O teólogo suíço Hans Küng, de 80 anos, ex-colega de Joseph Ratzinger (Papa Bento XVI) no Departamento de Teologia da Universidade de Tübingen, nos anos 60, diz que as últimas decisões do Vaticano causaram um dano quase irreparável para a Igreja Católica.
Küng afirma que não foi por mal-entendido que Bento XVI reabilitou os bispos que negam o Holocausto e que Ratzinger sempre teve uma simpatia pelas tendências ultraconservadoras da Igreja. Para ele, os danos serão notados até no Brasil, onde a perda de credibilidade poderá causar uma escassez ainda maior de padres. Küng é presidente da Fundação Ética Mundial, que promove o estudo de relações interreligiosas, com sede na Alemanha.
Na sua opinião, o Papa foi ingênuo ao suspender a excomunhão dos bispos?
Ele não foi ingênuo e não se trata também de um mal-entendido, nem de um erro de comunicação. O Papa decepcionou agora os judeus, da mesma forma que fizera antes com os muçulmanos. Já em consequência da sua origem bávara, ele sempre teve um devocionismo católico. As últimas decisões do Vaticano causaram um dano quase irreparável para a Igreja Católica. Ele não foi ingênuo. Sempre teve uma simpatia secreta pelas tendências ultraconservadoras da Igreja. Na época do início do Concílio Vaticano II, em 1962, quando nós dois éramos os conselheiros mais jovens do Concílio, nos entendemos muito bem. E também durante o nosso trabalho na Universidade de Tübingen, onde nós éramos professores. Mas, já no final dos anos 60, por ocasião da revolta estudantil, Ratzinger mostrou sinais do seu reacionarismo.
No início do seu pontificado, Bento XVI parecia ter deixado de ser reacionário. O que mudou?
Eu acho que ele decepcionou o mundo católico. Eu também me decepcionei. Pouco depois do conclave, em 2005, eu tive com Bento XVI uma conversa de quatro horas em Castel Gandolfo. A minha impressão foi muito positiva. Pensava que se tratava do início de uma nova era. Mas depois não vi mais nenhum sinal por parte dele que indicasse que queria renovar a igreja. Vimos apenas um retorno ao passado, a volta da missa em latim, as orações pela iluminação dos judeus da Sexta-Feira Santa e agora essa reabilitação de bispos que têm posições contra os judeus.
O Vaticano corre o risco de perder a sua credibilidade no mundo católico?
O risco é grande, pois a polêmica atual ocorre em uma situação já crítica da Igreja. Essa perda de credibilidade é o pior que poderia acontecer com um Papa. Ele deveria abordar os problemas da Igreja, a falta de coleguismo entre os bispos, os problemas das comunidades, que são cada vez mais graves no Brasil, como a escassez de padres, dos constantes escândalos sexuais envolvendo padres e bispos. A perda de credibilidade da Igreja poderá aumentar a escassez de padres no Brasil.
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