Somando-se às muitas críticas internacionais relacionadas aos abusos cometido contra os uigures e outras minorias étnicas em Xinjiang, a ONG Anistia Internacional (AI) divulgou nesta quinta-feira (10), um relatório em que acusa as autoridade chineses de cometer “crimes contra a humanidade”.
O relatório de 160 páginas traz novos depoimentos de ex-detidos sobre as medidas que a China tem adotado contra as minorias étnicas de Xinjiang. Esta é a segunda grande ONG a soar o alarme neste ano, após a Human Rights Watch (HRW) acusar em abril o governo chinês de cometer “crimes de lesa-Humanidade”.
As práticas adotadas pelo governo chinês desde 2017 visam, segundo o relatório, erradicar “tradições religiosas, práticas culturais e línguas locais dos grupos étnicos muçulmanos da região”, tudo isso sob o pretexto de combater o terrorismo.
“As autoridades chinesas criaram um cenário infernal distópico em uma escala impressionante na região autônoma uigur de Xinjiang”, disse Agnès Callamard, secretária-geral da Anistia Internacional.
A secretária ainda aponta para a necessidade de a comunidade internacional estar ciente da gravidade dos abusos na região: “Deve chocar a consciência da humanidade que um grande número de pessoas tenha sido submetido a lavagem cerebral, tortura e outros tratamentos degradantes em campos de internamento, enquanto outros milhões vivem com medo em meio a um vasto aparato de vigilância.”
O que diz o relatório
O relatório documenta como centena de milhares de pessoas de minorias étnicas foram detidas arbitrariamente, algumas enviadas para prisões e outras para campos de reeducação.
Os 50 ex-detidos entrevistados pela Amnistia Internacional foram presos por uma conduta aparentemente legal em outras circunstâncias, como possuir uma fotografia com tema religioso ou comunicar-se com alguém no estrangeiro. Os interrogatórios iniciais feitos pela polícia eram realizados, de acordo com os depoimentos, em cadeiras de aço com ferros nas pernas e algemas que prendem o corpo em posições dolorosas, conhecidas como “cadeiras de tigre”.
Espancamentos, privação de sono e superlotação também são comuns nas delegacias de polícia, e os detidos relataram ter sido encapuzados e algemados durante interrogatórios e transferência.
A partir do momento em que entravam nos campos de reeducação, as vidas dos detidos foram extraordinariamente disciplinadas.
Uma mulher que foi detida por ter o WhatsApp instalado no celular disse: “[Todo dia] você levanta às 5 da manhã e tem de arrumar a cama, e deveria estar perfeita. Em seguida, uma cerimônia de hasteamento da bandeira e um 'juramento'. Então você vai para a cantina para o café da manhã. Em seguida, para a sala de aula. Depois o almoço. Em seguida, para a sala de aula. Depois o jantar. Em seguida, outra aula. Depois cama. Todas as noites duas pessoas tinham de ficar 'de plantão' [monitorando os outros companheiros de cela] por duas horas... Não sobrou um minuto para você. Você está exausto.”
A reeducação forçada consiste em repudiar o Islã, renunciar ao uso de línguas locais, além de estudar mandarim e a propaganda do Partido Comunista Chinesa. Raramente eles podem praticar exercícios ou ter acesso ao ar livre.
Além disso, punições como espancamentos, choques, confinamento solitário, privação de comida, água e sono, ou exposição ao frio extremo, entre outros tipos de tortura e maus-tratos também foram noticiados.
A Anistia Internacional chega a relatar que um detido teria morrido ao ficar contido numa “cadeira de tigre”, na frente dos seus companheiros de cela, durante 72 horas.
Além de todos esses abusos, a população muçulmana em Xinjiang é uma das mais vigiadas do mundo e muitos escondem quaisquer sinais externos de que seguem o Islã. Alcorões, tapetes de orações e outros itens religiosos também foram proibidos, de acordo com o relatório.
Reações
A China afirma que os campos já não são mais utilizados e que os ex-detidos foram empregados na região. Há um esforço permanente nos últimos anos por parte do governo chinês em negar abusos cometidos contra as minorias em Xinjiang. Inclusive com alegações de que as mulheres uigures estavam mais felizes após a reeducação, pois deixaram de ser “fábricas de bebês”.
O governo norte-americano, tanto do ex-presidente Donald Trump, como do atual presidente de Joe Biden, pressionam Pequim por um resposta transparente. O primeiro classificou como “genocídio” e “crimes contra a humanidade” os atos contra as minorias muçulmanas; o segundo, como “genocídio”, por meio de seu secretário de Estado, Antony Blinken.
Em março, UE, Reino Unido, EUA e Canadá anunciaram sanções contra a China por conta dos abusos contra uigures. O país asiático tem procurado revidar essas sanções, alegando-se prejudicados por “interferência em assuntos internos”.
A secretária-geral da Anistia Internacional, Agnès Callamard, pede às organizações internacionais uma investigação independente para que os responsáveis possam prestar contas: "a ONU deve estabelecer e despachar com urgência um mecanismo de investigação independente com o objetivo de responsabilizar os suspeitos pelos crimes de acordo com o direito internacional".