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Europa

Ucrânia, a nova Califórnia da Europa

NOVIDADE | Mauro Campos
NOVIDADE (Foto: Mauro Campos)

No ano passado apenas 1.353 brasileiros esctiveram na Ucrânia, país do chamado Leste Europeu, que há apenas 16 anos obteve sua independência, depois de setenta anos de ferrenha subjugação à União Soviética, que resultou em milhões de mortos, terror, fome e miséria para o país. Nas missões oficiais vieram 512 brasileiros e a turismo, somente 309. Esses números praticamente insignificantes, registrados oficialmente pelo governo ucraniano, revelam que o Brasil ainda está por descobrir a nova Ucrânia. No entanto, a Europa já fez isso e com muita eficiência. Na expressão do embaixador brasileiro Renato Marques, reveladora do que acontece por aqui, "a Ucrânia é a nova Califórnia do Leste Europeu".

A palavra de ordem de cada novo dia, neste país de cerca de 48 milhões de habitantes, é reconstrução. Muito já se fez, mas há tudo por fazer. O motor desse processo, a economia, está acelerado. O surpreendente desempenho, nos últimos anos, explica a expressão do embaixador brasileiro. Em 2004, o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu à invejável taxa de 12,1%. E em 2005 e 2006 quase 7%, em média. A tendência deste ano é continuar neste patamar.

"A Ucrânia, hoje, é a nova fronteira econômica da Europa. As grandes corporações internacionais já estão concentradas em Kiev. No último ano e meio, a economia da Ucrânia vem se ajustando à realidade dos novos preços do gás russo, que é a energia essencial do país", diz o embaixador. "O Brasil precisa olhar com mais atenção o que ocorre aqui, sob pena de perder grandes oportunidades de investimento", alerta ele.

De fato, os números são modestos nas relações comerciais bilaterais entre os dois países, considerando o volume atual da balança comercial brasileira. Para a Ucrânia, o Brasil exportou no ano passado US$ 220 milhões e importou somente US$ 150 milhões. A Petrobrás vinha exportando tubulações para oleodutos, em 2005 e 2006, mas esse contrato já se encerrou.

O processo de reconstrução começa, no entanto, num patamar primordial: o resgate da dignidade do próprio povo ucraniano. Na prática, o apartheid físico tem o marco no rio Dnipro, que margeia a bela Kiev, uma das capitais européias com maior área verde. De um lado, a Ucrânia Oriental, que faz fronteira com a Rússia. Do outro, a Ucrânia Ocidental, nas fronteiras com a Polônia, Moldávia, República Tcheca, Romênia, Hungria e Bielo-rússia. Num lado, a língua predominante é a russa; no outro, a ucraniana. Alguns chegam a dizer que é "pejorativo" ou "deselegante" "falar ucraniano em Kiev".

Esta dicotomia, de outro ângulo, está presente também na economia. É visível nas ruas, na mistura das duas línguas no dia-a-dia das vilas e cidades. É revelada pelos baixos salários herdados do período soviético e pelos altos custos que o euro impôs aos países mais fracos da Europa. O salário mínimo oficial é UAH 440,00 (hrívnias), o equivalente a US$ 90. Portanto, bem inferior ao mínimo brasileiro.

Pelas estatísticas oficiais, no entanto, o salário médio é de UAH 1.200,00 (US$ 240,00). Mas, mesmo assim, isso é muito pouco para quem recebe em hrívnias e paga muitos bens e serviços com base em euro.

"As coisas aqui são muito caras. E muito mais no inverno, quando frutas e verduras chegam a ficar oito vezes mais caras", conta a estudante brasileira descendente de ucranianos, Edina Smaha, paranaense de Prudentópolis, que está em Lviv (500 km a Oeste de Kiev) há um ano e começou, agora, a faculdade de Relações Internacionais, na respeitada Universidade Nacional de Lviv.

A reconstrução

De qualquer forma, o país estáfazendo um esforço gigantesco para se reerguer. Para ver isso, basta andar pelas ruas de Kiev, a capital, hoje com 3 milhões de habitantes, e Lviv, com 1 milhão de pessoas, a principal cidade (e mais industrializada) da Ucrânia Ocidental. Além do mais, a Ucrânia tem uma oportunidade de ouro para acelerar o processo de modernização do país: será sede da EuroCopa de 2012, junto com a Polônia. As cidades de Kiev, Lviv, Odessa (Sul), Donetsk e Dnipropetrovsk (Ucrânia Oriental) vão sediar os jogos da terceira maior competição esportiva do mundo. Estão previstos investimentos da ordem de 10 bilhões de euros.

