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Uma mulher detém uma bandeira espanhola e catalã durante uma manifestação contra a independência na Catalunha, um dia antes do referendo | PIERRE-PHILIPPE MARCOU/AFP
Uma mulher detém uma bandeira espanhola e catalã durante uma manifestação contra a independência na Catalunha, um dia antes do referendo| Foto: PIERRE-PHILIPPE MARCOU/AFP

Neste domingo (1º), a Catalunha promete ir às urnas para decidir sobre a sua independência. Ao contrário de votações anteriores, que tinham apenas o status de consulta, este pleito se anuncia como um referendo capaz de garantir a secessão da região em relação à Espanha. O governo espanhol já se manifestou afirmando que um processo do tipo é inconstitucional, e vem tomando duras medidas para impedir a distribuição de urnas e a abertura de locais de votação, além de confiscar cédulas e reprimir os organizadores – 14 oficiais do governo catalão chegaram a ser detidos no último dia 20

A simples pergunta que o referendo propõe – “Você quer que a Catalunha se torne um estado independente na forma de uma república?” – está levantando outros questionamentos. Os dias que antecedem o referendo têm reunido multidões favoráveis à independência na capital catalã, Barcelona. Se a votação tiver adesão significativa, a Espanha, que já vive uma crise constitucional em função do referendo, pode também ver o seu futuro em jogo – e o rescaldo da apuração poderia gerar consequências em todo o continente. O sucesso da separação da Catalunha pode inspirar outras regiões do país, e também da Europa, a perseguir maior autonomia. 

Quais as regras do referendo? 

A lei que rege o referendo foi aprovada pelo parlamento catalão no dia 6 de setembro. A questão sobre a independência da região e sua reorganização como uma república deve ser respondida com “sim” ou “não”. Um dos pontos mais controversos da legislação é que não existe número mínimo de votos para se considerar o referendo válido, e a secessão pode ser aprovada por maioria simples. Outro aspecto denunciado pelos contrários à separação é que catalães residentes fora da região não têm direito ao voto. Caso o “sim” vença, o governo da Catalunha tem 48 horas para declarar a independência da nova república. 

É importante frisar, porém, que a lei aprovada pelo parlamento catalão já não está em vigor aos olhos da Espanha. O primeiro-ministro espanhol Mariano Rajoy solicitou à Corte Constitucional do país que anulasse a lei, visto que a Carta Magna espanhola não prevê a realização de qualquer processo no sentido de fragmentar o reino. O impasse gerou uma situação em que, na prática, o governo catalão vem se negando a reconhecer a autoridade espanhola, levando adiante os planos do referendo. No limite, Rajoy poderia até mesmo remover o presidente catalão Carles Puigdemont do cargo – uma medida que, embora esteja baseada na lei, seria vista como autoritária e poderia fortalecer o movimento independentista.  

Por que independência agora? 

Uma das regiões mais ricas e industrializadas da Espanha, a Catalunha se orgulha de possuir uma cultura, linguagem e história distintas. Historicamente, a região tem sido governada com grande autonomia em relação a Madrid, mas a ditadura de Francisco Franco (1939-1975) deixou marcas profundas entre os catalães. Além de perseguir brutalmente os nacionalistas catalães, o regime franquista proibiu o uso do idioma local, baniu eventos culturais típicos da região e forçou os habitantes da região a adotar a versão castelhana de seus nomes (por exemplo, o catalão Lluís virou Luis).  

Após o fim da ditadura, a Espanha se reorganizou politicamente e regiões com tradição separatista como a Catalunha e o País Basco ganharam status de comunidades autônomas, com grande liberdade de decisão em relação a Madrid. O furor pela independência voltou com força após a crise de 2008, que teve na Espanha uma das suas maiores vítimas. Em Barcelona, prevalece um sentimento de que os erros do governo central em Madrid enterraram o país em um ciclo de dívidas e desemprego, e que agora a Catalunha precisava pagar a conta – a região paga em torno de 12 bilhões de euros a mais em impostos do que recebe de volta. Por outro lado, o investimento público da Espanha na área se reduziu: chegou a ser próximo de 16% do orçamento nacional em 2003, e em 2015 não passava de 9,5%.  

Qual o peso econômico de uma eventual secessão Catalã? 

Com 7,5 milhões de habitantes, a Catalunha corresponde a 16% da população espanhola, produzindo o equivalente a 19% do PIB do país. Cerca de um quarto das exportações espanholas vêm da Catalunha. A importância da região para a economia da Espanha é inegável, mas a recíproca é verdadeira: cerca de 35% do comércio catalão é realizado com o restante do país, e o governo espanhol detém quase dois terços da dívida da região, estimada em 64,5 bilhões de euros.  

Os economistas divergem sobre qual lado sofreria mais em caso de independência, mas é certo que, em um primeiro momento, tanto a Espanha quanto a Catalunha sofreriam um agravamento de suas crises econômicas. A tendência, no entanto, é que a situação catalã seja muito mais grave no longo prazo: mesmo na hipótese de ser reconhecida enquanto nação independente pela comunidade internacional, o efeito imediato da separação seria sua alienação em relação à União Europeia (UE), encontrando mercados mais fechados e precisando lidar com a condição de pária. Um novo membro da UE precisa ser aceito de forma unânime pelos países que já estão lá, e o veto da Espanha e seus aliados tornaria inviável a integração catalã com a região.  

