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Além de colocar em combate tropas russas contra as ucranianas desde fevereiro, o conflito no Leste Europeu também tem servido de experiência para a utilização de robôs, apontando para um possível futuro das guerras, quando máquinas assassinas estarão cada vez mais presentes entre soldados humanos.
Suspeita-se que os russos tenham sido os primeiros a usar no campo de batalha um drone assassino (capaz de matar inimigos sem a presença humana de um militar) antes na Líbia, no ano passado, e agora na Ucrânia, conforme denunciou a Bulletin of the Atomic Scientists, uma organização dedicada a avaliar os riscos da tecnologia para a humanidade.
Ainda em 2021, a Rússia testou novos equipamentos autônomos armados, em conjunto com Belarus, no exercício militar Zapad-21. Conforme analisava, em outubro do ano passado, um especialista militar pró-Rússia e editor da revista Arsenal of the Fatherland, Viktor Murakhovsky, nenhum outro exército no mundo tem a variedade de veículos não tripulados e drones quanto a Rússia.
João Alfredo Lopes Nyegray, doutor em estratégia, coordenador do curso de Comércio Exterior e professor de Geopolítica e Negócios Internacionais na Universidade Positivo, acredita que essas estimativas e as expectativas sobre a qualidade dos equipamentos russos sejam, no entanto, exageradas.
“Há incontáveis vídeos de soldados mal aparelhados e com armamento enferrujado e muito antigo”, aponta o professor. Diante da ajuda internacional à Ucrânia, é possível que na disputa de robôs a Rússia saia perdendo.
Uran-9 e outras apostas dos russos
O principal destaque russo nos exercícios feitos em parceria com os bielorrussos no ano passado foi o Uran-9, o maior robô do arsenal da Rússia. Suas "orelhas grandes" estão relacionadas aos lançadores localizados nas laterais. O Uran-9 está armado com um canhão automático de 30 mm, mísseis guiados antitanque e lança-chamas.
Ao longo deste ano, os russos deixaram claro que continuam desenvolvendo novos equipamentos de guerra. Além de colocar modelos de cachorros robôs armados em feiras militares, expuseram um novo dispositivo, em formato esférico e equipado com câmeras e microfones.
De acordo com os demonstradores, esse drone em formato de uma pequena bola de tênis está sendo desenvolvido na Rússia para ser utilizado em edifícios de difícil acesso em zonas de guerra.
Sendo lançado ao alvo, o equipamento pode fazer um movimento giratório, registrando 360 graus de imagens e coletando as conversas do inimigo.
Ucrânia não fica para trás
Um UGV (Unmanned Ground Vehicle, em inglês), ou drone terrestre, feito na Estônia, foi oferecido às forças de Kiev para ser usado na movimentação de feridos em zonas de combate. Os possíveis usos para esse equipamento em forma de tanque não tripulado, o THeMIS, “são quase ilimitados”, conforme descreve o fabricante Milrem Robotics. Esse robô pode ser encaixado a uma torre armada, carregando uma metralhadora de calibre pesado, por exemplo, tornando-se um robô potencialmente assassino.
O equipamento chamou a atenção da Rússia e o CAST, um think tank ligado ao Kremlin, ofereceu às tropas do país uma recompensa de um milhão de rublos (R$ 87.524,55 na conversão atual) caso consigam capturar um THeMIS intacto.
“O conflito na Ucrânia demonstrou que a guerra moderna é impensável sem o amplo uso de veículos não-tripulados”, explicou Ruslan Pukhov, diretor do CAST, à revista Business Insider.
As tropas russas também têm como alvo robôs ucranianos capazes de desfazer minas, drones que são usados para lançar granadas, além da recém-inaugurada arma contra tanques, na forma de um pequeno robô terrestre.
Batizado de Gnom Kamikaze, o aparelho é fabricado pela empresa ucraniana Temerland, com sede em Zaporizhzhia, no oeste do país. É um pequeno veículo com baixa distância do chão, que transporta uma mina antitanque.
Com uma altura de apenas 165 milímetros, o robô é pequeno o suficiente para passar por baixo de veículos inimigos antes de explodir, mas também pode aumentar sua distância em relação ao solo para passar por pequenos obstáculos.
O dispositivo pode transmitir um sinal de vídeo a mais de 800 metros e dirigir por uma hora. Eduardo Trotsenko, CEO da Temerland, descreveu nas redes sociais que o robô será usado em conjunto com um drone, “que realizará um reconhecimento aéreo para guiar o Gnom Kamikaze em direção a um veículo”. Também servirá como distração, já que os drones são frequentemente usados para lançar cargas explosivas, permitindo que o robô se aproxime furtivamente.
Com o desenvolvendo da tecnologia dentro do país, e também com a ajuda internacional, a Ucrânia tem sido incentivada a colocar no campo de batalha esse arsenal automatizado.
São cerca de 30 países suprindo os ucranianos com armas, especialmente EUA, Reino Unido e Polônia. “Mais do que armamentos novos e modernos, os ucranianos estão recebendo munições e peças de reposição, o que parece ser um calcanhar de Aquiles para os russos”, explica Nyegray.
O problema dos robôs autônomos
No livro Drones et robots - La guerre des futurs (Drones e robôs - A guerra dos futuros, em tradução livre, sem versão em português), o jornalista e pesquisador francês Edouard Pflimlin trata da robotização do campo de batalha. Mais de 90 países, principalmente os Estados Unidos, têm drones militares e uma dúzia deles apresentam drones armados, ou seja, podem atacar alvos terrestres a partir do ar.
Além dos drones, os robôs também estão se desenvolvendo muito rapidamente. Por enquanto, conforme destaca Pflimlin, eles permanecem controlados remotamente por um operador humano. No entanto, o rápido progresso tecnológico e o avanço da inteligência artificial levantam temores do surgimento de robôs militares totalmente autônomos. Esses robôs não estão sujeitos a nenhuma regulamentação internacional e seus sistemas não permitem um controle confiável e perfeito de suas ações.
O pesquisador francês lembra que estão sendo desenvolvidos drones aéreos autônomos de combate para entrar em serviço antes de 2030 e a guerra na Ucrânia pode estar acelerando esse processo.
Em entrevista ao canal francês TV 5 Monde, o general Nicolas Richoux aponta para a preocupação com o desenvolvimento de robôs que ataquem sem controle humano. “Cria-se claramente um problema jurídico: quem se responsabiliza pelas mortes?”, questiona o militar, destacando que em governos autoritários essa preocupação é naturalmente menor.
“Uma guerra feita somente de robôs autônomos, como nos filmes de ficção, já é tecnologicamente possível. Mas seria uma guerra mais fácil de começar e mais difícil de terminar”, destaca o general. De acordo com Richoux, sem tantas perdas humanas, um país teria menos motivos para desistir de um conflito.
No mesmo programa, o pesquisador belga Jonathan Bannenberg, do Grupo de Pesquisa e Informação sobre Paz e Segurança do país (GRIP, na sigla em francês), lembra que, desde 2018, a Bélgica proíbe o uso de robôs autônomos no exército. O especialista orienta que os países que desenvolvem essa tecnologia, e discutem sobre o assunto há quase uma década, enfim se debrucem para criar regras internacionais.