Por outra parte, as periferias dessas duas cidades emblemáticas, Kiev e Lviv, explicitam o período de opressão do comunismo e o que ainda precisa ser feito de importante. Entre as novidades da economia de mercado – modernos supermercados, plenos de gêneros alimentícios e vinhos finos, grandes lojas de eletro-eletrônicos com os últimos lançamentos de tevês e computadores pessoais, e hotéis de padrões das capitais do Ocidente – estão as velhas construções, viadutos inacabados, ruas esburacadas. Mostra tenebrosa do passado são os gigantescos aglomerados habitacionais.

O transporte, a comunicação e a gestão do trânsito também estão em uma fase de transição, na Ucrânia. A internet de alta velocidade, que já é um fato consumado nos países desenvolvidos da Europa, ainda está por vir. Existem apenas bolsões onde se usa essa tecnologia. No resto do país, a internet continua pelo sistema de discagem, nem sempre eficiente.

"O custo da construção é muito caro aqui. Chega a US$ 3 mil o metro quadrado. Um apartamento antigo de dois quartos vale em torno de US$ 150 mil", conta o jogador brasileiro oriundo da Portuguesa Santista, Willian Rocha Batista, 27 anos, o "Batista", goleador e ídolo consagrado do principal time de Lviv, o Carpaty, que está no país há dois anos e meio e já fala fluentemente o difícil ucraniano. A realidade é que o custo é caro porque todo o país está sendo reconstruído e não existem tantos produtos para tal demanda.

É nesta área que o ministroconselheiro da embaixada brasileira em Kiev, o paranaense Zenik Krawctschuk, vê grandes oportunidades de negócios para os brasileiros. Segundo ele, o mercado de construção na Ucrânia é dominado por italianos, espanhóis e alemães. "O empresário brasileiro poderia aproveitar o momento no setor construtivo, especialmente na área de acabamento, que o Brasil tem uma indústria bastante competitiva", diz.

Mesmo assim, o país já avançou muito. Isto é bastante visível em regiões nobres do centro de Kiev, onde um turista distraído poderia achar que estivesse caminhando na elegante New Bond Street, no coração de Londres. As grifes mais caras e badaladas da Itália, França, Inglaterra e Estados Unidos estão ali. E na porta das lojas os carrões de seus clientes.

O euro e a Rússia

Neste emaranhado processo de fusão entre a herança do passado comunista e a economia de mercado recém-chegada, ainda há a encruzilhada política. O presidente da Ucrânia, Victor Yushenko, dissolveu o Parlamento, em abril último, e convocou eleições gerais para o próximo domingo, dia 30. A Ucrânia de hoje tem enfrentado uma longa disputa pelo poder entre Yushenko, considerado pró-Ocidente, e o primeiro-ministro Viktor Yanukovych, tido como aliado da Rússia. As eleições de domingo vão definir o futuro rumo do país: adesão à União Européia, a exemplo dos países fronteiriços a Oeste, ou uma Ucrânia pró-Rússia.

Na província de Ivano-Frankvsk, ao Sul de Lviv, seus moradores conseguiram, apesar de toda a repressão soviética, preservar um costume milenar: a confecção das pêssankas, os ovos de Páscoa ucranianos pintados a mão. A singela cidade de Kolomya (200 km ao Sul de Lviv) é uma espécie de bastião dessa cultura, que os comunistas tentaram acabar a ferro e fogo. Mas não conseguiram. As pêssankas ficavam escondidas nas igrejas, nos paióis, embaixo da terra. Em qualquer lugar.

Com a independência, foi criado o Museu de Pêssankas, onde há pouco mais de uma década algumas refinadas artesãs reconstituíram os principais estilos desta arte de colorir ovos, já que restaram raríssimos exemplares, pois o ovo é facilmente perecível. A diretora do museu, a etnógrafa e jornalista Meroslawa Boikiv, principal autoridade mundial nesta arte, faz uma metáfora lapidar, que pode resumir o desejo atual dos ucranianos: "A pêssanka simboliza o sol. E o sol ninguém consegue apagar. Portanto, sempre é tempo de renascimento".

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