A Catalunha também precisaria arcar com os custos imediatos da criação de uma estrutura de governo nacional: a abertura de embaixadas em outras nações, o estabelecimento de um banco central e de uma casa da moeda, já que deixaria a zona do euro, etc.  

Como fica o futebol? 

Curiosamente, entre os pontos mais discutidos durante todo o processo que levou ao referendo foi a situação do futebol. Principal clube catalão, o Barcelona é também uma das maiores atrações do Campeonato Espanhol – seu rival local, o Espanyol, é outra figura constante na primeira divisão. Ligado historicamente ao movimento nacionalista da região, o Barça já se manifestou a favor da realização do referendo. Pep Guardiola, ex-técnico do clube e atualmente no Manchester City da Inglaterra, participou de comícios favoráveis à independência e chegou a declarar: “vamos votar, mesmo que o estado espanhol não queira”.  

Somando-se à pressão contra o separatismo, a Liga Espanhola declarou no passado que os clubes catalães não poderiam mais disputar o campeonato do país em caso de secessão. Já foi especulado, inclusive, que o Barcelona poderia ser aceito no Campeonato Francês. O fato é que um hipotético Campeonato Catalão seria pouco competitivo, prejudicando as finanças dos clubes locais: nos últimos vinte anos, Barcelona e Espanyol se enfrentaram 41 vezes pelo Campeonato Espanhol – e o Barça foi derrotado em apenas três ocasiões. O terceiro maior clube da região, o Girona, foi fundado há 87 anos e só chegou à primeira divisão nesta temporada. 

Uma eventual separação também teria grande peso sobre a Seleção Espanhola: no título da Copa do Mundo de 2010, por exemplo, cinco dos onze titulares que disputaram a final eram nascidos na Catalunha. 

A Espanha pode virar a nova Iugoslávia? 

O grande temor do governo espanhol é que o processo em andamento na Catalunha possa inspirar outras regiões com argumentos semelhantes a buscar a independência, como o País Basco e a Galícia. Atualmente, essas duas regiões não possuem um movimento forte no sentido de buscar a separação, mas o sucesso da empreitada catalã pode representar um precedente com peso europeu, incentivando outras áreas atualmente tranquilas a perseguir uma autonomia no futuro. Áreas como a Escócia (Reino Unido), Bretanha (França), Frísia (Holanda), Flandres e Valônia (Bélgica) mantêm movimentos nacionalistas que já cogitaram a independência no passado. 

Embora os catalães sejam atualmente a região mais organizada no sentido de buscar a secessão na Espanha, os bascos foram os responsáveis pela maior violência na luta por independência: desde 1968, o grupo ETA (sigla em basco para “Pátria Basca e Liberdade”) foi considerado responsável por 829 mortes em diferentes atentados terroristas. O ETA mantém um cessar-fogo desde 2010, e em abril deste ano anunciou que havia entregado todos os armamentos ao governo espanhol, mas segue ativo como instrumento de pressão política. A eventual separação do País Basco levaria a crise política definitivamente para além das fronteiras espanholas, já que parte do território está na França.  

Em um cenário no qual Catalunha, Galícia e País Basco se separassem, a Espanha perderia o equivalente a cerca de 14% de seu território, 25% do seu PIB e 27% da população atuais. 

Os catalães realmente querem independência? 

Apesar do discurso do governo catalão, a resposta a essa questão é muito menos óbvia do que pode parecer a princípio: ninguém tem certeza. Segundo uma enquete realizada entre os catalães pelo jornal local El Periodico de Catalunya, 85% deles são favoráveis à realização do referendo. Mas, quando perguntados sobre a separação propriamente dita, os habitantes da região são muito mais divididos: uma enquete realizada pelo governo catalão em junho mostrava que 41% dos cidadãos pretendiam votar “sim”, enquanto 49% tinham planos de votar contra a secessão.  

Diante dos resultados desfavoráveis, o governo não divulgou novas consultas oficiais desde então. Apesar disso, analistas estimam que a repressão do governo espanhol na tentativa de impedir o referendo tende a ajudar a causa independentista, que pode ter ganhado adeptos desde a última enquete oficial do governo. A pesquisa mais recente realizada por um instituto catalão, divulgada no dia 16 de setembro, indicava 44% de votos favoráveis à independência e 38% contrários, além de um número substancial de indecisos (14%).  

Em 2014, uma consulta popular atraiu 2,3 milhões de eleitores (37% de comparecimento) e apontou que quase 81% apoiavam a independência da Catalunha. Aquele processo, porém, não tinha a promessa atual de redundar em uma separação de fato – e foi amplamente boicotado por grupos contrários à independência, o que gerou críticas quanto à pouca representatividade do resultado. 

Para 2017, em tese, o governo catalão pode declarar a independência com qualquer número de participantes, desde que o “sim” receba a maioria simples dos votos. No entanto, grupos ligados ao presidente Carles Puigdemont indicam que a declaração unilateral de independência – como desejam os nacionalistas mais ferrenhos – é improvável. A tendência é que a Catalunha use os resultados para pressionar o governo espanhol a rever sua Constituição, concedendo ainda mais autonomia às regiões e tornando legal a possibilidade de secessão em pleitos futuros.

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