Estado de emergência, medidas de segurança sem precedentes, tensões em relação à comunidade muçulmana: um ano após a morte de 130 pessoas nos atentados de Paris de 13 de novembro, a França, alvo de outros ataques extremistas desde então, assume postura mais dura.
Apesar de o presidente François Hollande nunca deixou de repetir que a França “não deve nunca desistir de viver como nós queremos”, o país agora vive permanentemente em guarda. “A imprudência se foi, simplesmente”, resume Carole Florent, 51 anos, residente nos subúrbios da capital francesa.
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A carnificina na casa de shows Bataclan, nos terraços de cafés e restaurantes traumatizou os parisienses, embora a vida festiva tenha sido retomada. O ataque em Nice, em 14 de julho (86 mortos, incluindo crianças) e o assassinato de um padre católico em uma pequena cidade do Noroeste do país em 26 de julho, deram uma dimensão nacional à ameaça.
“Tomamos consciência de que agora não estamos seguros em nenhum lugar”, preocupa-se Christiane, 75 anos, que escapou por pouco do ataque com caminhão na Promenade des Anglais, em Nice.
Consequência imediata dos massacres de 13 de novembro: o estado de emergência ainda está em vigor. O mais longo desde a guerra de independência da Argélia, há 60 anos. Este regime excepcional permite que a autoridade administrativa de restringir as liberdades sem passar pelos tribunais. Buscas, prisões domiciliares, escutas, vigilância de locais sensíveis...
A vigilância também é visível nas ruas, onde patrulhas militares armadas até os dentes circulam. Policiais foram até mesmo implantados nas praias este verão, enquanto feiras e eventos esportivos foram cancelados. Os turistas diminuíram.
Com medo de ataques, a segurança foi reforçada primeiro nas escolas, os estudantes seguem exercícios de contenção, os mais velhos obtiveram o direito de fumar nas instalações das instituições para limitar as saídas. As crianças “precisaram se integrar a um estilo de vida securitário”, diz o psiquiatra infantil Marcel Rufo.
Os franceses de todas as idades foram incentivados a fazer cursos de primeiros socorros, o que tem tido um aumento crescente. Desde o início do ano, cerca de 80.000 pessoas foram treinadas para “salvar vidas”.
‘Acalmar o clima’
Enquanto isso, a imagem da convivência social foi rachada. Nada mais “de todos unidos” brandido por milhões de franceses durante um encontro histórico após os atentados de janeiro de 2015 contra a revista satírica Charlie Hebdo, a polícia e um supermercado kosher (17 mortos).
Grande polêmica neste verão sobre o uso do burquíni nas praias ilustrou as crises de identidade. Em nome do secularismo, alguns prefeitos do litoral do Mediterrâneo proibiram este traje de banho adotado por algumas muçulmanas antes que a Justiça suspendesse tal proibição.
O discurso racista ganhou corpo com o passar dos meses com uma radicalização do discurso político desde o início da campanha presidencial de 2017. Alimento central para todas as discussões: o Islã.
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Descrevendo a sua “tristeza e total desamparo”, a escritora franco-marroquina Leila Slimani, vencedora do prestigiado Prix Goncourt, resume amargamente “a atmosfera que se instalou: os muçulmanos franceses não estão mais em casa”.
Em setembro, o ex-primeiro-ministro Alain Juppé, favorito nas primárias da Direita, fez um apelo para “acalmar a situação”: “A mera palavra ‘muçulmano’ suscita histeria desproporcional!” e acrescentou: “Se continuarmos assim, estaremos caminhando para uma guerra civil”.
O presidente socialista, nas profundezas da impopularidade, também defende o respeito dos valores democráticos e do Estado de direito, como baluartes contra a “barbárie” extremista.
Mas o tema da identidade floresceu nos debates sobre a direita e a extrema direita, a definição do secularismo cria debates intermináveis. E a ameaça de ataques permanece.
