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Pessoas seguram velas e fotos de parentes que morreram durante os protestos do ano passado na procissão “El Silencio” na Quinta-Feira Santa, 18 de abril. Foto: Inti Ocon / AFP
Pessoas seguram velas e fotos de parentes que morreram durante os protestos do ano passado na procissão “El Silencio” na Quinta-Feira Santa, 18 de abril. Foto: Inti Ocon / AFP| Foto:

Um ano atrás, o governo da Nicarágua estava à beira do colapso.

Os protestos contra o presidente Daniel Ortega explodiram em todo o país em 19 de abril de 2018, depois que o governo aprovou discretamente um imposto sobre os cheques de pensão dos aposentados. Os manifestantes fizeram barricadas em rodovias e estradas principais, paralisando a economia da Nicarágua.

Em maio de 2018, 70% dos nicaraguenses queriam que Ortega – que se tornou surpreendentemente rico comandando o maior país da América Central – renunciasse.

"Isso não é um diálogo", disse Lesther Alemán, estudante e ativista, a Ortega durante uma negociação com o governo transmitida pela televisão em maio de 2018. "Esta mesa é para negociar sua saída, e você sabe muito bem por que as pessoas exigiram isso."

Hoje, o presidente Daniel Ortega tem o controle novamente. Alemán e centenas de outros líderes da oposição fugiram do país. E pelo menos 50.000 nicaraguenses, incluindo dezenas de repórteres, escaparam para os países vizinhos.

Mas com exceção de alguns protestos isolados – todos rápida e violentamente reprimidos – a “primavera tropical” da Nicarágua perdeu seu ímpeto. O que aconteceu?

O autoritarismo eleitoral de Ortega      

Eu sou um estudioso americano que pesquisou a política da Nicarágua por anos. Quando o caos político forçou a mim e a minha família a abandonar Manágua em junho de 2018, tive quase certeza de que os dias de Ortega estavam contados.

Em uma sociedade democrática, eu poderia estar certo. Desde 1985, 70% de todos os presidentes latino-americanos democraticamente eleitos que enfrentaram protestos de rua igualmente constantes acabaram sendo destituídos.

Ortega desafiou essas probabilidades, tornando-se o tipo de líder forte contra quem ele se rebelou quando era um herói da revolução sandinista de 1979 da Nicarágua. Usando repressão calculada para esmagar a retórica dissidente e antiimperialista para desviar a culpa, Ortega na verdade fortaleceu seu poder.

Este é o terceiro mandato consecutivo de Ortega como presidente e a quinta vez governando a Nicarágua. Ele chegou ao poder pela primeira vez nos anos 80 como chefe da junta governante pós-revolução dos sandinistas e, em 1985, foi eleito presidente.

Em 1990, Ortega perdeu para Violeta Chamorro, que deu início a 16 anos de governo conservador na esquerdista Nicarágua. Ortega retornou ao cargo em 2007.

Desde então, Ortega concentrou sistematicamente o poder no Executivo, lotando o supremo tribunal com partidários, reprimindo a liberdade de imprensa e, em 2014, abolindo os limites do mandato presidencial.

Em 2016, Ortega venceu seu terceiro mandato consecutivo com mais de 70% dos votos e tornou sua esposa, Rosario Murillo, vice-presidente. Mas apenas 30% do eleitorado nicaraguense compareceram às urnas naquele ano – o primeiro sinal de que a popularidade de Ortega estava diminuindo.

Quinze meses depois, milhares de manifestações contra o governo quase derrubaram seu regime.

"Eles me queriam vivo ou morto"

Ortega mobilizou todo o poder do Estado nicaraguense – um governo que ele construiu do zero à sua maneira – para sobreviver.

O regime enviou tropas de choque e paramilitares pró-governo para espancar, atirar, aterrorizar e prender manifestantes. Alguns presos políticos foram libertados, mas centenas ainda estão presos. Lá, dizem dissidentes, eles foram torturados com afogamentos, choques elétricos e agressão sexual. Muitos relatam ter sido forçados a gravar vídeos auto-incriminatórios.

