Muitos zimbabuanos lembram de ter derramado lágrimas de alegria um ano atrás. Vinte e um de novembro de 2017 foi o dia mais importante da história do país pós-independência, o dia em que o Zimbábue derrubou algo mais: Robert Mugabe, então com 93 anos, foi forçado a deixar o poder pelos militares após 37 anos como presidente.
As pessoas, que temiam seu próprio exército, agora caminhavam ao lado dos tanques e tiravam selfies. Outras, que temiam ser presas por insulto ao ditador Mugabe, lhe desejavam, ironicamente, ‘boa-viagem’.
Um ano depois, o otimismo no Zimbábue diminuiu. Dependendo a quem você perguntar, a situação está muito ruim, ou, talvez, só um pouco menos ruim do que antes. Enquanto isso, o governo atual diz que a reforma leva tempo e pede paciência.
Por enquanto, os sonhos estão estagnados. A economia, que já estava arruinada, foi ainda mais assolada pela inflação atual. A reaproximação com o Ocidente, que evitou o desenvolvimento do Zimbábue por décadas e atrasou o investimento e o crescimento de empregos, tem sido hesitante, na melhor das hipóteses. Além disso, quatro meses após as primeiras eleições pós-Mugabe, o resultado continua a ser contestado pelo principal partido da oposição.
Temba Mlandeli, engenheiro em Harare, capital do Zimbábue, demonstrava otimismo quando deu uma entrevista ao Washington Post antes das eleições. Agora, ele luta para pensar positivamente.
“Para ser honesto, não é exatamente o que eu esperava. Como dizem, às vezes você tem que passar por momentos ruins para chegar aos bons. Eu não tenho certeza para onde estamos indo e, ultimamente, a vida ficou mais difícil”.
Os eventos ocorridos no último ano foram entendidos como uma série de continuidades da era Mugabe, com poucas exceções. Mugabe foi deposto no que seu sucessor chama de uma “transição liderada pelos militares”. Foi o ápice de uma batalha de sucessão entre a esposa Grace, a esposa de Mugabe, e seu ex-braço direito e chefe de espionagem, Emmerson Dambudzo Mnangagwa.
Mugabe demitiu Mnangagwa, que fugiu do país. À medida que o exército percebeu o jogo de poder e a impopularidade de Grace, emergiu nas ruas. Sob pressão, Mugabe renunciou e, três dias depois, Mnangagwa retornou ao país e foi empossado como presidente, junto com o general superior do exército, que se tornou seu vice.
Na cerimônia de posse, Mnangagwa prometeu transformar o país em uma nação totalmente diferente da era Mugabe. Haveria liberdade de expressão, uma moeda forte, bilhões de dólares em investimento estrangeiro, reaproximação com o Ocidente e, por fim, eleições com a presença de observadores internacionais.
Eleições
Ironicamente, para um membro do partido de Mugabe, que serviu ao seu lado durante décadas, Mnangagwa baseou sua campanha em um slogan de ‘mudança’. As eleições deste ano legitimaram seu poder, segundo ele, embora ele tenha relatado que, se tivesse perdido, iria se curvar à vontade do povo.
No período entre a posse e a eleição de 30 de julho, o Zimbábue parecia, sob perspectiva internacional, desanimado. Assuntos imprevistos foram manchetes – Morgan Tsvangarirai, do partido da oposição, faleceu de câncer, e Mnangagwa sobreviveu a uma tentativa de assassinato – embora eles nunca tenham ameaçado rejeitar o cronograma de votação.
Mas nas zonas rurais onde o partido de Mugabe e Mnangagwa, o ZANU, conseguiu um forte sistema de patrocínios ao longo de quase quatro décadas, uma cena semelhante às eleições do passado acontecia.
Os candidatos da oposição e seus seguidores eram ameaçados. Filiados e candidatos do ZANU pagavam às pessoas com fertilizantes e farinha de milho, de maneira aberta, para participarem de suas manifestações. Enquanto isso, a mídia estatal deu ao partido um tempo extremamente desproporcional para anúncios político.
No dia das eleições, a população estava, em grande parte, animada – e a votação se encerrou sem aparentes problemas. No entanto, à medida que o processo de contagem de votos terminava, a oposição ascendia em relação à manipulação eleitoral, à injustiça e, até mesmo, alegação de fraude.
