A Turquia concordou nesta quinta-feira (17) com um cessar-fogo que deve suspender sua operação na Síria e interromper temporariamente os combates violentos com as forças curdas que já duram uma semana. O acordo permite ainda ao governo do presidente turco Recep Tayyip Erdogan criar uma cobiçada zona de segurança muito além das fronteiras de seu país.
O acordo, anunciado pelo vice-presidente dos EUA Mike Pence após horas de negociações, parece dar ao líder da Turquia quase tudo o que ele buscava quando seus militares lançaram um ataque ao nordeste da Síria há pouco mais de uma semana: a expulsão das milícias curdas sírias da fronteira e a retirada da ameaça americana de impor sanções à economia vulnerável da Turquia.
Pence disse que a Turquia concordou em interromper sua ofensiva por cinco dias. Durante esse período, os Estados Unidos devem ajudar com a retirada das forças lideradas pelos curdos, chamadas Forças Democráticas da Síria (FDS), de uma grande faixa de território que se estende desde a fronteira da Turquia até cerca de 30 quilômetros ao sul no interior da Síria. Após a conclusão da retirada dos curdos, a operação militar da Turquia, iniciada em 9 de outubro, seria "totalmente interrompida", disse Pence.
A Casa Branca concordou em abster-se de impor novas sanções econômicas à Turquia e retirar as que foram impostas no início desta semana, assim que um "cessar-fogo permanente estiver em vigor", disse Pence.
Pence, que negociou com o líder turco no palácio presidencial de Ancara, descreveu o acordo como uma dura batalha vencida e deu créditos à liderança do presidente Donald Trump e à amizade com a Turquia por seu sucesso. O acordo entregou concessões a Erdogan que ele não tinha conseguido em anos de negociações com os Estados Unidos e justificou, de certa maneira, sua decisão de iniciar uma ação militar.
"Esse é um ótimo dia para os Estados Unidos, é um ótimo dia para a Turquia", disse Trump a jornalistas após o anúncio de Pence. "É um ótimo dia para os curdos, é um ótimo dia para a civilização", acrescentou.
Mazloum Kobane Abdi, comandante das FDS, disse em entrevista a um canal de televisão curdo que "aceitamos esse acordo e faremos o que for necessário para fazê-lo funcionar". Mas o texto do acordo foi "apenas o começo", disse ele, acrescentando que "a ocupação turca não continuará".
"Conseguimos tudo o que queríamos"
A viagem turbulenta de Pence à Turquia ocorreu apenas uma semana após o início da operação militar que provocou uma retirada apressada das tropas americanas da Síria, gerou temores sobre o ressurgimento do grupo militante Estado Islâmico e causou repentinamente uma crise humanitária. Dezenas de milhares de pessoas foram arrancadas de suas casas. Dezenas de pessoas foram mortas em confrontos, nos dois lados da fronteira.
O governo Trump foi criticado, mesmo por alguns de seus aliados republicanos, por abandonar as milícias sírias curdas, que se uniram às forças armadas dos EUA para combater o Estado Islâmico. As declarações precipitadas de Trump sobre o conflito pareciam piorar as coisas: na quarta-feira, ele se distanciou completamente do conflito, dizendo que a luta entre a Turquia e os curdos era "por terras que não têm nada a ver conosco".
Quando Pence se encontrou com Erdogan na quinta-feira, os dois se recusaram a sorrir, enquanto a reunião começava, como se comunicassem o fracasso antes do início das negociações. Mas depois, uma autoridade turca com informações de pessoas que participaram da negociação disse que o lado turco ficou surpreso e aliviado com a facilidade das negociações. "Conseguimos tudo o que queríamos", disse o funcionário, um assessor do Ministério das Relações Exteriores que pediu anonimato.
Irritado com as ameaças da Casa Branca durante a semana, Erdogan havia se preparado para uma reunião conflituosa, mas o clima se suavizou quando ficou claro que as autoridades americanas estavam pedindo apenas o que para os turcos eram concessões simbólicas. Em troca de uma breve pausa nos combates, não haveria sanções dos EUA nem exigência de retirada turca.
