma nova agência, abrindo a riqueza do petróleo da Venezuela a entidades internacionais. 

“[A nova lei] é muito, muito pró-investimento estrangeiro”, disse ele. 

Se essa proposta se tornará lei, depende do destino político de Guaidó. Com a ajuda da administração Trump, conseguir o controle da Citgo e seu dinheiro poderia ser seu primeiro passo concreto.

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