E então, no dia 1º de agosto, o sonho de um novo Zimbábue desapareceu completamente. Após um protesto da oposição ter se transformado em tumulto, na capital, o exército foi às ruas pela primeira vez, desde aquele dia fatídico em novembro passado. Desta vez não houve sorrisos. Os militares atiraram indiscriminadamente contra a multidão, matando seis e deixando dezenas de feridos. Foi uma cena de carnificina e desgosto.
“Se tivermos cidadãos enfrentando tiros nas ruas de Harare, já imaginamos o que está acontecendo”, disse Jestina Mukoko, diretora de um projeto de paz sem fins lucrativos no Zimbábue.
Dois dias depois, Mnangagwa reivindicaria uma vitória quase impossível, que a oposição rejeita, apesar do selo de aprovação de um tribunal superior. Um inquérito sobre os assassinatos foi aberto, mas os principais generais do exército alegam que não foram seus homens que atiraram, mas, sim, forças da oposição, com o intuito de manchar sua imagem.
Poucas mudanças
Agora, o Zimbábue está politicamente dividido, como sempre foi. Os partidos da oposição veem qualquer elogio de Mnangagwa como uma tentativa de limpar a sua imagem. Já os defensores do presidente veem a oposição como perdedores que não querem se submeter ao processo democrático que afirmam representar. Eles apontam o fato de a oposição poder realizar protestos e manifestações como um sinal de progresso.
Jestina disse que, embora a liberdade de expressão seja maior agora do que na era Mugabe, isso não significa que os zimbabuanos se sentem livres. “Presenciamos pessoas trazidas aos tribunais sob alegações dos mesmos insultos incriminados pelas leis da era Mugabe – insultos ao presidente e ao governo. Muitos foram presos por exercerem direitos que são constitucionalmente garantidos. Estamos em uma situação muito precária em nosso país”, contou ela.
Depois que o tribunal derrubou um pedido de análise dos resultados eleitorais do líder da oposição Nelson Chamisa, ele se recusou a recuar, dizendo que "o presidente Mnangagwa era disputado como líder, e que tinha uma reivindicação legítima de que devia liderar o povo do Zimbábue".
Enquanto isso, a onda de investimentos prometida por Mnangagwa se mostrou insignificante, e a economia continuou a ser fonte de miséria. A instabilidade política decorrente da disputada eleição e suas consequências levaram muitos investidores internacionais a concluir que o Zimbábue não é um bom investimento.
Uma década atrás, durante a pior crise econômica do Zimbábue, a inflação ficou fora de controle, levando o governo a imprimir notas de cem trilhões antes de acabar com o dólar zimbabuano, optando por títulos atrelados ao dólar americano. Mas essa moeda acabou sendo prejudicada após o contínuo uso do governo para pagar os salários dos funcionários.
Em outubro, assim como em 2008, um número incontável de pessoas perdeu todas as suas economias.
“Os cidadãos zimbabuanos estão pagando pelos excessos de uma elite predatória que não é responsabilizada pelos erros”, disse Piers Pigou, do International Crisis Group.
Mlandeli, o engenheiro, diz desejar que o governo engula o orgulho, descarte os novos títulos e comece a negociar no dólar americano e no rand, moeda sul-africana.
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Em outro eco da crise de 2008, 50 pessoas morreram em setembro deste ano em um surto de cólera que atingiu Harare, exatamente na mesma semana em que Mnangagwa fez seu discurso de posse no parlamento. Em 2008, mais de 4 mil pessoas morreram. A crise da inflação atingiu particularmente os hospitais, deixando-os incapazes de pagar medicamentos importados.
“Nossos pacientes estão morrendo, as cirurgias estão sendo canceladas”, comunicou a Associação Médica do Zimbábue em um comunicado.
O principal partido da oposição – o Movimento para a Mudança Democrática – concentrou-se, principalmente, em organizar protestos e se recusar a trabalhar com Mnangagwa, com medo de legitimar sua vitória.
De maneira simples, isso significa que a oposição tem pouca influência na transformação para um novo Zimbábue, com o qual a população tanto anseia.
“Eu não quero exagerar e dizer que haverá violência, mas nossa paciência está se esgotando”, disse Pigou.
Para muitos no Zimbábue, a paciência é tudo o que eles têm.
*Max Bearak tornou-se chefe da sucursal do Post na África em 2018. Anteriormente, ele cobriu no Afeganistão, Bangladesh, Índia, Somália e Washington, após cobrir Nova Delhi e Mumbai para o New York Times e outros veículos.