Depois que Lesther Alemán, de 20 anos, confrontou Ortega na TV nacional em maio do ano passado, ameaças de morte apareceram, obrigando-o a se esconder e, eventualmente, a exilar-se. Alemán afirma que o governo ofereceu US$ 50.000 dólares por sua captura.

“Eles me queriam vivo ou morto”, ele me disse recentemente em sua nova casa nos Estados Unidos. “Esse momento foi divisor de águas. Desde então, nada foi o mesmo”.

A maioria dos nicaraguenses concorda. De acordo com uma pesquisa da Cid Gallup realizada em janeiro, 74% dizem que a vida piorou no ano passado, 66% desaprovam o governo e 54% querem que a próxima eleição presidencial da Nicarágua seja adiantada de 2021 para este ano.

Apenas 25% dos respondentes se alinham com o partido sandinista de Ortega.

Um bode expiatório americano

Ainda assim, os números mostram, Ortega mantém os restos de sua base.

Como seu aliado venezuelano Nicolás Maduro, que culpa os EUA pela crise econômica e humanitária de seu país, Ortega reuniu seus partidários culpando os Estados Unidos pelo levante popular contra ele.

"Os Estados Unidos envenenaram nosso trabalho por meio de intervenção, é aí que está a raiz do problema", disse Ortega ao canal de TV venezuelano Telesur em julho.

As reivindicações de Ortega apelam para um profundo sentimento antiamericano resultante da interferência repetida dos Estados Unidos nos assuntos políticos da Nicarágua. O que inclui uma ocupação militar dos EUA de 1912 a 1933 e, na década de 1980, o financiamento clandestino do governo Reagan à uma rebelião sangrenta contra o próprio Ortega.

Muitas pessoas que entrevistei acreditavam que a revolta da Nicarágua reflete uma conspiração do governo Trump – e não a indignação popular contra um governo corrupto e distante.

"Por que deveríamos confiar nos Estados Unidos?", um antigo membro do partido Sandinista me perguntou durante as manifestações de abril passado.

Ajuda americana

Não há evidências de envolvimento direto dos EUA na crise da Nicarágua.

Desde o início, o governo Trump puniu o governo de Ortega por reprimir liberdades civis, limitando severamente seu acesso aos mercados financeiros internacionais, e sancionou membros de sua administração, incluindo sua esposa.

Durante anos, a Agência dos Estados Unidos para o Desenvolvimento Internacional também investiu moderadamente no país para “reforçar a governança democrática e expandir as oportunidades educacionais”. Entre 2015 e 2018, grupos da sociedade civil nicaraguense receberam US$ 92 milhões em ajuda para desenvolvimento – aproximadamente equivalente à ajuda enviada aos vizinhos da América Central. O National Endowment for Democracy – uma fundação privada sem fins lucrativos com laços estreitos com o Departamento de Estado americano – gastou mais US$ 4,1 milhões para fortalecer as instituições democráticas na Nicarágua desde 2014.

Os projetos financiados pelos EUA incluem o workshop de educação cívica que Jeancarlo López, um estudante de engenharia que se tornou dissidente, realizou em 2017 no Centro Para Desenvolvimento e Democracia.

“As coisas que aprendemos foram as coisas básicas que você deve aprender na escola sobre direitos humanos e democracia”, disse ele.

Apesar do comando continuado de Ortega, o dissidente exilado Lesther Alemán continua esperançoso de que a oposição da Nicarágua irá triunfar.

"Ortega nos rotulou de terroristas", disse ele. "Mas a verdade é difícil de esconder."

*Benjamin Waddell é professor de Sociologia no Fort Lewis College, no Colorado, Estados Unidos

©2019 The Conversation. Publicado com permissão. Original em inglês

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