"Indignai-vos!". A palavra de ordem, conclamando cidadãos do mundo inteiro a não ficarem de braços cruzados diante da lei dos mercados, de governos injustos ou dos ditadores, não veio de nenhum político ou revolucionário da juventude francesa. Veio, sim, de um indignado de 93 anos, que não é qualquer um: Stéphane Hessel, judeu sobrevivente dos campos de concentração nazistas, herói da Resistência francesa durante a Segunda Guerra Mundial e um dos redatores da Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Num livro de 29 páginas mas com apenas 13 de texto publicado na França no final do ano passado, sob o título de Indignai-vos!, Hessel provocou uma revolução, pelo menos, nas livrarias francesas: mais de 1,5 milhão de cópias já foram vendidas. Seu livro, que custa só 3 euros, virou um verdadeiro "cult" no país e mesmo fora. O homem está tão solicitado (vai encerrar neste ano participação em eventos em pelo menos 20 países) que resolveu tirar uns dias para relaxar num spa na Tunísia. "Preciso me reabastecer", disse, horas antes de embarcar para a Suécia, seguindo depois para Eslovênia e Nova York.
Hessel se assustou com o sucesso do livro e, sobretudo, com seu novo status: espécie de Che Guevara à francesa. "Fiquei muito surpreso. Imaginei no início que o texto só interessaria a um pequeno número de franceses. Na França, já vendeu mais 1,5 milhão. Mas o que me encantou foi que este texto interessou 30 países no mundo, do Japão à Coreia do Sul, Estados Unidos, Brasil, Argentina", disse.
Dedo na ferida
Qual a explicação para isso? O texto de Hessel, como ele mesmo constatou, foi escrito no momento certo: tocou na ferida que incomoda todo mundo atualmente, isto é, a impotência diante da crise e da lei dos mercados, além da falta de clareza sobre a direção que o mundo está indo. O mais extraordinário, entretanto, é o discurso revolucionário ter partido de quase um centenário.
A ideia do livro veio de uma pequena editora francesa chamada Indigène Editions, que abre espaço para excluídos do mundo: os aborígenes da Austrália, os índios dos EUA, os Maoris das ilhas do Pacífico. A editora tem uma coleção chamada Os Que Caminham contra o Vento, em que publica ideias de autores críticos. Stéphane Hessel caiu como uma luva. Herói da resistência francesa, inconformado e ativo, ele havia feito um discurso de improviso em maio de 2009, no plateau des Glières, o lugar da primeira batalha do movimento francês contra os nazistas. Daquele lugar, lançou um "indignai-vos!", argumentando que da mesma forma como se resistiu aos nazistas na Segunda Guerra, é preciso resistir às injustiças de hoje, inclusive, à ditadura dos mercados. Bingo! Até Hessel, a série de Os Que Caminham contra o Vento que mais havia vendido era um livro de um professor, Bastien Cazals, sob o título Sou Professor e Desobedeço, que vendeu 15 mil exemplares.
"Contrariamente ao que se pensa, há uma parte da sociedade que pratica o engajamento, a resistência, o contrapoder. Isso é pouco midiatizado. Hessel é o grande pai [deste grupo], o grande sábio explicou Sylvie Crossman, uma das fundadoras da editoria, numa entrevista à rede de tevê France 24.
Críticas
À reportagem, Hessel queixou-se que falta dinamismo das novas e antigas gerações para lutar contra as injustiças. Ele não suporta o que chama de cumplicidade dos políticos com o poder econômico e financeiro e defende a revolta pacífica, argumentando que "violência é um método ruim pois suscita uma violência ainda mais forte da parte daqueles contra os quais nos indignamos". "Temos que saber negociar, se mobilizar, votar nas eleições por homens ou mulheres que possam mudar as coisas", diz.
As revoltas de Maio de 1968, que desembocaram em violência nas ruas de Paris, então, foram um mau precedente? Hessel responde dizendo que foi um precedente "apaixonante" porque conseguiu mudança no plano moral e a liberação dos costumes. Mas, no plano político, segundo ele, foi um retrocesso. "Não teve impacto politico. Maio de 68 foi sucedido em vários países pelo retorno da direita reacionária", argumenta.
Hessel sonha com jovens resistindo às injustiças de hoje com o mesmo entusiasmo que ele resistiu aos nazistas. Sua decepção, neste campo, é grande. "Seria bom que a nova geração comece a protestar. Que se indignem e digam que querem ser parte de uma sociedade harmoniosa ( ) Infelizmente, o dinamismo democrático que precisamos na nova geração enferrujou. Muita gente se abstém nas eleições, não se interessa. Num momento em que o barco afunda, é preciso se engajar", prega.
Hessel saudou as rebeliões nos países árabes como exemplo de cidadania indignada. Se o seu discurso transcrito num livro que corre o mundo inspirou e atraiu uma legião de admiradores, ele também colecionou alguns inimigos. Um deles, o governo de Israel. Para ele, "os ataques do país ao território palestino ocupado de Gaza, em 2009, são um crime de guerra", e podem ainda ser um crime contra a Humanidade. Algumas organizações judaicas franceses o acusaram de "antissemita".
Hessel é, definitivamente, pró-mulher. Admirador de Lula, ele festejou a eleição de Dilma Rousseff como um avanço, e revelou que ele, também, vai votar nas eleições presidenciais da França em 2012 numa mulher: Martine Aubry, secretária-geral do Partido Socialista.