Se o Brasil procura capitalizar o acordo nuclear fechado com o Irã para ganhar pontos na diplomacia internacional, a Turquia o faz com muito mais motivo e interesse. Para o país do premier Tahip Recep Tayyip Erdogan, o cumprimento daquilo que foi acordado com os aiatolás é fundamental para a paz na região, seu quintal de casa.
"É interessante ver que Brasil e Turquia decidiram usar o assunto nuclear do Irã como trampolim para a liderança regional e (alcançar) status como ator global", disse por telefone à Gazeta do Povo o analista de relações governamentais da consultoria americana Trilogy Advisors, John Sitilides.
Os dois países competiram até mesmo para ser o "portador das boas notícias": o premier turco voou às pressas para Teerã quando o presidente Lula já se encontrava lá em negociações e anunciou a assinatura do acordo ainda no domingo à noite, enquanto o Brasil pretendia fazê-lo só na segunda-feira.
Se o Brasil não deixa explícito quais seus reais interesses, a Turquia age de forma condizente com a guinada na política externa executada pelo Partido da Justiça e Desenvolvimento, desde que chegou ao poder em 2002.
"Das costas do Mediterrâneo à fronteira do Paquistão com a Índia, a Turquia assumiu relações exteriores muito mais engajadas e ousadas do que em qualquer época de sua história", diz Sitilides.
Para além de galgar a escala diplomática, a questão nuclear traz para a Turquia preocupações também militares, econômicas e políticas. Todas urgentes.
"Sem dúvida, se o Irã adquirir armas, será um problema muito mais para a Turquia do que para o Brasil", disse à reportagem o analista de segurança europeia da americana Rand Corporation, Steve Larrabee. Seria um cenário em que toda a região, já instável, seria afetada.
O fator econômico fala alto também. Cerca de 20% do gás natural usado pelos turcos vem do Irã. Se a ampliação do embargo contra o Irã for aprovada pelo Conselho de Segurança da ONU, "a Turquia não terá outra opção senão adotar as sanções", escreveu o colunista do jornal turco Todays Zaman Abdullah Bozkurt. O que afetaria a economia turca em cheio.
Cobrança
O ponto fraco da nova investida diplomática regional da Turquia é seu passado. Muitos governos ocidentais acreditam que o país tem sido tolerante demais com as milícias Hamas, na Faixa de Gaza, e Hezbollah, no Líbano. "Talvez eles tenham superestimado sua habilidade em influenciá-los", diz Larrabee.
Este governo também tem erguido a voz contra a política externa israelense, o que garante espaço no noticiário mas torna a aliança com o Ocidente mais difícil. E a consolidação do papel de "ponte" entre os dois continentes é o grande objetivo da Turquia, que há anos faz reformas para aderir de vez à União Europeia.
O problema é que esse esforço para ser a grande mediadora entre Europa e Ásia traz também um ônus: a chegada de imigrantes e refugiados de países como Iraque e Afeganistão. Quando não se encaixam na própria Turquia, a utilizam como trânsito para Grécia, Alemanha e outros.
E com a política turca de eliminar a necessidade de visto com vários países, a passagem será mais ainda facilitada. "O problema é que chegam pessoas de todo o Oriente Médio", diz Larrabee.
Outra questão que complica o projeto turco de influenciar sua região e entrar para a União Europeia é a crescente islamização do país.
"Há alguns anos, algumas medidas deste governo seriam consideradas autoritárias, como repressão da imprensa, de liberdades individuais e de minorias", diz Sitilides.
Resta saber se, já com pesadas críticas internas e externas, Turquia e Brasil não escolheram no Irã um abacaxi difícil demais de descascar.