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América Latina

Um ano sem Fidel, um ano com Fidel

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Havana – Um ano sem Fidel, um ano com Fidel. O afastamento do presidente Fidel Castro, que em 31 de julho de 2006 passou o poder temporariamente a seu irmão, Raúl Castro, provocou angústias e expectativas, mas não mudou a rotina dos cubanos. Todo mundo sabe, em Cuba, que o comandante esteve muito mal, depois da cirurgia que enfrentou 12 meses atrás, mas ninguém se arrisca a fazer qualquer prognóstico. Quem esperava por mudanças nesse período tem agora a certeza de que, se alguma coisa vai ocorrer, não será logo.

"Eu achava que Raúl fizesse algumas reformas econômicas, mas nada aconteceu", disse Dimas Castellanos, de 64 anos, um dos editores da revista digital Consenso, que com um pequeno grupo de intelectuais defende a social-democracia como alternativa para a Revolução de 1959. Cientista político, ele foi demitido do cargo de professor de uma escola de agronomia, em 1992, por ter levado sua proposta a alguns colegas. Apesar de ter atuado na União dos Jovens Comunistas e de ter combatido numa brigada cubana na Etiópia.

Além da falta de liberdade, Castellanos considera que o salário, a moradia e o transporte são os desafios mais urgentes que o governo tem de enfrentar. "Ninguém sobrevive aqui com uma renda média de 250 pesos mensais, o equivalente a 10 dólares", afirma esse ex-professor que, ao perder o emprego, passou a fazer "bicos", digitação de textos, por exemplo, para teses universitárias.

"Não se fala em roubo, mas em luta, o que significa que o motorista de táxi cobra fora da tabela e que os funcionários dos hotéis levam alimentos para casa", afirma Castellanos, citando práticas rotineiras que, assim como as gorjetas, ajudam a equilibrar o orçamento doméstico. A existência de duas moedas – o peso cubano e o peso conversível (CUC), de valor quase igual ao do euro, divide o país em classes desiguais, inadmissíveis num sistema socialista.

Fidel Castro, que nas últimas semanas passou a publicar "reflexões" sobre assuntos mundiais e nacionais, levantou essa questão em Autocrítica de Cuba, um longo artigo divulgado no último dia 10. "Nem todos os cidadãos recebem do exterior divisas conversíveis, algo que não é ilegal, mas que às vezes cria desigualdades e privilégios irritantes num país que se esmera pelos serviços vitais e gratuitos que oferece a toda a população", escreveu o comandante.

O pior, acrescenta Fidel, é que os cidadãos que recebem pesos conversíveis ou que recebem divisas do exterior "adquirem, ao mesmo tempo, serviços sociais essenciais gratuitos, alimentos, remédios e outros bens a preços ínfimos e subsidiados". O governo taxou o dólar em 20% para coibir a "ganância" e o espírito consumista dos cubanos que são sustentados pelos parentes exilados em Miami, mas não consegue impedir a troca clandestina da moeda americana por outras moedas.

Estrangeiro que desembarca em Cuba só pode usar o peso conversível, de circulação obrigatória igualmente para compra de artigos considerados supérfluos e para o abastecimento de carros particulares. A gasolina, que se vendia em quotas mensais, agora se compra à vontade, mas em CUC, a 80 centavos o litro. As lojas de Havana têm de tudo, de perfumes a automóveis de luxo, para quem pode desembolsar divisas.

Embora os cubanos da diáspora – cerca de 4 milhões nos Estados Unidos, Canadá e Europa – enviem mais de US$ 1,2 bilhão por ano, a maioria dos cidadãos não vê esse dinheiro. O abastecimento por carnê de racionamento, que garante o básico à população, mas nunca em quantidade suficiente, continua em vigor como há quase 50 anos, desde que os americanos impuseram o bloqueio econômico ao regime de Fidel Castro. Apesar de todas as brechas abertas pelo peso conversível, lembrou o comandante em sua autocrítica, o regime especial de racionamento ainda não acabou.

O sociólogo e teólogo Félix Sautié, de 69 anos, é autor de livros e de artigos com críticas ao que classifica como distorções do regime. Fundador do Partido Comunista de Cuba, com a assinatura de Fidel no certificado de filiação, Sautié se preocupa com a falta de perspectivas para os jovens, que se formam em cursos superiores e depois não têm o que fazer com o diploma. "Tenho dois filhos na Espanha, um na Bélgica e dois nos Estados Unidos, que abandonaram o país em busca de um futuro profissional", revelou o sociólogo, sem condenar essa decisão que desmantelou sua família.

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