O pedido de cessar-fogo temporário aparentemente teve o objetivo de "fazer com que os EUA se saíssem bem", disse a autoridade. "Foi a negociação mais fácil que já tivemos", disse o assessor.
Obstáculos e críticas
O acordo - destinado a separar duros inimigos em uma área volátil da Síria - enfrenta obstáculos óbvios. O texto levantou uma variedade de problemas urgentes, incluindo a questão sobre se os combatentes honrariam seus compromissos.
Mas ao mesmo tempo que evitou, pelo menos temporariamente, a disputa mais séria entre a Turquia e os Estados Unidos em anos, o acordo enfrentou críticas imediatas, inclusive de parlamentares americanos que no início do dia haviam apresentado propostas de sanções por conta própria.
As ações de Trump na Síria enfureceram o congresso americano, onde democratas e republicanos da Câmara de Deputados votaram em grande número no início desta semana para repreender a Casa Branca pela retirada das tropas. Na quinta-feira, alguns dos maiores críticos sobre as ações de Trump na Síria receberam a notícia do cessar-fogo com ceticismo.
Em discurso no plenário, o senador republicano Mitt Romney pressionou o governo a explicar o futuro papel dos Estados Unidos na região, o destino dos curdos e por que, na visão de Romney, a Turquia não enfrentará consequências após sua incursão na Síria. "O anúncio de hoje está sendo retratado como uma vitória. Isso está longe de ser uma vitória", disse Romney. "Permanecem questões sérias sobre por que a decisão de se retirar da Síria foi tomada e por que foi tomada tão precipitadamente".
"O acordo não pune a Turquia por matar civis inocentes e soldados curdos que lutaram ao lado de soldados americanos contra o Estado Islâmico", disse em comunicado a senadora democrata Maggie Hassan. "Além disso, [o acordo] nada faz para recuperar as centenas de soldados do Estado Islâmico que já escaparam das prisões curdas".
O acordo de cessar-fogo não menciona uma retirada turca da Síria, onde as forças turcas e seus aliados rebeldes sírios se deslocaram para cerca de 30 quilômetros através da fronteira, em uma ampla faixa de território. Embora o acordo diga que uma "zona segura" será estabelecida, ele também indica que os militares da Turquia assumirão a liderança no patrulhamento.
Ofensiva turca
A Turquia descreveu a ofensiva como uma operação de contraterrorismo dirigida a militantes afiliados ao Partido dos Trabalhadores do Curdistão, ou PKK, que promove uma insurgência dentro da Turquia há décadas.
Poucas semanas antes da incursão, a Turquia e os Estados Unidos concordaram, após meses de negociações, em patrulhar em conjunto uma zona que não se estenderia a mais de 14 quilômetros na Síria. A insatisfação da Turquia com esse acordo, tanto em termos de quantidade de território sírio que abrangia quanto da extensão do controle turco, acelerou a decisão de invadir.
O acordo alcançado na quinta-feira também não trata das milícias sírias apoiadas pela Turquia, que foram a vanguarda da invasão. As autoridades americanas consideram esses combatentes extremistas e eles foram acusados por organizações internacionais de direitos humanos por inúmeras violações desde que entraram na Síria, incluindo os assassinatos extrajudiciais de combatentes e civis curdos. Ainda não está claro se a Turquia concordou em retirar essas milícias ou mesmo se isso seria possível.
A Turquia - onde quase 4 milhões de sírios buscaram refúgio durante os oito anos de guerra civil em sua terra natal - também disse que pretende reassentar 1 a 2 milhões de refugiados sírios na zona de segurança.
As leis internacionais proíbem o retorno de refugiados para sua terra natal sem a permissão do país, e permite o retorno inicial somente daqueles que originalmente vieram daquela área. Autoridades dos EUA disseram que aqueles que fugiram a partir dessa região de fronteira, curdos ou não curdos, somam apenas centenas de milhares.