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Entrevista

“Tudo que foi construído ao longo da missão foi perdido ”

Um país que ainda dependerá de ajuda externa por pelo menos mais uma década. É assim que o coronel da reserva Luiz Augusto de Oliveira Santiago vê o Haiti após o terremoto da última terça-feira. Paulista de Itapetininga, o coronel Santiago, de 55 anos, co­­mandou as tropas brasileiras que integram as forças de paz das Na­­ções Unidas de dezembro de 2005 a junho de 2006. "Só nos resta ajudar com doações", disse à Gazeta do Povo. "Tudo que foi construído ao longo de seis anos de missão da ONU foi perdido." Confira a seguir a íntegra da entrevista.

Como foi o período em que o senhor esteve à frente das tropas brasileiras no Haiti?Comandei o Batalhão de In­­fan­­taria de Força de Paz de dezembro de 2005 a junho de 2006. Justamente aquele período das eleições presidenciais, em que foi eleito o René Préval, que está terminando o mandato agora, e também quando houve aquela morte do general (Urano Teixeira da Matta) Bacellar e a entrada em Cité-Soleil (a maior favela de Porto Príncipe). Foi um período bastante conturbado.

O Haiti vai depender muito da ajuda internacional?

Sem dúvida. O Haiti por si só estava começando a caminhar, após cinco anos de missão da ONU lá. Pelo menos na parte de segurança já estava bem melhor. Isso possibilita que as pessoas tenham estabilidade. A grande missão da nossa força militar era prover segurança e estabilidade para que empresários possam investir no país. Só que nós, até por questões humanitárias, acabamos excedendo esse tipo de missão. O Haiti vai depender muito do auxílio mundial, de pessoas, recursos e equipamentos. Primeiro para fa­­zer face a essa tragédia e depois para ter um vislumbre de reconstrução do país. Setenta por cento dos prédios foram destruídos. O pouco que havia foi abaixo.

Quanto tempo deve levar o processo de reconstrução do Haiti?

Quando eu estava lá, falava-se que a ONU tinha feito uma previsão em torno de 10 anos para que o país estivesse pronto para se reconstruir por seus próprios meios. Mas, com essa tragédia, acredito que não antes de 2020 o Haiti consiga andar pelas próprias pernas. Houve um retrocesso muito grande, na parte de economia e de infraestrutura. Voltamos a patamares muito anteriores aos de 2004, em termos de segurança, de economia, de infraestrutura. Tudo que foi construído ao longo de seis anos de missão da ONU foi perdido.

Nos últimos anos o Haiti enfrentou outras tragédias, mas ne­­nhuma com essas dimensões. O Brasil teve participação no aten­­dimento às vítimas?

Há um período de furacões que assola o Caribe, entre agosto e setembro. Em 2004, quando estava lá o primeiro contingente, houve um furacão que atingiu mais a cidade de Gonaives, ao norte de Porto Príncipe. O estrago foi grande. Se não me engano morreram cerca de 1,2 mil pessoas. Lá era a sede do batalhão da Argentina, e o batalhão brasileiro teve de ir lá para auxiliar os argentinos. Mas nada se compara a este terremoto. São 2,5 milhões de ha­­bitantes em Porto Príncipe, uma cidade do tamanho de Curi­­tiba, só que 70% a 80% da cidade é o que se poderia comparar a uma favela no Brasil. Imagine a estrutra dessas casas, o deslocamento desssas pessoas em vielas e ruas, morando em barrancos, e os barrancos caindo e soterrando-as.

Os soldados brasileiros estavam preparados para a missão de paz no Haiti?

O trabalho exigiu uma preparação especial. Dentre as várias atividades de preparo que o Exército Brasileiro desenvolve, há a garantia da lei e da ordem, até porque é constitucional, está no artigo 142: quando os mecanismos no Brasil falharem, cabe às Forças Armadas a garantia da lei e da ordem. Temos desenvolvido uma série de atividades de instrução, de modo que, se as Forças Armadas forem convocadas, estaremos preparados.

No Haiti, fomos fazer a pacificação. Havia gangues armadas que estavam saqueando, injuriando a população. Pela ausência de forças armadas haitianas, pela deficiência da polícia nacional do Haiti, com efetivo mínimo de 2,5 mil homens na época – com a mesma população, a Polícia Militar do Distrito Federal tinha na época um efetivo quase 10 vezes maior, 22,5 mil homens –, a presença das tropas serviu para preencher essa lacuna e restabelecer a ordem. Por vezes tivemos alguns embates com gangues, mas conseguimos, por meio do uso da força e da parceria com a população, estabelecer a segurança. Até o terremoto, poderia dizer que o Haiti estava plenamente pacificado. Essa pacificação possibilitaria estabilidade para atrair a vinda de investimentos, para construir fábricas, infraestrutura.

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