Em setembro, a descoberta em Paris de um carro carregado com botijões de gás provocou o desmantelamento de um “comando de mulheres” sob as ordens do grupo Estado Islâmico. Várias adolescentes foram presas por suspeita de querer agir sob a influência de um jihadista francês recrutando por meio de mensagens criptografadas da zona de conflito Iraque-Síria.
“Assistimos a uma soma de medos singular e, ao mesmo tempo, um aumento de pessoas que vivem com medo”, ressalta o historiador Benjamin Stora. Mas, apesar dos “arautos do apocalipse”, “a França continua a avançar”.
Sexta-feira, 13 de novembro, três comandos semeiam a morte em Paris
Sexta-feira, 13 de novembro de 2015, 21h20 em Paris (18h20 de Brasília). Uma explosão é ouvida perto do Stade de France, ao norte de Paris. Duas outras se seguiram. No mesmo momento, cafés parisienses são metralhados e a casa de shows Bataclan se torna palco de um massacre. A França mergulha no terror.
Em Saint-Denis, na periferia norte, um partida de futebol amistosa é disputada entre as seleções da França e Alemanha. O público escuta a primeira explosão. Nada de pânico, o jogo continua. Mas o que o público não sabia era que um homem-bomba acabava de se explodir na parte externa do estádio. Às 211h50, um segundo ataque suicida, e logo depois um terceiro, às 21h53.
Um português de 63 anos, Manuel Colaco Dias, é morto. O primeiro dos 130 mortos desta noite terrível, durante a qual outras centenas de pessoas ficaram feridas. Presente nas arquibancadas do estádio, o presidente François Hollande é retirado do local e levado para Paris. Lá, nas ruas tomadas por uma juventude moderna que aproveita de uma suave noite de outono, o pesadelo se espalha.
Às 21h25, o restaurante Le Petit Cambodge e o bar Le Carillon, no nordeste da capital francesa, são metralhados. Três homens seifam vidas com tiros de kalashnikov. Aleatoriamente. Uma cena surreal, lembra Florence, “todo mundo no chão” e um jovem carregando em seus braços uma garota que “parecia morta”.
O “comando dos cafés” prossegue seu caminho macabro, em frente ao bar A la bonne bière e a pizzaria Casa Nostra, depois o bistrô La Belle équipe. Cada vez, os atacantes saem de um Seat preto e matam com uma calma impressionante.
Damien percebe a kalashnikov de um extremista, “desproporcionalmente grande”, e seu ar “pacífico”, “quase com um leve sorriso”. E, acima de tudo, “tiros sem fim”.
Por terra, sangue e mortos – 39 mortos nos bairros da capital. Um dos extremistas acaba por se explodir em um restaurante no boulevard Voltaire.
Corpos amontoadosA uma pequena distância, o grupo de rock californiano Eagles of Death Metal canta “Kiss the devil” no Bataclan. A sala de shows está cheia quando um terceiro comando invade o local. É 21h40.
O show se transforma em uma carnificina. Mais uma vez, três jihadistas franceses, retornados da Síria, matam tantas pessoas quanto podem. Noventa mortos. Os sobreviventes, muitas vezes feridos, escondem-se, fingindo-se de mortos entre os cadáveres.
Às 21h54, um policial intervém pela primeira vez. A visão é “indescritível”, “centenas de corpos” de mortos, feridos ou sobreviventes “emaranhados uns aos outros em frente ao bar, no poço”.Muito rapidamente, com seu companheiro de equipe, o policial mata um assaltante, cujo cinto explode. Reina então um “silêncio glacial”, quebrado apenas por toques de telefone celular que soam nos bolsos dos mortos.
Às 00h18, as forças de elite finalmente lançam o assalto. Os homens-bomba se explodem. Este é o fim. Os investigadores descobrem um verdadeiro “açougue”.
O coordenador dos ataques, o belga Abdelhamid Abaaoud, figura conhecida entre os extremistas de língua francesa do grupo Estado Islâmico na Síria, mas também um dos atacantes, será morto em 18 de novembro pela polícia em um esconderijo em Saint-Denis. E o único membro dos comandos ainda vivo, Salah Abdeslam, vai passar quatro meses em fuga antes de ser preso.